Bolsonaro volta a desafiar ciência ao defender uso da cloroquina

Estudo conduzido nos EUA sobre uso droga, o maior já feito no mundo, aponta ineficácia e risco de pacientes desenvolverem problemas cardíacos. Em nova jogada da roleta russa imposta ao povo brasileiro, presidente afirma que como não há cura para o coronavírus, utilização da droga pode ser um “alento” para óbitos no país. Mas reconheceu: “pode dar certo, pode não certo”.

Sem apresentar alternativas ou medidas de emergência para a crise sanitária do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro investe mais uma vez nos ataques à ciência. Nesta quinta-feira (14), Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratar doentes com sintomas leves da Covid-19.“Estou exigindo a questão da cloroquina… Eu sou comandante, presidente da República, para decidir, para chegar para qualquer ministro e falar o que está acontecendo. Eu não estou extirpando nenhum ministro, nunca fiz isso, e nem interferindo em qualquer ministério, como nunca fiz. Agora votaram em mim para eu decidir. E essa decisão da cloroquina passa por mim”, disse. A iniciativa vai contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), que já divulgou não existir evidências de eficácia do tratamento a partir do uso da droga. Nesta semana, pesquisadores de Nova York divulgaram o maior estudo já feito sobre o uso da hidroxicloroquina no mundo e constataram que, além de não ser eficaz para o tratamento da doença, a droga ainda pode causar problemas cardíacos nos infectados.

Para Bolsonaro, no contexto da inexistência de uma cura para a doença, o uso da substância “pode dar certo, pode não dar certo”. No lugar do fornecimento de testes em massa e equipamentos de proteção para hospitais, o presidente prefere girar mais uma vez sua roleta russa macabra em direção à população. “Apesar de saberem que não tem confirmação científica da sua eficácia, mas como estamos em uma emergência, a cloroquina, que sempre foi usada desde 1955, e agora com a azitromicina, pode ser um alento para essa quantidade enorme de óbitos que estamos tendo no Brasil”, afirmou Bolsonaro, na qurta-feira (13). Ele disse que pretende alinhar com o ministro da Saúde, Nelson Teich, a liberação da cloroquina nos protocolos de atendimento do Sistema de Único de Saúde (SUS).

Um dia antes, o ministro advertiu que a cloroquina é um remédio com efeitos colaterais e que sua prescrição deveria ser feita com base em uma avaliação médica. O ministro também afirmou que o paciente deve entender os riscos e assinar um “Termo de Consentimento” antes de iniciar o tratamento. No mês passado, Teich havia dito que só recomendaria uso da cloroquina quando houver evidência científica de eficácia.

Como já virou costume, a fala de Bolsonaro mais uma vez desautoriza o ministro da Saúde. “Olha só, todos os ministros, eu já sei qual é a pergunta, têm que estar afinados comigo. Todos os ministros são indicações políticas minhas e quando eu converso com os ministros eu quero eficácia na ponta. Nesse caso, não é gostar ou não do ministro Teich, é o que está acontecendo”. É a segunda saia justa pela qual passa o ministro. No início da semana, Teich descobriu durante uma coletiva o decreto de Bolsonaro que libera o funcionamento de academias de ginástica, salões de beleza e barbearias, considerados pelo presidente como atividades essenciais. Uma humilhação que só um presidente como Bolsonaro poderia impor no meio de uma grave crise sanitária. 

Bolsonaro seguiu Donald Trump na tese de que a cloroquina seria uma espécie de “vacina” para a Covid-19, contrariando especialistas brasileiros, norte-americanos e de outros países. Arte: Adnael.

Eficácia não comprovada

Um estudo realizado por profissionais de saúde em 25 hospitais de Nova York reforçou a conclusão de que a hidroxicloroquina não só não funciona para o tratamento da doença, como ainda pode causar problemas cardíacos. A pesquisa, a maior já feita sobre o uso da substância no mundo, foi publicada na segunda-feira (11) no portal da Journal of the American Medical Association. Foram analisados dados de 1.438 pacientes infectados que foram internados entre 15 e 28 de março nos hospitais da cidade.

O resultado mostrou que a taxa de mortalidade dos pacientes que usaram  hidroxicloroquina foi semelhante à dos que não tomaram o medicamento. Ao mesmo tempo, a taxa de mortalidade para aqueles que tomaram hidroxicloroquina, associada ao antibiótico azitromicina, também foi semelhante. Além disso, os pacientes que tomaram a combinação de medicamentos tiveram duas vezes mais chances de sofrer parada cardíaca durante a condução do estudo. Problemas cardíacos são um efeito colateral já identificado por cientistas que investigam o uso da  hidroxicloroquina.

Prego no caixão

“O prego foi praticamente colocado no caixão da hidroxicloroquina”, afirmou o Dr. William Schaffner, especialista em doenças infecciosas e consultor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, em entrevista à rede CNN. O resultado da pesquisa vai de encontro às recomendações do órgão US Food and Drug Administration (FDA) e do instituto National Institutes of Health (NIH), que recentemente emitiram alertas sobre os riscos do uso do medicamento.

A cloroquina foi inicialmente indicada para o tratamento de malária, lúpus e artrite. Após o  surgimento da pandemia, passou a ser testada, junto a outros medicamentos, como remédio contra a Covid-19. Apesar de ter declarado que os testes com a substância continuam, a OMS reafirma que o funcionamento no tratamento para infecções causadas pela Covid-19 continua inconclusivo.

“O balão de hidroxicloroquina parece ter esvaziado”, concluiu Schaffner, que também é professor acadêmico na Vanderbilt University Medical Center. “Eu ficaria surpreso se ainda aparecessem muitos pacientes, famílias ou médicos com desejo de continuar usando hidroxicloroquina”, afirmou. “E daí?”, responderia Bolsonaro ao professor.

Da Redação, com agências internacionais

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