Com votos contrários do PT, comissão aprova “mercado de sangue” no país

Para senadores, aprovação da PEC 10/2022 abre a possibilidade de comercialização de órgãos e afetará doação voluntária de sangue

Reprodução/PT Senado

Durante votação da matéria na CCJ, senadores do PT alertaram para os riscos que a comercialização de sangue causará ao país

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado acatou um retrocesso enorme para a Política Nacional de Sangue em vigor: a PEC 10/2022, que autoriza comercializar o sangue humano no país. A matéria foi aprovada com 15 votos favoráveis e 11 contrários – entre eles, os de senadores do PT – nesta quarta-feira (4/10) e segue para o plenário da Casa.

O objetivo da PEC é mudar a legislação para permitir que o setor privado comercialize o plasma e produza hemoderivados – prática proibida no Brasil desde 2001, sendo possível apenas a doação voluntária e não gratificada.

A mesma norma ainda em vigor determina que o plasma excedente seja repassado gratuitamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). O material é usado pela estatal Hemobrás em pesquisas e na produção de hemoderivados para atender prioritariamente à demanda da saúde pública.

A Proposta de Emenda à Constituição aprovada na CCJ simplesmente atropela essa determinação. Além de permitir o “mercado de sangue” no Brasil, o texto ainda retira do SUS o controle e a fiscalização da produção de hemoderivados.

Durante a votação, parlamentares de diversos partidos fizeram duras críticas à matéria, que teve lobby favorável escancarado nas capas de jornais e sites desde terça-feira (3/10), véspera da votação do texto na CCJ. O texto publicitário é assinado pela Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS).

“É bom dizer sobre esses bancos de sangue, que assinaram nota em jornal: a maior parte deles não cumpre a lei. Não manda o plasma para a Hemobrás. É por isso que eles querem [a aprovação da PEC]. Porque vão vender. Vão querer fazer comercialização”, denuncia o senador Humberto Costa (PT-PE).

Na mesma linha, a senadora Augusta Brito destacou que a proposta vai apenas acentuar as desigualdades e problemas que já existem na área da saúde. “Se a gente possibilitar essa comercialização, não vamos resolver o problema. Muito pelo contrário. Quem tem dinheiro vai comprar, e quem não tem dinheiro vai sofrer ainda mais com a falta”, disse.

Autossificiência brasileira

Atualmente, o Brasil ainda não tem uma fábrica para fracionar o plasma e produzir hemoderivados. Por isso, a Hemobrás recolhe o material nos hemocentros, analisa e atesta a qualidade e envia para a empresa suíça Octopharma AG, que produz e devolve ao Brasil albumina, imunoglobulina e outros a um preço muito mais acessível que o praticado no mercado.

“Não é verdade que a Hemobrás pega o plasma, manda para fora e compra simplesmente o produto. É uma parceria público-privada. Está havendo transferência de tecnologia. Ao mesmo tempo que a gente manda o plasma, volta o medicamento mais barato, e ao mesmo tempo que isso acontece estamos pegando a tecnologia para o Brasil ter autossuficiência”, explica Humberto Costa.

A previsão é de que em 2025 a Hemobrás possa operar todas as etapas de produção e, com isso, se tornar a maior fábrica de medicamentos hemoderivados da América Latina.

Em pleno funcionamento, a Hemobrás terá capacidade de processar até 500 mil litros de plasma ao ano, podendo chegar a até 700 mil litros caso haja demanda. Essa é uma etapa fundamental para a autossuficiência do país.

Para o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), como a PEC não deixa claro que o plasma colhido no país será obrigatoriamente para atender o mercado nacional, o resultado serão produtos que atenderão “os países ricos que podem pagar”.

“Eu não quero ficar dependendo de país nenhum. A pergunta que eu coloco: alguma empresa internacional quer vir produzir imunoglobulina aqui ou ela só quer o plasma brasileiro para produzir imunoglobulina e outros derivados lá fora, e me colocar para comprar?”, questiona.

Cirurgias afetadas

Além da questão comercial, parlamentares criticaram ainda os graves problemas que a PEC trará ao país. Entre eles, reduzir drasticamente a doação de sangue e afetar até mesmo cirurgias

“Na hora que abre a comercialização, nós vamos ferir de morte a assistência. Porque a assistência, que é quando a pessoa sofre um trauma ou vai fazer procedimento cirúrgico, precisa de sangue. E, se esse sangue for comercializado ou compensado, sabe para onde vai? Vai para a indústria. Vai faltar sangue na hora da cirurgia”, critica o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

“A comercialização de órgãos é um atraso civilizatório. Nós estaremos regredindo. Nós vamos diminuir todas as taxas de transplante no Brasil”, acrescenta.

Do PT Senado

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