Agenda municipal deve ser inversa à do golpe, diz Carla Tatiane

Candidata a vice na chapa de Fernando Mineiro em Natal (RN) acredita que cidades orientadas à inclusão social podem ajudar a conter sangria de direitos

Foto: Sarah Wollermann

Carla Tatiane, candidata a vice na chapa do petista Fernando Mineiro à prefeitura de Natal, é líder sindical dos Correios, onde é servidora há 14 anos, secretária estadual de Mulheres do PCdoB potiguar e advogada integrante da Comissão pela Mulher Advogada da OAB/RN. Ela formou-se em Direito em 2012 na Universidade Potiguar (UnP), beneficiária dos programas de acesso à educação superior dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Por conhecer na pele o empoderamento que traz esse tipo de política pública, é enfática na defesa de programas de inclusão social, e se diz preocupada com os rumos que o governo federal está tomando desde o golpe que empossou o presidente usurpador Michel Temer (PMDB).

Ela acredita, no entanto, que um governo municipal progressista pode atuar de forma a ampliar direitos e programas sociais, oferecendo contraponto aos cortes de orçamento de um governo federal neoliberal, bem como incentivar o debate público sobre os diferentes programas políticos defendidos pelos partidos.

“As candidaturas de esquerda têm o papel de denunciar medidas como a flexibilização de direitos trabalhistas, a reforma da previdência e a PEC 241, que muda a Constituição para simplesmente interromper todo o investimento federal em saúde, educação e nas áreas sociais.

Então temos de colocar como agenda para o município uma agenda inversa à que está posta nacionalmente. Essa é uma forma de resistência. Se ele vão cortar os programas sociais, eu e Mineiro queremos fazer o contrário”, pondera, em entrevista à Agência PT.

Militante feminista, ela relata a importância que o combate à violência doméstica tem no plano de governo de sua chapa com Mineiro, especialmente levando em conta os dados recentes de violência contra a mulher no Estado: na segunda metade de agosto, em um período de 20 dias, 12 feminicídios ocorreram no Estado, acumulando 65 em 2016 – quase todos eles em Natal e na região metropolitana. “Embora o combate à violência seja uma responsabilidade imediata do governo estadual, a prefeitura não pode simplesmente se omitir, se esconder diante desse fato. São mulheres natalenses ameaçadas de morte diariamente aqui na cidade. Quando a gente chega a esse índice, imagina quantas estão sob ameaça. Isso revela, além da cultura machista vigente, também a ausência do poder público em programas de prevenção”, afirma.

“Temos de levar em conta que as delegacias da mulher não funcionam aos fins-de-semana e não são 24h. Então é necessário que a prefeitura tenha a preocupação de qualificar esse serviço do governo estadual na cidade”, cita, como exemplo de ações integradas que podem coibir a violência doméstica contra a mulher na cidade.

Agência PT: Carla, a campanha de Mineiro dá bastante visibilidade à candidata a vice, e você tem se apresentado também à frente do debate de propostas para a cidade. Não tem sido assim em todas as candidaturas em Natal. É um diferencial da chapa de vocês?
Carla Tatiane: É um diferencial. Primeiro porque a maneira com que os partidos que estão na Frente Popular da Cidadania se organizam. O PT e o PCdoB não se propõem a ser figurativos em nenhuma composição. A gente vê um cargo eletivo ou representativo com seriedade. O vice-prefeito também administra e desenvolve a cidade, ajuda a cuidar de seu povo. Tem outra questão também nesta aliança: a vice é uma mulher, e nossos partidos consideram de extrema importância o protagonismo das mulheres na política. A vice tem protagonismo na campanha e terá também na gestão porque nós entendemos que essa questão é fundamental. Nós somos mais da metade da população, e em Natal mais ainda, e entendemos que a participação da mulher qualifica a política e garante a democracia. Não se pode falar em democracia quando não se tem a inclusão da mulher, tanto quanto dos negros ou da população LGBTT. Quanto mais participação desses grupos, mais democracia, e quanto mais democracia, mais direitos para todos e todas.

Não se pode falar em democracia quando não se tem a inclusão da mulher, dos negros e da população LGBTT”

Apesar da maioria da população ser mulher, Natal enfrenta muitos problemas de violência contra elas. Em agosto, houve uma onda de 12 feminicídios em pouco mais de 20 dias no Rio grande do Norte. Como o poder municipal pode lidar com essa questão?
Natal hoje é a segunda cidade mais violenta do Brasil, e a 13ª do mundo. Isso nos entristece, nos preocupa e nos confere uma responsabilidade grande. A violência contra a mulher acompanha o passo da violência de forma geral. Nós chegamos à triste marca de 11 casos em 11 dias, 5 feminicídios em apenas um fim-de-semana. Esse índice é estadual, mas a maioria ocorreu em Natal e na grande Natal. Já são 65 mortes de mulheres neste ano, no estado; dessas, 23 em Natal e 56 na grande Natal. Daí a gente tira a importância da ação da prefeitura de Natal, que tem influência sobre as demais cidades do estado, sobretudo na região metropolitana.

Embora o combate à violência seja uma responsabilidade imediata do governo estadual, a prefeitura não pode simplesmente se omitir, se esconder diante desse fato. São mulheres natalenses ameaçadas de morte diariamente aqui na cidade. Quando a gente chega a esse índice, imagina quantas estão sob ameaça. Isso revela, além da cultura machista vigente, também a ausência do poder público em programas de prevenção.

No nosso programa de governo, há um capítulo voltado à questão da mulher, onde há diversas propostas viáveis e eficazes para se aplicar em curto e médio prazo para prevenir e combater a violência contra a mulher. Uma delas é a estruturação e fortalecimento da Secretaria Municipal da Mulher, que estava ameaçada de ser fechada pelo prefeito. O que nós queremos é autonomia administrativa e financeira dessa secretaria, que deve também trabalhar de forma intersetorial com as secretarias de educação, saúde e assistência social. Além disso, buscaremos incentivo para que as mulheres possam entrar no mercado de trabalho e tenham autonomia financeira. Infelizmente, vemos que, neste momento de crise, que as mulheres sofrem mais com o desemprego, embora geralmente sejam mais qualificadas que os homens.

Estamos em diálogo com as mulheres para incluir questões que não estão contempladas. Nosso programa de governo não é fechado; registramos uma proposta no TRE que vem do acúmulo de nossa militância com os movimentos sociais, mas esse diálogo ainda não se encerrou

Essas são ações que incidem sobre a violência de forma lateral, porque empoderam as mulheres e as tornam mais protegidas da violência. Isso não significa que elas estejam livres do problema, mas a violência incide mais sobre as mulheres dependentes dos seus maridos. Agora, voltadas diretamente à questão da violência, temos um Programa Municipal de Enfrentamento e Prevenção da Violência Doméstica, que inclui a multiplicação e reequipamento dos centros de referência da mulher, das casa de passagem e das casas abrigo. Precisamos estreitar nossa parceria com a defensoria pública, o Ministério Público e o governo do Estado. Temos de levar em conta que as delegacias da mulher não funcionam aos fins-de-semana e não são 24h. Então é necessário que a prefeitura tenha a preocupação de qualificar esse serviço do governo estadual na cidade.

E estamos em diálogo com as mulheres para incluir questões que não estão contempladas. Nosso programa de governo não é fechado; registramos uma proposta no TRE que vem do acúmulo de nossa militância com os movimentos sociais, mas esse diálogo ainda não se encerrou. A juventude e os movimentos de mulheres têm conversado conosco para apresentar novas propostas, que lidem com problemas específicos das mulheres jovens, mulheres negras, mulheres LGBTT, mulheres empreendedoras, entre outros grupos.

O grande exemplo é a Lei Maria da Penha, que é considerada uma das melhores legislações de combate à violência doméstica do mundo e que nos últimos 10 anos diminuiu em 10% os casos previstos de violência contra a mulher, foi construída por um governo em diálogo permanente com a sociedade e com os movimentos de mulheres, além das mulheres parlamentares.

Foto: Vlademir Alexandre

Foto: Vlademir Alexandre

A campanha eleitoral foi interrompida ao meio por um golpe contra a democracia. Qual a importância de levar uma candidatura de esquerda à rua neste momento?
O golpe de estado que interrompeu o governo eleito legitimamente eleito por 54 milhões de votos tem reflexos imediatos e profundos nas cidades. As eleições acontecendo neste momento, que tem essa gravidade, têm uma importância muito grande, e exige das candidaturas resistência ao governo golpista. Eles já estão implantando uma agenda conservadora e retrógrada, que foi apreciada pelos eleitores em 2014 e foi derrotada nas urnas, e não seria eleita hoje. Por isso o Golpe.

Então as candidaturas de esquerda têm um papel muito importante, de denunciar medidas como a flexibilização de direitos trabalhistas, a reforma da previdência e a PEC 241, que muda a Constituição para simplesmente interromper todo o investimento federal em saúde, educação e nas áreas sociais. É uma lei que impõe 20 anos de investimento praticamente zero nessas áreas. Significa a gente não tem nenhuma escola a mais, o fim do reajuste aos professores, significa não ter reajuste aos servidores das saúde, nenhum posto ou hospital a mais com apoio do governo federal.

Então temos de colocar como agenda para o município uma agenda inversa à que está posta nacionalmente. Essa é uma forma de resistência. Se eles vão cortar os programas sociais, eu e Mineiro queremos fazer o contrário.

Temos de colocar como agenda para o município uma agenda inversa à que está posta nacionalmente. Essa é uma forma de resistência. Se eles vão cortar os programas sociais, eu e Mineiro queremos fazer o contrário.

 

Foto: Sarah Wollermann

E nos partidos, o que o golpe torna necessário discutir, repensar em nossas práticas?
Não podemos nunca deixar de buscar o diálogo intenso e permanente com a população, apresentar o significado político e prático das ações dos governantes, inclusive na prefeitura. A última experiência progressista que tivemos em Natal foi nos anos 60, com Djalma Maranhão, e foi justamente interrompido pelo golpe militar.

Temos de debater com as pessoas sobre a importância de retomar uma gestão mais próxima das pessoas, inclusiva e progressista, como contraponto à onda conservadora nas outras esferas de governo.

Da Redação da Agência PT de Notícias

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