Correios apontam greve por direitos e contra privatização

Direção da empresa atropela convenção coletiva e retira praticamente todos os direitos conquistados ao longo de anos de luta. Trabalhadores prometem engrossar o crescente movimento nacional pela interrupção das privatizações predatórias promovidas pelo governo Bolsonaro. Trabalhadores definem greve para o dia 18

Governo Bolsonaro ameaça privatização Correios

Trabalhadores e trabalhadoras da Empresa dos Correios e Telégrafos (ECT) estão realizando assembleias em todo o Brasil para deflagrar uma greve nacional a partir de 18 de agosto. A categoria protesta contra a retirada de 70 dos 79 direitos assegurados pelo atual Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que tem vigência de dois anos (até 2021).

Dentre as medidas da direção da empresa estão o fim da licença-maternidade de 180 dias, a extinção de adicional de risco de 30% e a redução do vale-alimentação. Os trabalhadores exigem a preservação dos direitos já conquistados e também melhores condições sanitárias de trabalho e equipamentos de proteção e segurança contra os riscos de contaminação pelo novo coronavírus.

A greve foi anunciada pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que orientou os 36 sindicatos filiados a realizarem assembleias até 17 de agosto para aprovar o início da paralisação.

Em nota publicada em seu site, a federação aponta que os Correios desrespeitaram um acordo coletivo vigente até 2021, e que funcionários receberam o contracheque de agosto com descontos indevidos. “Não estamos fazendo uma reivindicação, estamos tentando manter o que a gente já tem há mais de 30 anos”, argumenta José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Fentect.

Fazemos serviço essencial. Desde o início da pandemia a categoria trabalhou de domingo a domingo e, como prêmio, se propõe retirada de direitos

Douglas Melo, diretor de comunicação do Sintect/SP e da Findect

A Fentect afirma que a parte dos planos de saúde a ser paga pelos trabalhadores aumentou, enquanto houve redução da parte da empresa, algo incompatível com a média do piso salarial dos funcionários, de R$ 1,7 mil. “Já saíram mais de 40 mil pessoas do plano por não conseguirem pagar. Hoje, estamos pagando 50% de todo o custo, sendo que antes era 10%, e em 2017 passou a ser 30%”, diz Rivaldo.

Além disso, a federação afirma que há descaso e negligência da empresa com a vida de trabalhadores e clientes durante a pandemia. A Fentect informa que os sindicatos estão travando diversas disputas judiciais para haver maior distribuição de itens de segurança, como sabonete, álcool em gel, desinfecção de agências e testagem de trabalhadores.

A empresa não divulga o número de funcionários e terceirizados contaminados e de óbitos pela Covid-19, alegando compartilhar essas informações apenas com as autoridades competentes. O secretário-geral da Fentect estima que mais de 50 funcionários morreram em decorrência da Covid-19 e que falta transparência no órgão.

Douglas Melo, diretor de comunicação do Sintect/SP e da Findect (federação estadual dos sindicatos da categoria), afirma que os trabalhadores não pediram reajuste e querem condições dignas de trabalho. “Fazemos serviço essencial. Desde o início da pandemia a categoria trabalhou de domingo a domingo e, como prêmio, se propõe retirada de direitos”, critica o diretor.

Direitos desrespeitados

No ano passado, a categoria conquistou junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) uma Sentença Normativa com vigência de 24 meses mantendo os termos do Acordo Coletivo de Trabalho. A direção dos Correios recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e seu presidente, Dias Toffoli, antecipou o término da vigência do acordo para 31 de julho deste ano.

Desde então o movimento sindical tenta negociar com a direção da empresa. “A empresa dos Correios está intransigente. Colocou na mesa uma proposta apenas de retirada de direitos. Quer acabar com 70 cláusulas do nosso acordo coletivo. Eles não querem negociar”, resumiu Jean Marcel, secretário-geral do Sintect/SE.

Segundo a entidade, houve várias as tentativas de solucionar o problema, na perspectiva de adiar a negociação para depois da pandemia ou para um cenário futuro de maior segurança sanitária.

“Houve mediações no âmbito do Ministério Público do Trabalho e do TST. Em ambas as oportunidades, a ECT esquivou-se da conciliação. Todo esse cenário pode ser resolvido pelo STF. A medida processual terá seu julgamento entre os dias 14 a 21 de agosto. Isso após muita pressão dos trabalhadores, que aguardam um desfecho sobre o tema desde novembro/2019”, enuncia a Fentect.

Em entrevista à revista ‘Veja’ no fim de julho, o presidente dos Correios, general Floriano Peixoto, autointitulado um “soldado do presidente Bolsonaro“, colocou mais lenha na fogueira ao afirmar que aceitou o cargo, em 2019, com a missão de acelerar o processo de privatização da empresa. Ele também assumiu a autoria do “plano de maldades” que extinguiu o que chamou de “privilégios” dos trabalhadores.

A direção dos Correios afirma que busca o reequilíbrio financeiro, pré-requisito para os planos de privatização do governo. Em nota, informou que a economia prevista com o “ajuste” dos “benefícios hoje concedidos fora do estipulado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)” será de mais de R$ 600 milhões ao ano. “Assim como os demais pontos constantes na proposta da empresa, ações como as citadas compõem o rol de medidas da Administração dos Correios em prol da sustentabilidade da estatal”, sustentou.

Em nota, a Fentect afirma que “a empresa vem obtendo lucro com o crescimento do ‘e-commerce’ no Brasil, utilizando o empenho dos trabalhadores que expõem suas vidas para garantir as entregas e manter o funcionamento da economia nacional”. Com o isolamento social imposto pela pandemia, boa parte do comércio físico das lojas migrou para a internet, e o aumento da demanda chegou a 30% dos serviços.

A entidade questiona também as ações de ‘reequilíbrio financeiro’, promovidas pela gestão de Floriano Peixoto, como o corte de direitos, já que há denúncias de gastos excessivos e ações que burlam a ética e a transparência de gastos públicos.

“Todo o argumento lançado pela ECT gira em torno da sua situação financeira. No entanto, a alegada precariedade financeira dos Correios não se sustenta. No balanço contábil de 2019, a empresa obteve lucro da ordem de R$ 102 milhões. Não bastasse esse fato, a ECT prossegue sustentando sua falsa situação de penúria. Para tanto, esconde sua real situação financeira”, afirma a entidade em nota.

“As despesas da ECT reduziram-se de maneira drástica, notadamente aquelas com saúde. Disso decorre que, enquanto o resultado, em maio/2019, foi da ordem de R$ 49.573.791,56, em maio/2020, com todos os direitos previstos na decisão do TST sendo praticados, o resultado foi da ordem de R$ 383.492.742,74. Quase R$ 400 milhões de lucros e a ECT segue falseando com a verdade perante o STF e a mídia”, prosseguem os dirigentes.

De acordo com a Fentect, a empresa manipula os dados e coloca a mídia e a população contra a categoria. “Eles mentem dizendo que temos benefícios acima da lei, mas temos os menores salários entre as estatais”, afirma o secretário de Comunicação da Fentect-CUT, Emerson Marcelo Gomes Marinho.

A deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), lançou a questão no Twitter: “Os Correios, empresa que Bolsonaro quer privatizar, tiveram aumento de 25% de movimento com a pandemia e crescimento do comércio eletrônico, que veio para ficar. A eficácia das entregas no país é superior a 90%, e o serviço considerado essencial na crise. Por que querem vender os Correios?!”

CUT convoca movimento nacional pelas estatais

A Federação repudia as atitudes de Floriano Peixoto. “Desde que chegou à ECT, rompeu o diálogo com as representações de trabalhadoras e trabalhadores e atua para atacar cada dia mais os diretos e a saúde dos empregados”, criticou a entidade. “Essa postura só visa acelerar o processo de desmonte da empresa para cumprir a missão dada a ele por Jair Bolsonaro, que é a privatização dos Correios”.

Para a Fentect, os Correios têm passado por sucessivos desmontes como justificativa para a privatização. “É um sucateamento que se agravou nos últimos anos, que se junta ao enxugamento da empresa, em que fazem um plano de demissão voluntário, mas não preveem reposição por meio de concurso”, diz o secretário-geral da entidade.

A ECT foi uma das nove estatais incluídas em agosto de 2019 no pacote de privatizações do governo. Desde então, se encontra na primeira fase do processo, em estudo pela equipe do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e do Ministério da Economia.

Em agosto do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro disse em evento em São Paulo que o governo privatizaria os Correios. Dois meses antes, em junho, ele demitira o então presidente da estatal, general Juarez Aparecido de Paula Cunha, por ter, em sua visão, se comportado “como sindicalista” quando disse, em uma audiência pública na Câmara, que a empresa não seria privatizada.

Estudos de viabilidade técnica da desestatização dos Correios já estão em curso para destruir essa empresa secular. O governo quer acelerar o processo da privatização a partir do envio desse projeto de lei ao Parlamento. É o projeto de desconstrução de um serviço postal universal no Brasil

Amanda Gomes Corcino, diretora da executiva da CUT

Em janeiro deste ano, Bolsonaro afirmou que, se pudesse, “privatizaria hoje” os Correios. No mesmo mês, em Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou a investidores que a intenção é privatizar a empresa no máximo até 2021. Também no Fórum Econômico Mundial, reuniu-se com o presidente da multinacional americana UPS, que estaria interessada na estatal brasileira.

Nesta segunda (3), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) convocou reunião com representantes das estatais e empresas públicas para criar um plano de ação contra a política de entrega das companhias, como querem Bolsonaro e Guedes.

O presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, perguntou o que seria da população nessa crise sanitária se não fosse o SUS. “O Sistema Único de Saúde mostrou toda sua importância nessa crise e a população e os próprios empresários reconheceram isso. Não podemos esquecer as empresas públicas que estão sendo fundamentais para atravessar essa crise”, afirmou o dirigente.

O secretário geral da Fentect reafirmou a disposição da categoria de participar de qualquer movimento que venha defender as empresas públicas. “Só a unidade da classe trabalhadora será capaz de barrar os ataques desse governo. Os trabalhadores dos Correios vão para uma batalha em busca da manutenção dos seus direitos”.

Amanda Gomes Corcino, diretora da executiva da CUT que também representa as mulheres na Fentect, ressaltou que para acelerar o processo de privatização dos Correios, assim como foi feito a partir do Marco do Saneamento Básico, o governo federal, por meio do PPI e do Ministério das Comunicações, pretende apresentar ao Congresso projeto de lei que desobriga a União de prestar os serviços postais do país.

“Estudos de viabilidade técnica da desestatização dos Correios já estão em curso para destruir essa empresa secular. O governo quer acelerar o processo da privatização a partir do envio desse projeto de lei ao Parlamento. É o projeto de desconstrução de um serviço postal universal no Brasil”, alertou.

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