Bolsonaro e militares traem soberania para entregar Correios

Governo vai tentar mudar a Constituição para quebrar exclusividade da empresa na entrega de correspondências. Enquanto diretoria militarizada da companhia alega crise econômica, foram gastos R$ 7,89 milhões com estudo sobre o modelo de privatização. Trabalhadores vêm a Brasília na segunda-feira para ato em frente ao TST

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Privatização dos Correios é crime de lesa-Pátria

Um mês após o início da greve de trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), sem perspectiva de acordo com a diretoria militarizada da companhia, a única certeza no horizonte é que o governo continua agindo para entregá-la a interesses particulares o quanto antes. E mesmo ciente de que será preciso modificar a Constituição para permitir que a entrega de correspondências seja feita por empresa privada, anuncia seus planos a quatro ventos.

Na quarta (16), o ministro das Comunicações, Fabio Faria, afirmou que cinco grupos estão interessados na compra do serviço postal dos Correios. Dentre eles, o Magazine Luiza e os estrangeiros Amazon, DHL e Fedex. Nesta sexta (18), foi a vez de o presidente dos Correios, general Floriano Peixoto, reafirmar em entrevista à revista ‘Exame’ que a privatização já está em andamento.

Embora o argumento da direção da empresa para o corte de 70 dos 79 pontos do acordo coletivo seja a crise econômica e a sustentabilidade, no fim de agosto o governo fechou um estudo para a privatização dos serviços postais por R$ 7,89 milhões, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A previsão do Ministério da Economia é de que a primeira fase seja entregue até o final deste ano.

A alteração na Constituição, que define o serviço postal de cartas como dever do Estado e que deve ser enviada para o Congresso, também está em estudo. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou em live com a Necton Investimentos nesta quinta (17) que a proposta tem chances de avançar na Casa ainda em 2020.

A ECT é a única empresa que tem capilaridade em todo território nacional e a única que chega em todos os municípios, como na distribuição de remédios e materiais escolares, por exemplo. Se a estatal for privatizada, a lógica passará a funcionar pelo lucro e cidades pequenas podem ficar desassistidas, assim como acontece com as concorrentes e em outros países

Amanda Gomes Corsino, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do Distrito Federal e Região do Entorno (Sintect-DF)

Os servidores da ECT preparam um ato para a próxima segunda (21), quando o plenário do Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgará o Acordo Coletivo de Trabalho firmado em 2019, com vigência de dois anos, suspenso após a diretoria da empresa recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caravanas de trabalhadores e trabalhadoras de todo o país se organizam para seguir rumo à capital federal e lutar pela garantia de seus direitos, além de manifestar o desacordo com os planos do desgoverno Bolsonaro.

Para a categoria, o ataque aos direitos e a redução de pontos do acordo coletivo tem “linha direta” com a privatização dos Correios, pautada desde o início da era Bolsonaro. O objetivo por trás dos ataques é “tornar a empresa mais leve, porque rentável já é”, revelou o secretário-geral da Federação dos Trabalhadores em Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Fentect), José Rivaldo da Silva, ao portal ‘Brasil de Fato’. “Diminuir todo o passivo trabalhista para entregar à iniciativa privada a empresa mais barata.”

O monopólio dos Correios se limita apenas ao serviço de cartas e está previsto na Constituição para a garantia do direito ao serviço postal de todos os brasileiros. Já o serviço de encomendas, como Sedex e PAC, está aberto para o livre mercado. Ainda assim, apresenta bons resultados. O dirigente da Fentect afirma que, segundo dados da empresa, mais de 48% da receita correspondem ao monopólio postal de envio de cartas, e os outros 52% à entrega de encomendas, aberta à livre concorrência.

“Privatizar a ECT pode significar a demissão de 100 mil trabalhadores e trabalhadoras, mas mais que isso”, afirma Amanda Gomes Corsino, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do Distrito Federal e Região do Entorno (Sintect-DF).

“A ECT é a única empresa que tem capilaridade em todo território nacional e a única que chega em todos os municípios, como na distribuição de remédios e materiais escolares, por exemplo. Se a estatal for privatizada, a lógica passará a funcionar pelo lucro e cidades pequenas podem ficar desassistidas, assim como acontece com as concorrentes e em outros países”, argumenta a dirigente sindical.

Marco Antônio Rocha, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), diz que a administração federal está induzindo a greve dos trabalhadores com o corte unilateral dos direitos para criar um constrangimento da população em relação ao serviço. “O governo criar um conflito com os trabalhadores dos Correios e da Caixa Econômica Federal em meio à pandemia, onde a gente está precisando muito dessas instituições, é de uma irresponsabilidade imensa”, critica.

Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clovis Scherer, o resultado positivo nas contas operacionais dos Correios reflete o bom resultado entre receitas e despesas ligadas à operação da empresa “do lado dos gastos principalmente de salários, benefícios, encargos sociais”.

Descontado o custo dos produtos e serviços prestados, o lucro bruto aumentou em mais de R$ 200 milhões nos últimos dois anos, atingindo R$ 2,7 bilhões em 2019. Com o aumento da demanda de compra on-line em meio à pandemia, a estimativa é que a empresa tenha um lucro ainda maior este ano.

A estatal teve um aumento do volume de entregas de mais de 30%.
Por outro lado, a empresa fechou 2019 com 99.443 funcionários, ante 105.349 no ano anterior (-5,61%). Havia 11.124 unidades de atendimento, com 6.071 agências próprias e 5.053 terceirizadas. “Não existe nenhuma explosão de gastos, nenhum desequilíbrio, muito ao contrário. Nos últimos dois anos, temos resultados num patamar de gasto com pessoal, inclusive em cargos sociais, inalterado dentro da média histórica”, explica Scherer.

Trabalhadores protestam contra entrega dos Correios. Foto: Roberto Parizotti

Na contramão do mundo civilizado

“Enquanto países neoliberais que pregam a livre concorrência mantêm como estatais empresas estratégicas, o Brasil vai na contramão com Bolsonaro, que quer privatizar uma empresa que não tem nenhuma dependência financeira da União”, critica Emerson Marinho, secretário de Comunicação da Fentect.

Segundo o dirigente sindical, apenas oito países, entre 270, têm os serviços dos Correios privatizados. Portugal e Alemanha já começam a discutir a reestatização do serviço, que encareceu e piorou após a privatização. O mesmo ocorreu na Argentina, onde o governo peronista de Cristina Kirchner reestatizou o serviço após queixas da população. França e Holanda seguiram o mesmo caminho.

Até mesmo os Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), estatizado com 600 mil trabalhadores. Lá, grandes empresas como Fedex e DHL atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela estatal, como o pagamento do cheque do seguro-desemprego.

O economista do Dieese alerta que a privatização das áreas competitivas dos Correios pode matar todo o conjunto de serviços que são prestados, inclusive os do monopólio. “Você não vai montar uma estrutura no Brasil inteiro para entregar carta se não tiver junto outros tipos de serviços que justamente viabilizem economicamente o funcionamento da empresa, ela não vai ter receita suficiente para arcar com a tarefa de entregar cartas no Brasil inteiro”, explica.

O fato é que o interesse de grupos privados é apenas por agências que abrangem capitais ou grandes municípios, que apresentam serviços superavitários, deixando de lado as agências localizadas em cidades onde a atividade não é lucrativa e, portanto, são atendidas exclusivamente pelos Correios.

“A privatização, para a população, é o aumento das tarifas e não ter a certeza que quem mora em determinada regiões de poder receber o que comprar via internet, porque vai ficar muito caro e inviável você mandar encomendar por quem for operar no mercado privado, que só visa o lucro”, resume o dirigente da Fentect.

Gigantes do E-commerce disputam a empresa

Para o economista do Dieese Clovis Scherer, a área das encomendas é onde a ECT mostra que é competitiva. “A empresa tem uma operação lucrativa no segmento de encomenda e também na logística. Isso é fundamental, principalmente agora que nós vamos observar todo esse desenvolvimento do comércio digital”, pontua. “É um momento que tem interesse econômico. Quem comprar a empresa pode pegar uma galinha dos ovos de ouro.”

O interesse se dá porque o comércio eletrônico cresce em importância. “Entregar a logística do Brasil com seu principal operador a um agente privado é uma decisão que tem que ser ponderada do ponto de vista estratégico. O Estado brasileiro perderia completamente a capacidade de influenciar uma cadeia que no futuro vai se tornar predominante pelas tendências que já estamos vendo”, ressalta o economista.

Além das lojas varejistas, o mercado nacional de comércio eletrônico é comandado pela argentina Mercado Livre e as brasileiras Magazine Luiza e Via Varejo, responsável pelas redes de lojas Casas Bahia, Pontofrio e B2W, fusão das Americanas e Submarino. Para o doutor em sociologia da tecnologia e professor da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Valente, “todas essas empresas brasileiras estariam em risco caso uma gigante norte-americana ou chinesa viesse competir vendendo os mesmos produtos”, com a vantagem de poder entrar no país pelos Correios.

O especialista em comércio eletrônico ressalta que a “capilaridade gigantesca” é o atrativo de compra dos Correios. Sob esse ponto de vista, a compra da ECT pode ser uma estratégia de entrada, pois possibilitaria um ganho na escala para operar de forma nacional no país, com a utilização de uma infraestrutura logística já articulada.

Valente ressalta a importância de uma empresa pública que cumpra a função social de chegar a todos municípios. “Há uma questão de alcance, de cumprimento de função social, de preço mais barato. Se os Correios forem de fato arrematados por uma Amazon ou Alibaba, a gente vai ter plataformas digitais muito poderosas com atuação em outros segmentos e que vão se fazer valer dessa capacidade de logística exatamente para conseguir crescer ainda mais no Brasil”, analisa Valente.

O pesquisador avalia que o impacto não se restringe ao comércio eletrônico. A Amazon, por exemplo, oferece desde serviços de streaming, como o serviço corporativos de nuvem e até uma plataforma de trabalho. “O crescimento da Amazon pode representar uma maior desnacionalização, mais um grande agente estadunidense com muita força dentro do país, o que pode prejudicar tanto do ponto de vista econômico os concorrentes nacionais, como do ponto de vista político e cultural, pelo reforço e peso que esse agente vai ganhar também na área de cultura e informação”, calcula.

Segundo Valente, a Amazon “entrou pesado no Brasil” e vem buscando ampliar fatias de mercado. “Se ela comprar os Correios, terá muito mais dados sobre as pessoas, como endereços e correspondências. Certamente estes dados serão utilizados pela empresa para turbinar seus outros serviços”, explica. A lógica de empresas como Amazon é utilizar o máximo de dados que consegue coletar para ofertar cada vez mais serviços.

Ele também aponta que a compra pela Amazon representa um grande risco de uso indevido dessas informações. Nos Estados Unidos, a empresa já foi investigada por práticas predatórias de dados.

O economista Marco Antônio Rocha alerta que a venda da infraestrutura dos Correios “não é uma regulação do setor” e não deve gerar um ambiente competitivo. “Você vai cair num oligopólio de poucas empresas privadas com grande poder de mercado, um sistema extremamente perverso para o consumidor, porque terá duas ou três empresas que operam basicamente como se fossem monopolistas. Você acaba caindo numa situação onde o serviço não é bom, mas é muito mais caro do que o público”, explica.

O exemplo mais claro no Brasil é a venda da empresa brasileira de telefonia, em que houve uma quebra do monopólio estatal que não resultou em aumento da concorrência que beneficiasse o consumidor. O segmento passou a ser controlado por três empresas com grande poder de mercado. “Deixou o consumidor numa situação difícil em relação à troca dessas empresas. É possível migrar de uma empresa para outra, mas há um leque muito pequeno de opções e, no fundo, todas tem o mesmo problema, todas são campeãs de reclamações no Procon” afirma Rocha.

Campanha nacional de doação para os grevistas

Uma campanha promovida por várias categorias está arrecadando doações para funcionários dos Correios que tiveram parte do salário cortada pela direção da empresa. Interpretada como retaliação política, a iniciativa atinge empregados de diferentes regiões. Iniciativa do Sintect-DF, a mobilização inclui contribuições em dinheiro e também em cestas básicas.

Rodrigo Rodrigues, dirigente da Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal (CUT-DF), afirma que a entidade apoia a campanha. “É uma greve pela defesa dos direitos de uma categoria, mas é uma greve emblemática em defesa da soberania nacional. Deixar esses trabalhadores sem condições de se alimentarem e às suas famílias é uma cruel tática de um presidente genocida encaminhada pelo general presidente da Empresa, por isso a solidariedade de classe se faz importante”, afirmou.

As doações em valores para a campanha devem ser feitas para a seguinte conta bancária da Caixa Econômica Federal: agência 002, conta 4667-7, operação 003, CNPJ 60.563.731/0004-10. Os telefones para tirar dúvidas ou para tratar de doações de cestas básicas são: (61) 3225.0761 / (61) 9645.1798.

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