Bolsonaro aparelhou a Abin para proteger o filho Flávio

“Sistema particular de informação” citado na reunião de 22 de abril produziu relatórios para orientar defesa do filho mais velho na tentativa de anulação das investigações sobre o Caso Queiroz. Gleisi Hoffmann considera a denúncia gravíssima e “motivo mais que suficiente de impeachment”

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Arapongagem privada

A fala presidencial na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, quando Jair Bolsonaro disse que precisava de relatórios periódicos da Polícia Federal (PF), das Forças Armadas e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para não ser “surpreendido com notícias”, ganha concretude. A Abin, diligentemente, produziu ao menos dois relatórios para orientar os advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nas ações destinadas a anular as investigações sobre o caso Queiroz.

É o que revela reportagem da revista ‘Época’ publicada nesta sexta (11), a partir dos documentos, cuja autenticidade foi atestada pela própria defesa do senador. Os advogados confirmaram ter recebido em setembro os dossiês. Eles foram enviados por WhatsApp para Flávio e por ele repassados para a advogada Luciana Pires.

A versão dos advogados não é a mesma do general de reserva Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual a Abin é subordinada. Ele afirmou à imprensa que não teria ocorrido atuação da Inteligência do governo após a defesa do filho mais velho de Bolsonaro se encontrar com ele e Alexandre Ramagem, diretor da agência, no gabinete do presidente, em 25 de agosto.

Nesse dia, diz a matéria, as advogadas de Flávio entregaram a Ramagem uma petição solicitando apuração especial para obter os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo de atos ilícitos cometidos por servidores da Receita Federal.

Ramagem teria ficado com o material para fazer uma cópia e o devolveu no dia seguinte a Luciana Pires, no Palácio do Planalto, quando a orientou a protocolar a petição na Receita. A participação da Abin, a partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio, com orientações sobre o que a defesa deveria fazer.

Em outubro, outra reportagem da revista ‘Época’ havia apontado que o ministro recebeu as advogadas de Flávio Bolsonaro fora da agenda oficial. Na ocasião, o GSI confirmou a reunião, mas disse que o tema teria sido resolvido pela Receita e que “não realizou qualquer ação decorrente”.

“Gravíssima a denúncia de que Abin produziu relatórios para advogados de Flávio Bolsonaro pedirem anulação do caso Queiroz/rachadinhas na Justiça. O presidente está usando o órgão de inteligência nacional para ajudar seu filho investigado! Isso é motivo mais que suficiente de impeachment!”, publicou em sua conta no Twitter a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).

“Uso da Abin justifica impeachment e prisão dos envolvidos”, reafirmou o deputado federal Paulo Pimenta sobre caso Queiroz em suas redes sociais.

Organização criminosa

Os relatórios partem da suposta existência de uma organização criminosa na Receita Federal que teria feito um escrutínio ilegal nos dados fiscais de Flávio. As apurações começaram depois de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) considerar “atípicas” as movimentações financeiras do assessor Fabrício Queiroz. O senador é suspeito de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Em um campo intitulado “Finalidade”, um dos documentos cita: “Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. O documento acusa o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel de ser o “responsável pela instalação da atual estrutura criminosa” e aponta a participação de servidores da Receita no que considera “acessos imotivados anteriores (arapongagem)”.

O dossiê também sugere a exoneração desses profissionais. Um dos servidores acusados pelo suposto crime, o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, Christiano Paes, sintomaticamente pediu exoneração do cargo na semana passada.

A agência traça em seguida outra “alternativa de prosseguimento”, com participação do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Advocacia-Geral da União (AGU), a partir de uma sindicância da Controladoria-Geral da União (CGU) na Receita. A tática faria com que ” ao invés da advogada ajuizar ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU – ambos órgãos sob comando do Executivo”.

“Manobra tripla”

O outro documento traça uma “manobra tripla” para obter os documentos para a defesa de Flávio. Esse relatório também sugere a “neutralização da estrutura de apoio”, com a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF”, que “devem ser afastados incontinenti”. O processo, recomendam os arapongas, se resumiria a “uma canetada do Executivo”, pois eles ocupam cargos em comissão.

Procurado, o GSI negou a existência dos documentos e manteve a versão de que não se envolveu no tema. A advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade e a procedência dos documentos, mas recusou-se a comentar o conteúdo. A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem dos relatórios nem se produziu mais documentos.

Ramagem comandou a segurança do então candidato a presidente nas eleições de 2018, quando se aproximou dos filhos de Bolsonaro. Eles se tornaram seus maiores fiadores no governo e bancaram sua indicação para a chefia da Polícia Federal (PF), quando o pai dispensou Sergio Moro do Ministério da Justiça e chegou a nomeá-lo para o cargo, mas foi impedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ocasião, o Ministério Público pediu para o Tribunal de Contas da União (TCU) investigar se Bolsonaro utilizou órgãos do governo federal para atendimento de interesses particulares, além de “causar embaraços e dificultar” investigações da Receita Federal contra o filho. A representação citou especificamente a Abin e o GSI. Ramagem voltou a ser cotado para comandar a PF, caso Bolsonaro seja inocentado nesse inquérito.

O desgoverno Bolsonaro gastou em 2019 68% a mais com ações de inteligência e segurança institucional do que a média verificada na gestão do usurpador Michel Temer. Ao todo, foram R$ 90,9 milhões. Esse ano, os gastos haviam alcançado R$ 41,7 milhões no início de agosto.

Da Redação

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