Com mercado de trabalho estagnado, salário é cada vez menor
Queda da remuneração inicial de empregos com vínculo formal é de 5,6% em um ano. Mais da metade desses trabalhadores fazem “bicos” para manter o padrão de vida
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Enquanto Jair Bolsonaro insiste com a falácia de que o “fique em casa” é o principal problema da economia brasileira, a persistente inflação de dois dígitos de sua “gestão” se une à estagnação do mercado de trabalho para continuar corroendo a renda dos assalariados. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de maio revelam que o valor médio do salário de admissão em vagas com vínculo formal continua em queda. Em um ano, o tombo chega a 5,6%.
Em maio, a remuneração inicial paga a quem foi admitido em um novo emprego foi de R$ 1.898, valor R$ 18,05 menor que a média calculada em abril (R$ 1.906,54), e R$ 112 a menos que os R$ 2.010 de maio do ano passado. Os valores foram corrigidos pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
“De maneira geral, o trabalhador está perdendo o poder aquisitivo. A média de salário está menor porque a economia ainda está muito longe de se recuperar”, explica Marco Antônio Lucinda Ribeiro da Silva, coordenador dos cursos de pós-graduação em Gerência de Projetos e Planejamento e Gestão Empresarial do Centro Universitário IESB, no Correio Braziliense.
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“Há um saldo positivo de novos empregos para comemorar, começamos a ver agora uma recuperação dos empregos perdidos nos últimos dois anos, mas a média de salário tem sido menor no pós-pandemia”, prossegue o professor. O cadastro do Ministério do Trabalho e Previdência aponta a geração de 277.018 empregos formais em maio.
O total de trabalhadores com carteira assinada subiu 0,67% em relação a abril. Mas o valor médio registrado em maio é o mais baixo desde dezembro de 2021. Nos cinco primeiros meses de 2022, apenas em abril o salário de admissão registrou aumento real. Em 2022, a queda já é de 2,6%.
Os salários iniciais também seguem menores que as remunerações médias dos profissionais que saíram das vagas. Em maio, o salário médio real dos trabalhadores demitidos foi de R$ 1.957, 3,15% acima do salário médio de contratação (R$ 1.898).
“Essa queda no salário de admissão já foi até pior. Mas isso não significa que o salário daqui a pouco vai começar a apresentar ganho. Provavelmente, não vai. Quem está entrando no mercado de trabalho está predominantemente aceitando um salário menor do que se pagava 12 meses atrás”, afirma no portal g1 Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Inflação de dois dígitos de Bolsonaro e Guedes corrói os rendimentos
Bentes lembra que o Brasil ainda reúne 10,6 milhões de desempregados em busca de uma vaga no mercado de trabalho. “O desemprego está caindo, mas o nível de desocupação ainda é muito alto. Superar o sarrafo de uma inflação ainda perto dos dois dígitos, que tende a ser o cenário do final do ano, é difícil, o que faz com que seja pouco provável alcançar algum ganho real nos salários”, conclui.
Em abril, o economista coordenou um levantamento sobre 140 profissões com maior volume de contratações no país. Juntas, elas respondem por 72% da ocupação do mercado de trabalho formal. Apenas oito delas tiveram valorização do salário médio de admissão superior à inflação de 12,5% dos últimos 12 meses até abril. E a maioria está ligada às demandas impulsionadas pela pandemia – o destaque é o médico clínico.
Na média de todas as ocupações listadas no Caged (mais de 2,6 mil), a perda real do salário médio de admissão em abril foi de 8,7% em relação ao mesmo mês de 2021. “Tivemos a maior parte das profissões gerando vagas, mas, do ponto de vista da remuneração de admissão, pouquíssimas estão conseguindo superar esse sarrafo da inflação na casa de 12%”, afirma Bentes.
Em meio à crise econômica resultante da catastrófica política do ministro-banqueiro Paulo Guedes, até quem consegue se manter em um emprego formal busca o trabalho autônomo para manter o padrão de vida. Um levantamento da Bare International, empresa especializada em auditorias e inspeções, mostra que mais da metade (60%) dos trabalhadores formais afirmaram fazer “bicos” ou atuar como freelancers, sem vínculo empregatício, para complementar a renda.
A análise investigou os impactos da inflação no consumo cotidiano dos brasileiros e coletou respostas de mais de mil cidadãos no final de 2021. No total, 76% dos entrevistados informaram que tinham uma ocupação e 56% relataram que não receberam qualquer reajuste salarial. De forma síncrona, um estudo realizado pela Ipsos em 30 países revelou que o Brasil é o quarto colocado no ranking de maior percepção de inflação pela população.
A expectativa dos economistas é de desaceleração do ritmo de criação de vagas de emprego, em razão do aperto das condições monetárias e financeiras em meio à alta da taxa básica de juros (Selic) para tentar frear a inflação. “A partir do segundo semestre, entendemos que o mercado de trabalho deva desacelerar, sentindo maiores efeitos dos juros mais altos sobre crédito e investimentos”, apontou o banco Original em relatório.
Da Redação