12 anos do Estatuto da Igualdade Racial, por Eloi Ferreira de Araújo

A aprovação do Estatuto somente foi possível devido à pressão do movimento negro, que, por mais de dez anos, acompanhou a tramitação do projeto, lembra o ex-ministro da Igualdade Racial

Ricardo Stuckert

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O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, completou 12 anos em 20 de julho de 2022. Sancionada sem vetos pelo Presidente Lula, essa lei é o mais importante marco legal para a comunidade negra brasileira, desde a lei que aboliu a escravidão. Um samba histórico da escola de samba Mangueira dizia que os escravizados ficaram livres da senzala, mas presos na miséria da favela. A aprovação do Estatuto somente foi possível devido à pressão do movimento negro, que, por mais de dez anos, acompanhou a tramitação do projeto e conquistou essa importante vitória junto ao Congresso Nacional.

A aprovação do Estatuto foi a primeira vez, desde 1888, em que uma legislação em matéria não penal se dedicou à população negra brasileira.

O Estatuto da Igualdade Racial incorporou ao direito brasileiro o instituto das ações afirmativas, que é a principal ferramenta de promoção da igualdade material – não somente formal – do ordenamento nacional.

A Lei 12.288 determinou, ainda, que a lei orçamentária deve explicitar os recursos para o financiamento de políticas públicas para a promoção da igualdade racial e estabeleceu o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a fim de articular e de apoiar todos os municípios que implementem ações afirmativas e realizem políticas para a construção da igualdade de oportunidades entre negros e não negros.

É importante destacar, nesse sentido, que a Lei nº 10.639, que dispõe sobre o ensino da história geral da África e da valorização da contribuição da comunidade negra para a brasilidade, é parte integrante do Estatuto da Igualdade Racial.

Como documento vigoroso que precisa ser apropriado pela comunidade negra e por toda a nação, o Estatuto prevê, ainda, o reconhecimento dos mestres de capoeira, para que possam ensinar em instituições públicas e privadas; a garantia dos direitos das comunidades quilombolas; a proteção das religiões de matriz africana; o apoio ao empreendedorismo, à educação e à proteção da memória; a necessidade de aumento da presença negra nos meios de comunicação e mais muitas outras possibilidades. Para que sua efetividade seja plenamente alcançada, é necessário que o Estatuto seja regulamentado. Um exemplo exitoso seria a regulamentação de seu artigo 22, o qual poderá proporcionar a criação de cerca de 1,5 milhão de empregos para mestras e mestres de capoeira. Com a regulamentação de outros dispositivos, muito mais poderá ser realizado.

A severa desigualdade que ainda vivemos e que tem origem na herança da escravidão e no racismo advindo dela é o fio condutor de todos os graves dramas que afetam o Brasil, hoje, como: o assassinato de jovens negros; a fome que assola cerca de 40 milhões de brasileiras e de brasileiros, dos quais dois terços são negros e negras; o desemprego que alcança perto de 20 milhões de trabalhadoras e de trabalhadores; as inúmeras ofensas às mulheres negras; as mortes causadas pela pandemia da COVID-19, que impôs ainda mais dificuldades aos cerca de 30 milhões de moradores de comunidades, encostas e favelas; as mortes de indígenas, quilombolas e militantes ambientalistas, somadas às invasões de terras indígenas e de terras devolutas; a tentativa de se acabar com uma das mais importantes conquistas para a juventude negra que é a lei de cotas; a ausência de identificação dos mandantes dos assassinatos de Marielle e de Anderson. Por isso, a construção de um Brasil melhor, mais justo e em que exista o bem-estar para todos e todas apenas será possível pela adoção do pensamento e de políticas antirracistas. O Estatuto da Igualdade Racial é a base legal para que essa revolução antirracista de que o Brasil precisa seja uma realidade.

Eloi Ferrreira de Araújo é ex-ministro da Igualdade Racial

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