Como entender os critérios de Cármen Lúcia para a pauta do STF?

Presidenta da maior corte do país achou por bem deixar a democracia brasileira em compasso de espera enquanto julga pedágio em Jacarezinho (SP)

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A presidenta do STF não é obrigada a explicar como monta a pauta de julgamento da maior corte do país

De hoje até o final do mês de abril, o STF (Supremo Tribunal Federal) poderá julgar mais de cem processos pautados para apreciação dos ministros. Quem os escolheu especificamente foi a presidenta da corte, ministra Cármen Lúcia.

Por seus próprios critérios, ela preferiu deixar de fora um pedido de Habeas Corpus impetrado pela Defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma ação penal em que foi condenado por supostamente ser dono de um imóvel do qual jamais teve as chaves ou a escritura.

A ministra também não pautou duas ADCs (Ação Declaratórias de Constitucionalidade) que requerem ao STF que reconheça a presunção de inocência de um réu até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, até que chegue ao fim o processo em que é julgado, após não existir mais possibilidade de recurso.

A ministra sabe que, ao definir a pauta de julgamento do STF até junho sem incluir esses processos, deixou de enfrentar decisões que são cruciais e urgentes de serem tomadas, na medida em que são relacionadas ao direito ou não de o líder disparado em todas as pesquisas eleitorais estar livre para concorrer à Presidência da República.

Ocorre, porém, que a legislação brasileira não define qualquer critério para que seja definida a pauta de julgamento do STF, a não ser a própria vontade do presidente do tribunal.

Há apenas uma vaga orientação para que o magistrado busque dar velocidade razoável às tramitações, e observe, na medida do possível, o critério de antiguidade dos processos. Mas nem sempre é assim. A ação direta de inconstitucionalidade 3.685, por exemplo, sobre coligações partidárias, foi distribuída em 9 de março de 2006. A decisão definitiva foi tomada no dia 23. Duas semanas de tramitação.

Veja, abaixo, algumas das ações que o STF irá julgar neste mês e no seguinte. A ministra Cármen Lúcia não cometeu nenhuma ilegalidade ao escolhê-las em detrimento das que poderiam definir o futuro da democracia no Brasil, mas faria um serviço às instituições e à transparência se pudesse esclarecer qual critério tomou para chegar à lista abaixo.

ACO 1.657 – Irrigação na Gleba Santa Terezinha (MS)

Trata-se de ação cível originária ajuizada pelo Estado do Mato Grosso do Sul em face da União (Ministério da Integração Nacional) no dia 27 de setembro de 2010.

Com ela, o estado pede que a União deixe de lhe infringir punições de restrição ao crédito pela constatação de irregularidades na execução de convênios celebrados com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, para a implementação de programa de irrigação na Gleba Santa Terezinha, localizada no Município de Itaporã/MS.

Há oito anos Mato Grosso do Sul aguarda por esta decisão. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes. Ele levou cinco anos desde que recebeu o processo (setembro de 2010) até dar o primeiro passo processual: citar as partes e convoca-las para uma audiência de conciliação, em 6 de agosto de 2015. Para a ministra Cármen Lúcia, não há mais como esperar para julgar a causa.

ARE 1074291 – Praça de pedágio em Jacarezinho (SP)

Este agravo em recurso especial é parte de um processo que está tramitando em velocidade recorde no Supremo. Foi protocolado no tribunal no dia 7 de setembro do ano passado. Exatamente uma semana depois, já havia sido distribuído e encontrava-se na mesa do ministro Alexandre Morais.

Os ministros decidiram em cinco meses, e o acórdão foi publicado no dia 19 de fevereiro deste ano. A parte derrotada recorreu e o recurso será julgado entre os próximos dias 16 e 23, de acordo com pauta definida pela ministra Cármen Lúcia.

O processo que tão celeremente tramita pelo STF é de autoria da concessionária Rodovias do Norte S/A – Econorte. O que pleiteia a empresa? A criação de uma nova praça de pedágio, sem licitação específica, no entroncamento das rodovias federais BR-153 e BR-369, entre os municípios paulistas de Ourinhos e Jacarezinho.

ADPF 444 – Condução coercitiva injustificada

Esta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental também está tramitando celeremente no Supremo. Foi protocolada em março de 2017, já recebeu decisão monocrática e agora passará por um julgamento colegiado, no próximo dia 21.

A ação é do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que sustenta que as conduções coercitivas violam os princípios da imparcialidade (art. 5º, §2º, CF c/c art. art. 8, I, do Pacto de San José da Costa Rica), do direito ao silêncio (art. 5º, inc. LXIII, da CF), do princípio do sistema penal acusatório (art. 156, caput, do CPP), do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da CF), da paridade de armas, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV, da CF).

É sabido que o juiz de primeira instância Sérgio Moro determinou a condução coercitiva de Lula em março de 2016, medida criticada em todo o mundo, mas que não levou o STF ou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a infringir qualquer sanção ao magistrado do Paraná. Agora, no entanto, a ministra Cármen Lúcia acredita ser urgente resolver de uma vez por todas essa questão.

Adin 4.938 – Local de trabalho de servidores do Judiciário

Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade data de 8 de abril de 2013 e tem como autora a Associação Nacional dos Analistas, Técnicos e Auxiliares do Poder Judiciário e do Ministério Público da União – Anata, sobre a forma como são preenchidos os cargos e em quais cidades são lotados os servidores.

O julgamento diz respeito exclusivamente a esta categoria, e dois dias após distribuição já recebia uma decisão da ministra Cármen Lúcia:“determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Presidente do Conselho Nacional de Justiça, a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de dez dias. Na sequência, vista ao Advogado-Geral da União e ao ProcuradorGeral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e prioritário de cinco dias cada qual.”

Assim, já se debruçaram sobre o caso as principais autoridades judiciais do país, e passa da hora de se definir os critérios para os servidores do Judiciário preencherem vagas em diferentes cidades de sua área de jurisdição. A democracia brasileira pode esperar.

Adin 2.163 – Meia-entrada no Rio de Janeiro

Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) chegou ao STF nos idos de 2000. era uma ação da Confederação Nacional do Comércio, com pedido de julgamento liminar, para que fosse declarada inconstitucional uma lei estadual do Rio de Janeiro que que instituía a meia-entrada para jovens de até 21 anos de idade em casas de diversões, praças desportivas e similares.

A liminar foi indeferida no mesmo ano. Já o julgamento do mérito só entrou em pauta dez anos depois, dia 1 de fevereiro de 2010. A votação terminou empatada em 5 a 5. Era preciso, então, aguardar para colher o voto de desempate do então ministro licenciado Celso de Mello.

Mais oito anos se passaram sem nenhuma movimentação. No próximo dia 12 de abril, porém, o caso finalmente será julgado, graças à ministra Cármen Lúcia, que o colocou na pauta, considerando-o, assim, agora mais urgente do que tudo que foi deixado de fora da pauta.

Por Vinícius Segalla, da Redação da Agência PT de Notícias

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