Bolsonaro e a cloroquina: um negócio milionário
Campanha bolsonarista fez explodir a venda dos medicamentos do “kit covid”, beneficiando empresários apoiadores do presidente
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A cruzada bolsonarista pelo uso da cloroquina e outras drogas ineficazes do “kit covid”, se não trouxe benefício para os doentes, por outro lado gerou lucros milionários para empresas que produzem esses medicamentos. Por esse motivo, o tradicional bordão “siga o dinheiro” tornou-se tarefa prioritária dos integrantes da CPI da Covid.
Hoje, sabe-se que, após reuniões virtuais de donos de laboratórios com integrantes do governo, em abril e maio de 2020, o mercado farmacêutico brasileiro embarcou no plano de Jair Bolsonaro, diante da perspectiva de um mercado estimado na ocasião em R$ 9,7 milhões mensais.
Na época, apenas três indústrias particulares estavam autorizadas a comercializar hidroxicloroquina no Brasil: a multinacional Sanofi-Aventis, na qual Donald Trump tem participação acionária, e as brasileiras Apsen e EMS. Outras duas empresas, Cristália e Germed, se ofereceram para reforçar a produção.
Como o remédio estava com a patente quebrada havia quatro décadas, as fabricantes informaram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que teriam condições de produzir 7,2 milhões de comprimidos por mês. E Bolsonaro se empenhou pessoalmente para que as empresas aumentassem a produção, pedindo insumos à India.
Consumo explodiu
Os laboratórios não informam o total de cloroquina fabricado, mas o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) revela que a venda dos quatro medicamentos do “kit covid” (sulfato de hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida) movimentou R$ 500 milhões no país em 2020.
Segundo a entidade, o consumo de cloroquina e hidroxicloroquina cresceu 358% durante a pandemia, e a produção chegou a 2,02 milhões de caixas, alta de 113% em comparação a 2019. O faturamento das empresas com a droga foi de R$ 91,6 milhões em 2020, ante R$ 55 milhões em 2019 (alta de 66%).
Outro levantamento, da Agência Pública, revelou que as farmácias brasileiras venderam mais de 52 milhões de comprimidos dos medicamentos do “kit covid” em um ano de pandemia. O mais vendido foi a hidroxicloroquina: mais de 32 milhões de comprimidos desde março de 2020. Os números não incluem o que foi aplicado em hospitais ou dispensado em postos do Sistema Único de Saúde (SUS).
O mapa da mina
Depois da “farra”, agora os integrantes da CPI da Covid querem saber quem financiou e quem ganhou dinheiro com a prescrição indiscriminada das drogas. Documentos em posse dos parlamentares apontam que a maior beneficiada pela comercialização recorde da cloroquina em 2020 foi a Apsen Farmacêutica, cujo presidente, Renato Spallicci, fez campanha por Bolsonaro em 2018 e até hoje faz apaixonada defesa dele em suas redes sociais.
Líder do mercado nacional de cloroquina e derivados com o Reuquinol, a Apsen foi responsável por 85% do total vendido de cloroquina e hidroxicloroquina na pandemia. O crescimento das vendas elevou em 17,6% a receita, que superou a casa do R$ 1,034 bilhão. Em 2018, a Apsen registrava lucro de R$ 696 milhões.
Ano passado, a Apsen assinou dois empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), presidido por Gustavo Montezano, amigo de infância dos filhos de Bolsonaro. Juntos, os financiamentos somam R$ 153 milhões, dos quais R$ 20 milhões já foram liberados. O montante é sete vezes maior do que o crédito obtido pela empresa nos 16 anos anteriores somados.
Na fase inicial da pandemia, em março de 2020, a empresa divulgou mensagem em rede social dizendo que “apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovam o uso para o tratamento da covid-19”. Já em abril, a Apsen publicou uma nota em que apontava a medicação como possível “cura” para a doença.
Kit covid garantiu lucros milionários
O BNDES também firmou empréstimo com a EMS. O laboratório recebeu R$ 23 milhões em maio para investir em duas frentes: uma fábrica de medicamentos oncológicos (R$ 7 milhões) e a ampliação da linha industrial (R$ 16 milhões).
Considerado “rei dos genéricos” e único a produzir os quatro medicamentos do “kit covid” no país, como o vermífugo ivermectina, o laboratório faz parte do Grupo NC, controlado por Carlos Sanchez, que está na lista da revista Forbes como o 16º homem mais rico do Brasil, com fortuna avaliada em U$ 2,5 bilhões.
Sanchez se reuniu com Bolsonaro em diferentes ocasiões, como uma videoconferência em 20 de março do ano passado e no jantar do presidente com empresários em 7 de abril, em São Paulo. O bilionário foi um dos que pediram e conseguiram que o imposto de importação dos insumos da cloroquina fosse zerado. Ele também obteve aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para estudos clínicos apoiados pela EMS para uso de hidroxicloraquina em pacientes com coronavírus.
Segundo informou à CPI da Covid, a EMS faturou R$ 142 milhões com medicamentos do “kit Covid” em 2020, valor oito vezes superior ao registrado no ano anterior. Só a venda de ivermectina saltou de R$ 2,2 milhões para R$ 71,1 milhões. Já com a azitromicina, a empresa ganhou R$ 46,2 milhões, e com a hidroxicloroquina, R$ 20,9 milhões, 20 vezes mais do que no ano anterior.
A empresa também disse à CPI que de janeiro a maio de 2021 faturou R$ 11,85 milhões com a hidroxicloroquina, e projeta mais R$ 19,21 milhões com a droga até dezembro, R$ 10 milhões a mais do que no ano anterior. As vendas de nitazoxanida renderam R$ 3,67 milhões.
A EMS disse que os dados entregues à comissão espelham um cenário “fortemente marcado pela pandemia” a partir de março de 2020, quando a primeira onda atingiu a Europa e a hidroxicloroquina era estudada como possível tratamento. “Na época, houve uma forte procura espontânea pela hidroxicloroquina, o que impactou todo o setor farmacêutico no Brasil”, afirmou a empresa em nota à Folha de São Paulo.
“Crescimento sem precedente”
Já o laboratório Cristália obteve licença para produzir cloroquina durante o estado de calamidade, ano passado. Especialista em medicamentos de baixo custo, seu cofundador, Ogari de Castro Pacheco (DEM), é o segundo-suplente do líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO). Foi o terceiro candidato mais rico do país em 2018, com patrimônio de R$ 407 milhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Eleitor de Bolsonaro, Pacheco o convidou para a inauguração de uma das plantas do laboratório, em Itapira (SP). Durante a cerimônia, em agosto de 2020, Bolsonaro parabenizou o empresário pela “coragem de erguer” o empreendimento. Em declaração no site da empresa, o empresário citou o fato de a pandemia ter levado a um “crescimento sem precedente de venda de medicamentos”.
Da Redação