Artigo: Por que marchamos neste 8 de Março, por Gleide Andrade

A política de morte do governo Bolsonaro só será derrotada com a unidade das mulheres na luta por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome

Glória Flügel

Gleide Andrade. Foto: Glória Flügel

Desde o início do século XX, o 8 de março simboliza a luta das mulheres por melhores condições de vida, de trabalho, por participação política e pelos direitos sexuais e reprodutivos. Mais de 100 anos depois, a mobilização em torno do Dia Internacional de Luta das Mulheres continua cada vez mais necessária.

Apesar de se atribuírem distintas origens ao Dia Internacional da Mulher, diversas obras apontam que sua origem sempre esteve ligada às mulheres trabalhadoras socialistas. No início do século XX, já havia a ocorrência de celebração de um dia das mulheres, conforme indicou a II Internacional, dedicado à luta das mulheres pelo direito ao voto.

Mas apenas na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em 1910, em Copenhague, por sugestão da líder do movimento internacional de mulheres socialista, Clara Zetkin, houve a orientação de transformar essa celebração em um dia de luta internacional das mulheres.

O objetivo de Zetkin era reforçar os laços de solidariedade entre as mulheres socialistas de todos os países e tornar o direito ao voto feminino uma reivindicação internacional entre as socialistas. Todavia, não existia uma data fixa e, a cada ano, o Dia Internacional da Mulher era comemorado em um dia distinto.

Foi na Rússia, em 8 de março de 1917, o local e o ano em que o Dia Internacional da Mulher reverberou na história mundial. Na data, cerca de 90 mil mulheres russas se uniram nas ruas contra o czarismo, a fome, a participação russa na I Guerra Mundial e por melhores condições de trabalho. Aquele Dia Internacional da Mulher, que por anos acontecia na Rússia na data de 8 de março, culminou na Revolução de Fevereiro e foi fundamental para a Revolução de Outubro de 1917. Desde então, diversos países utilizaram a data de 8 de março como dia escolhido para a celebração do Dia Internacional das Mulheres.

Mais de 100 anos depois, as reivindicações por melhores condições de vida, de trabalho, de maternidade e de participação política seguem atuais.

Hoje o Brasil passa pela pior crise social dos últimos 20 anos, em que 55% dos brasileiros convivem em maior ou menor medida com a insegurança alimentar e a fome. Matérias sobre pessoas buscando comida em caminhão de lixo ou na fila para pegar ossos se tornaram uma infeliz rotina na mídia brasileira.

Nesse retrato social dos nossos tempos, é preciso observar que a maior parte das pessoas nas fotografias e vídeos são mulheres e, em sua maioria, negras. Não é por acaso: o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, no Brasil (2021), apurou que o percentual de mulheres que convivem com a fome é quase o dobro do percentual masculino (15,4% dos homens contra 27% das mulheres estão em situação de insegurança alimentar grave).

Esse quadro também tem forte relação com o racismo que estrutura nossa sociedade: 16,4% das pessoas brancas estão em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, enquanto, para as pessoas negras, a fome atinge 24,4% delas. Apesar disso, o governo Bolsonaro deixou de gastar R$ 80,7 bilhões do orçamento destinado a conter os efeitos da pandemia em 2020, segundo estudo do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos.

Quando olhamos para a situação das crianças brasileiras, os dados são ainda mais arrebatadores. Três em cada quatro crianças atendidas pelo SUS não fazem mais as três refeições básicas – café da manhã, almoço e jantar.

A maternidade, como está estruturada no Brasil, segue sendo um fardo carregado quase que exclusivamente pela mulher. Os dados do IBGE também comprovam isso: a presença de criança menor de 3 anos é fator determinante para a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Das mulheres de 25 a 49 anos com crianças de até 3 anos em casa, apenas 54,6% estão trabalhando, já as mulheres que não têm criança pequena no lar, 67,2% estão trabalhando. E, considerando somente o contexto feminino, há diferentes situações entre as brancas e as negras. Das mulheres negras com crianças de até 3 anos em casa, menos de 50% estão trabalhando, enquanto esse número é de 62,6% para as mulheres brancas.

A situação é bem diferente para os homens: daqueles que têm criança com menos de 3 anos em casa, 89% estão trabalhando e, para aqueles que não têm criança em casa, 83,4% estão no mercado de trabalho.

Além da fome e do desemprego, as mulheres seguem lutando em 2022 pelo direito mais fundamental, o direito à vida, já que o feminicídio é um problema crescente no Brasil.

O Atlas da Violência (2021) indicou que os homicídios de mulheres nas residências entre 2009 e 2019 cresceram 10,6%, enquanto os assassinatos fora de casa apresentaram redução de 20,6%, indicando que há um aumento da violência contra a mulher no Brasil. Além disso, mais uma vez vemos como o racismo se intersecciona com o sexismo: 61,8% das mulheres assassinadas, em 2020, no Brasil, eram mulheres negras.

E todo esse cenário de violência contra a mulher se agravou com a pandemia de COVID-19. Em 2020, com o início da pandemia, apesar de ter havido queda de 7,4% registros por violência doméstica na Polícia Civil, houve um aumento de 16,3% nas ligações de violência doméstica no 190, ou seja, em 2020, houve 1 chamado de violência doméstica por minuto, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Também ocorreu 3,6% mais medidas protetivas e aumento de quase 1% nos casos de feminicídio. Assim, o que os movimentos feministas alertaram, no início da pandemia, infelizmente apareceu nos números – as mulheres, agora trancadas em casa com seus agressores, tinham menos formas de prestar queixas sobre violências sofridas e estavam mais vulneráveis à violência doméstica. Em 2020, 81,5% das mulheres mortas foram por companheiros ou ex-companheiros.

Apesar de todos os alertas dos movimentos feministas e de pesquisadoras em gênero, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), liderado por Damares, gastou em 2020 apenas 30% do recurso autorizado para o ano, segundo o Inesc, o que ensejou abertura de inquérito para investigação pelo Ministério Público Federal.

O direito à vida digna das mulheres também perpassa pela luta contra a violência sexual. Só no Brasil, em 2020, ocorreram mais de 60 mil registros de ocorrência de estupro e estupro de vulneráveis, também de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021). E sabemos que a subnotificação da violência sexual é altíssima, com pesquisas indicando que apenas um terço das vítimas consegue reportar a denúncia às autoridades.

Por fim, o direito à participação política segue sendo pauta fundamental para a luta das mulheres, pois a política é a arena de disputas por melhores condições de vida para as meninas e mulheres. Apesar de termos o direito ao voto garantido para as mulheres desde 1932, no Brasil, seguimos sub-representadas: temos cerca de 15% de mulheres na Câmara dos Deputados, sendo que, das 77 deputadas que foram eleitas, 10 são do Partido dos Trabalhadores.

Segundo o estudo Estatísticas de gênero, indicadores sociais das mulheres no Brasil, publicado pelo IBGE (2021), em 2018, 32,2% das candidaturas para Câmara dos Deputados foram de mulheres, tímido avanço comparado a 2014, quando tivemos 31,8%, ambos valores bem próximos ao piso obrigatório previsto em lei. Além disso, o descompasso no apoio financeiro às candidaturas de mulheres é um grande empecilho para eleição das mesmas.

Em 2018, das candidaturas a deputados com receita superior a 1 milhão de reais, 82% eram homens e apenas 18% mulheres. Essa sub-representação também é vista nos municípios brasileiros, já que, dos eleitos para as câmaras de vereadores, apenas 16% eram mulheres. Curiosamente, o estado com maior percentual de vereadoras eleitas foi o Rio Grande do Norte, com 21,8%, único estado do país a ser governado por uma mulher, Fátima Bezerra.

Os desafios das mulheres brasileiras seguem ainda maior quando temos como chefe da República um homem que não só fez diversas declarações misóginas, racistas e LGBTfóbicas, como também traduz em seu governo essas posturas. Ainda conforme apuração do Inesc, o corte de recursos para o MMFDH, em 2022, foi de 33%. De outro lado, durante o governo Bolsonaro, houve crescimento de 108,4% na autorização de importação de armas longas em um ano e aumento de 97,1% de novas armas em 2020 no SINARM (PF), um crescente risco à vida das mulheres.

Nesse 8 de março, marcharemos mais uma vez pela vida das mulheres. A política de morte do Governo Bolsonaro só será derrotada com a unidade das mulheres na luta por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome.

Gleide Andrade é tesoureira Nacional do Partido dos Trabalhadores.

Originalmente publicado na Carta Capital.

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