Ato na PUC-SP defende legalidade democrática e chama para as ruas

Juristas, artistas e intelectuais defenderam o Estado Democrático de Direito e mostraram repúdio às tentativas golpistas em vigor no Brasil

São Paulo 16/03/2016 Ato pela Democracia no Teatro TUCA na PUC de São Paulo. Foto Paulo Pinto/Agencia PT

Bastou o ator Sérgio Mamberti falar “boa noite” para a plateia que superlotava o auditório do Tuca, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), na noite de quarta-feira (16), começar a gritar em uníssono: “Não vai ter golpe!”. O Ato pela Legalidade Democrática reuniu juristas, intelectuais, jornalistas, professores, escritores, estudantes e artistas para realizar um ato de resistência contra o golpe à presidenta Dilma Rousseff que se desenha na política nacional.

O histórico teatro paulistano estava tomado por dentro e por fora. Um telão garantiu que a multidão que não conseguiu entrar no espaço pudesse acompanhar o evento pela rua – que foi fechada para carros. Mamberti, o mestre de cerimônia da noite, rechaçou os abusos do Judiciário contra Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papel da grande mídia em manipular e insuflar a população. “A mídia conspira com seu caráter antidemocrático. Não permitiremos que se instale um estado policialesco e o golpismo prevaleça mais uma vez. Os guardiões da lei – juízes, promotores, policiais – não podem agir fora da lei”, conclamou.

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Da filosofia ao funk
O evento reuniu nomes representativos da sociedade brasileira: da filósofa Marilena Chauí ao jurista Fábio Konder Comparato; do escritor Fernando Morais ao economista Luiz Gonzaga Belluzo; da ativista Maria Fernanda Marcelino ao funkeiro Bruno Ramos. Os convidados foram, um a um, ao púlpito explanar os motivos por que se opõem ao golpe. A plateia, dentro e fora do teatro, participava com aplausos e cantorias.

O primeiro a falar foi o ativista Anivaldo Padilha, que lembrou que o juiz Sérgio Moro fez diversos atos de arbitrariedades durante a Operação Lava Jato, mas só ficaram mais evidentes nas últimas semanas por atacar ao largo da lei um ex-presidente da República. “Ele prefere o espetáculo midiático ao respeito às leis. Se a divulgação da conversa telefônica entre Dilma e Lula não é violação ao Estado Democrático de Direito, nada mais o é”.

“A condução coercitiva (contra Lula) foi feita sem base legal. Imaginem, então, como a Justiça age nas periferias do Brasil”, lembrou um representante do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da PUC.“A mídia cria heróis e desinforma a população”, analisou.

2016, 1964, 1954…
Ao microfone, o escritor Fernando Morais se disse muito emocionado em ver o Tuca tão lotado para discutir sobre Democracia. Ele falou sobre a repercussão negativa na mídia da posse de Lula como ministro da Casa Civil. “A mídia sempre vai perseguir o Lula. Sempre. O Lula pode aparecer com asas de anjo que essa mídia vai perseguí-lo até o último dia da vida dele”.

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Morais lembrou, também, que os grupos que hoje tentam desenhar um golpe contra a Democracia foram os mesmos que deram outros golpes em diversos momentos da história do Brasil – e com os mesmos interesses -, como em 1954, contra Getúlio Vargas, e em 1964, contra João Goulart. Ele garantiu, falando sobre a nomeação de Lula: “Eles estão nervosos porque sabem que, hoje, o jogo começou a virar”.

Economista e ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzo lembrou que seu pai, que era juiz de Direito, teria vergonha de ver o que ocorre no Judiciário brasileiro hoje.

O ex-ministro da Economia, Luis Carlos Bresser Pereira, rechaçou a tentativa de golpe em vigor. “Querem dar o golpe na Dilma, uma presidente que não cometeu nenhum crime”.

Juristas contra o golpe
“A Dilma não é uma presidenta qualquer. Essa mulher é uma sobrevivente, uma batalhadora. Não temos o direito de esquecer que ela deu seu próprio sangue para defender a Democracia”, exaltou o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello. O também jurista Fábio Konder Comparato defendeu Lula. “A perseguição contra Lula é um absurdo. Quem sabe o Moro queira ser presidente. O Lula é o único político do Brasil, para o bem e para o mal, que escapa da mediocridade”.

O também jurista Pedro Serrano foi um dos mais aplaudidos da noite. Ele explicou que máquina que opera contra as esquerdas progressistas“é uma velha conhecida do Brasil”. Para ele, o Brasil tem dois estados desde 1988, ano da promulgação da Constituição Federal. O primeiro é o Estado Democrático de Direito, com os incluídos pelas benesses do estado; o segundo, é o estado de exceção, com uma força militar de ocupação que vigora nas periferias do País.

“Esses moradores não conhecem o estado como uma fonte de direitos, mas como uma fonte de obrigações. Essa realidade é operada por uma máquina midiática que produz um espetáculo de violência. E é essa máquina que agora se volta contra os governos progressistas de esquerda que tentam mudar essa realidade”, explicou.

Essa mesma realidade da periferia, segundo ele, agora também está atuando contra os governos progressistas. “Não há processo na Justiça se já se sabe de antemão qual vai ser o resultado. Estão tratando os réus como inimigos, e não como um cidadão que deve ser investigado”. Depois, afirmou: “Uma nação que flerta com o fascismo não sai impune. Alckmin e Aécio sentiram isso no domingo passado”.

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Movimentos sociais
Diversos movimentos sociais também deram o recado no Tuca. A integrante da Marcha Mundial das Mulheres, Maria Fernanda Marcelino, disse que o golpe põe em risco, num grau maior, as camadas mais frágeis da sociedade. “Quando há golpes, há assassinatos. E nós sabemos quem são os assassinados no Brasil. Mouro não atua sozinho, mas com a cumplicidade de de centenas de deputados que atuam contra os direitos dos negros, dos LGBTs e das mulheres”. E conclamou: “Fora, Bolsonaros; fora, Felicianos; e fora Eduardos Cunhas!”.

“Jamais pensei que defenderia o País de um novo golpe”, afirmou a a presidenta da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Gonzaga, que destacou não ter partido político algum. “Estou (no Tuca) pela legalidade”.

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, fez um paralelo entre as ações de Sérgio Mouro e a Operação Mãos Limpas, que, sob o pretexto de combater a corrupção na Itália nos anos 1990, acabou “deixando o governo nas mãos de pessoas como Silvio Berlusconi”.

Ele também recordou que, quando houve grampos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, um diretor da Polícia Federal foi demitido logo em seguida. “Cadê a demissão contra esse grampo inconstitucional? Cadê a grita do Gilmar Mendes?”, indagou Boulos.

Boulos ainda comentou sobre os vazamentos de informações para a imprensa de processos contra petistas. “Ninguém é contra que sejam investigados. O problema é haver linchamento enquanto outras figuras não são sequer investigadas. Não dá para, em nome do combate a corrupção, atuar de braços dados com a mídia. Curioso o áudio ser divulgado logo hoje…”, ironizou sobre o vazamento de conversas telefônicas entre Lula e Dilma.

De acordo com Amélia Teles, feminista e ativista dos Direitos Humanos, é o momento da esquerda agir para evitar o crescimento da onda conservadora no País. “Ou a gente se mantém na luta ou vamos ser também responsáveis por um grande retrocesso que pode acontecer no Brasil. Não deixaremos repetir o que foi 1964”.

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Intelectuais
A psicóloga Maria Rita Kehl analisou que o que está em jogo, “como sempre esteve”, é a luta de classes. “Eu vejo com muito alento que, após quatro governos seguidos do PT, não há mais tanta distância entre o que era chamada classe baixa e a classe média. A gestão do PT é fundamental porque mantém direitos e rendas básicos. É o partido que pode, mesmo com crises internacionais, diminuir os prejuízos das populações menos privilegiadas”. Ela lembrou a importância de ganhar as pessoas que ainda estão em cima do muro para as discussões progressistas. “Nós temos que ganhar gente. Há muitos confusos com toda essa situação. Se a gente não for conversar com eles, será a Globo”.

A filósofa Marilena Chauí entrou de punho cerrado no auditório do Tuca, em gesto acompanhado pela plateia. Ela analisou o aumento do discurso fascista nas manifestações de rua. “Em junho de 2013, quando gente da esquerda comemorou a diminuição do preço do ônibus, foi agredida por uma corja de jovens enrolados na bandeira do Brasil que gritavam ‘meu partido é o meu país’. Ali surgiam os fascistas perigosos que se estenderam para todo o Brasil”.

“Há uma massa na rua afastada de qualquer compromisso de organização e de uma presença político-social. É uma massa a procura de um líder. E é como se esse líder tivesse um poder transcendente, arbitrário, tirânico, desde que garanta a ordem e a segurança contra a Democracia. Nós temos nas ruas do Brasil um caldo de cultura perigosíssimo, porque é que se forjam as ditaduras, as tiranias, as formas de cerceamento de todas as liberdades e de todas as conquistas no Brasil desde a constituição de 1988”, analisou.

Chauí também comentou sobre as perseguições do Judiciário contra a esquerda. “Os procuradores do sul e do sudeste assinaram um manifesto pró-Aécio (nas eleições presidenciais). Eles tomaram partido nas eleições e, logo, não podem exercer o papel que estão exercendo”. Ela ainda chamou parte da grande mídia nacional de “obscena” por impedir o exercício efetivo da liberdade de expressão ao produzir falsas informações e lamentou a falta de projetos dos que protestam nas ruas. “A manifestação não é nem de extrema-direita, porque a extrema-direita tem projetos e planos. Há só ódio e sentimento de vingança”.

Funk e periferia
A música e cultura de periferia também surgiram quando Bruno Ramos, da Liga do Funk, entrou no palco com microfone à mão e disposição para falar sobre a realidade em que vive. Ele disse que o funk fala de ostentação porque a vida dos bairros mais pobres mudou, e muito, de 2003 para hoje.

“Nós passamos a consumir. Se dentro da minha casa passou a ter televisão boa, se passou a ter eletrodomésticos, isso se chama Luiz Inácio Lula da Silva”. O MC cantou um trecho da música Vida Loka Parte 2, dos Racionais: Não é questão de luxo / Não é questão de cor / É questão que fartura alegra o sofredor…

Funk

Uma outra dupla de funk também anunciou: “Nós estamos aqui por uma causa legítima: não vai ter golpe!”. Eles lembraram da importância da ascensão de renda e auto-estima permitida pelas transformações no Brasil nos últimos anos. “Antes de 2003, o negócio era feio. Ninguém conseguia emprego  porque era da favela. Se não fosse o Lula, estaremos fodidos até hoje. Golpistas, não subestimem a nossa inteligência. Nós da favela vamos estar nas ruas no dia 18”.

O evento se encerrou com um vídeo do ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, dando solidariedade ao Brasil neste momento turbulento. Depois, os presentes cantaram o Hino da Legalidade, usado para convocar o  povo a resistir ao golpe militar contra a posse de João Goulart: Avante, brasileiros, de pé / Unidos pela liberdade…

A estudante de história da PUC, Júlia Moraes, apoiou o ato (que assistiu pelo telão) e resumiu um sentimento, que não é só dela, sobre o momento complexo que o Brasil está passando. “Como historiadora, vai ser difícil explicar o que está acontecendo agora no Brasil daqui a cinco anos”.

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Por Bruno Hoffmann, da Agência PT de Notícias

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