Alta de 1% na Selic gera dívida de R$ 38 bi, triplo do custo do Bolsa Família

Benefício começou a ser pago em janeiro pelo MDS para 21,9 milhões de famílias, ao custo de R$ 13,38 bilhões. Valor da dívida líquida do setor público por causa dos juros também cobriria o Minha Casa, Minha Vida

Efeito dos juros altos: gastos com a dívida líquida do setor público retiram recursos de programas sociais (Foto: Sergio Amaral - MDS)

Uma pergunta deve ser feita por todos os que têm interesse no debate nacional sobre a abusiva taxa de juros determinada pelo Banco Central, hoje em 13,75%. Quanto dinheiro o governo Bolsonaro retirou da economia popular e de programas sociais para despejar no pagamento de juros da dívida pública? O cálculo não é simples, mas uma conta pode ser feita, a partir dos recursos desperdiçados em função da alta nos juros. Para cada aumento de um ponto percentual na Selic, a dívida líquida do setor público cresceu R$ 38 bilhões. Em outras palavras: quantos Bolsa Família valem esse gasto inútil?

A resposta: quase três vezes o custo do maior programa de transferência de renda do mundo. Dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, referentes à janeiro, apontam que o benefício começou a ser pago para 21,9 milhões de famílias, ao custo de R$ 13,38 bilhões. Ou seja, com a despesa na dívida de apenas 1% de alta nos juros, gerada exclusivamente por uma decisão do BC, daria para pagar quase três vezes o orçamento do Bolsa Família.

Os R$ 38 bilhões também são mais do que suficiente para bancar quase quatro vezes as despesas do Minha Casa, Minha Vida, cujo orçamento prevê cerca de R$ 10 bilhões e a retomada de pelo menos 5 mil obras paralisadas em 2023. Também daria para cobrir com sobra o orçamento mínimo para o Sistema Único de Saúde (SUS), defendido pelo grupo de Saúde do Gabinete de Transição, após o resultado das eleições: cerca de R$ 22 bilhões.

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Como o Brasil não aumentou os juros em apenas 1%, mas 11,75% desde que Roberto Campos Neto ganhou mandato no BC não coincidente com o do presidente da República, em 2021, pode-se fazer outro cálculo: “O impacto na dívida líquida do setor público foi de R$446,5 bilhões”, destacou o economista Márcio Pochmann, ao se manifestar sobre o assunto, abrindo caminho para uma frente ampla de discussão sobre os juros praticados no país. “Um gasto improdutivo”, resumiu.

Taxa de juros é ineficaz contra a inflação e bloqueia investimento

Do mesmo modo, o economista André Lara Rezende demonstrou em artigo no Valor que, ao retirar dinheiro essencial para investimentos sociais e para a expansão da capacidade produtiva do país, o Banco Central privilegia o rentismo, formado pelos super ricos que detém títulos da dívida pública. Com juros mais altos, sobem os lucros dos endinheirados, em uma interminável ciranda financeira que cresce às custas da miséria dos mais vulneráveis, que penam com a falta de investimentos sociais.

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O economista referiu-se à histeria da mídia corporativa em reação a uma suposta gastança planejada pelo novo governo Lula, o que seria uma ameaça para as contas públicas. “A PEC da Transição autorizou despesas em torno de 2% do PIB. A alta da taxa básica de juros, promovida por canetadas do BC desde o início de 2021, custou quase o dobro desses 2% do PIB, só em 2022. Faz sentido?”, questiona Lara Rezende.

O economista avaliou o comunicado do Banco Central, em que justifica a taxa básica no atual patamar devido a uma conjuntura “particularmente incerta no âmbito fiscal” e pelas “expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos”.

“Expectativas de quem?”, questiona o economista. “Do mercado financeiro, divulgadas pelos seus próprios analistas. Por que estariam desancoradas? Por causa do risco fiscal que eles mesmo decretaram ser muito alto e se encarregam de propagar por toda a mídia”, escancara Lara Rezende. “Ou seja, independentemente dos dados e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto”.

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O Banco Central de Campos Neto tem usado como justificativa para manter a Selic nas alturas a necessidade de o país conter a inflação. O problema é que o Brasil hoje não possui uma inflação de demanda, uma vez que o consumo é pífio, em função, justamente, do crédito caro. Com uma projeção de crescimento de 0,77% neste ano, a economia encontra-se longe de um quadro de aquecimento que exigiria uma medida como a adotada pelo BC.

Ao contrário, as famílias brasileiras esforçam-se para retirar seus nomes das listas de negativados pelo país, enquanto parcelam compras básicas como gás de cozinha para chegar ao mês seguinte. Um mundo distante da arejada sala ocupada pelo bolsonarista Campos Neto, na sede do BC, em Brasília. 

Da Redação, com Valor

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