CPI da Prevent em SP: relatos de ‘alta celestial’, nanoterapia e fraude

Comissão ouviu depoimentos do coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Jorge Venâncio, e a advogada Bruna Morato, representante de médicos que denunciaram operadora

Os vereadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Prevent Senior iniciaram os depoimentos desta quinta-feira, 21, sob forte campanha por e-mail e protesto na frente da Câmara Municipal de São Paulo de pessoas que chegaram em ônibus todas uniformizadas para defender a operadora de saúde. No plenário do Legislativo, a CPI ouviu o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, e a advogada Bruna Morato, representante do grupo de 12 médicos que denunciaram irregularidades praticadas pela operadora de saúde.

De acordo com o presidente da CPI da Prevent Senior, vereador Antonio Donato (PT), foram dois depoimentos muito importantes que esclareceram como funciona, por exemplo, o credenciamento de pesquisa e abrem novas frentes de trabalho para a comissão. “Doutor Jorge Venâncio esclareceu o funcionamento do credenciamento de pesquisa e todos os cuidados com os princípios éticos e normativos mostrando, infelizmente, que a pesquisa da Prevent Senior sobre a cloroquina fugiu destes parâmetros e foi suspensa pelo conselho”, afirmou.

Vereador Antônio Donato (PT), presidente da CPI. Foto: Divulgação

Segundo Venâncio, o estudo com mais de 600 pessoas recebeu autorização do Conselho de Ética em 14 de abril de 2020 e, três dias depois, a Prevent Senior publicou resultados preliminares (pré-print), o que levou à sua suspensão e denúncia ao Ministério Público Federal para que investigasse indícios de fraude científica. “É materialmente impossível alguém fazer uma pesquisa com 600 pessoas em três dias e ainda escrever o resultado. É claro que a pesquisa já estava feita anteriormente”, disse.

Venâncio informou aos vereadores que o Conep convocou o responsável Rafael de Souza da Silva para dar explicações. Junto com outros representantes da Prevent, ele disse se tratar de um “equívoco”. “Nós não aceitamos as justificativas, transformamos a suspensão em definitiva e fizemos representação ao Ministério Público Federal, que abriu um inquérito aqui em São Paulo”, afirmou.

O coordenador informou que apenas três processos foram abertos no MPF pelo Conselho de Ética, já que o órgão não tem poder de polícia, como explicou aos vereadores na oitiva. O segundo processo foi em relação ao uso de cloroquina inalável em Manaus, no Amazonas, e o terceiro e mais grave uma pesquisa com proxalutamida que pode ter levado a morte de 200 pessoas. “Fake news em ciências é ainda mais grave”, apontou Donato.

Jorge Venâncio, coordenador da Conep. Foto: Divulgação

Bruna Morato foi a segunda depoente da CPI. A advogada representa 12 médicos autores de dossiê com denúncias contra a Prevent Senior por uma série de irregularidades na pandemia como a distribuição de kit Covid, adoção de tratamento ineficaz contra a doença, proibição de uso de EPIs (equipamentos de Proteção Individual), omissão de óbitos etc.

A advogada disse que levou um tempo para assimilar as denúncias que estava recebendo. “São fatos assombrosos. Eu passei a acreditar na materialidade de fato quando tive acesso aos prontuários”, disponibilizados aos vereadores da CPI da Prevent Senior. “Estas informações são ilustrativas porque, apesar de todas as denúncias terem sido feitas com base no conjunto probatório, no Senado evitei citar detalhes, mas aqui acho importante dizer: existe prova de absolutamente tudo”.

Segundo ela, na documentação “existe a comprovação da causa de várias mortes, a causa da morte, existe a tabela do estudo, existe o estudo pré-print publicado e, pasmem, existe outro documento disponibilizado pela própria rede Prevent Senior em que eles confirmam o efeito benéfico da droga hidroxicloroquina associada ao antibiótico azitromicina”.

Para Bruna Morato, vários óbitos que leu na CPI da Prevent Senior foram propositalmente ocultados como forma de mostrar o resultado positivo da pesquisa da operadora de saúde. “Esse documento tem data de 19 de abril de 2020.”

Bruna Morato, advogados médicos, exibindo o “kit covid”, enviado pela Preventi Senior aos pacientes. Foto: Divulgação

Os médicos passaram a ser controlados por parâmetros. Existia controle em relação ao número de kits Covid entregues por dia em cada unidade de saúde da rede. Os médicos que não batessem as metas eram punidos”, relata.

A advogada apresentou, por exemplo, estudo mostrando a evolução da quantidade de compra de medicamentos do kit Covid. Em janeiro de 2020, a Prevent Senior teria comprado 750 comprimidos de azitromicina de dois laboratórios; ivermectina, 48 unidades; hidroxicloroquina, 60.

A partir de março de 2020, quando começa esse protocolo de pesquisa, a aquisição vai para 55 mil comprimidos de azitromicina; 42 unidades de ivermectina e 248.008 de hidroxicloroquina. Em maio do mesmo ano, segundo ela, “os parâmetros são absurdos: 780 mil unidades de hidroxicloroquina. E em junho, 469.680 comprimidos”.

Bruna Morato relata também a evolução de medicamentos do Kit Covid, que teria começado com alguns comprimidos de azitromicina em conjunto com hidroxicloroquina, mais um composto de vitaminas e proteínas. “Depois, foram acrescentando outros itens como colchicina e ivermectina. As despesas ultrapassaram dois milhões com medicamentos para o kit”, relata.

Ela diz que o que mais preocupa é a alteração de dados para causar uma falsa impressão de eficácia e que a prescrição indiscriminada de medicamento que pode ser letal, como vimos em vários casos de óbitos registrados. Mais, relata os tratamentos a que pacientes da Prevent Senior eram submetidos. “Os protocolos de tratamentos experimentais incluíam 1) aplicação de células-troncos nos pulmões; 2) tratamento de hidroxicloroquina com azitromicina; 3) tratamento com nanopartículas, que é o enriquecimento de metatrexato; 4) tratamento com flutamida; e 5) ozonioterapia.”

Além disso, afirmou que operadora solicitava “altas celestiais” com o objetivo de liberar leitos para os chamados “pacientes VIP”. “A política da Prevent Senior é de pressão, e isso é inquestionável. Não existem leitos suficientes. Até por isso eles passaram a utilizar a expressão ‘rodar os leitos’ ou ‘liberar os leitos’, o que foi dito na CPI do Senado com a expressão ‘óbito também é alta’”, afirmou a advogada.

Requerimentos

A CPI da Prevent aprovou uma série de requerimentos para a próxima sessão. Foram convocados os subprefeitos da Mooca, Pinheiros, Santana/Tucuruvi e Sé o supervisor do Departamento Geral de Uso e Ocupação do Solo, Carlos Roberto Candella. Foram convidados o cardiologista Rodrigo Barbosa Esper, diretor-científico do grupo Prevent Senior, e os pesquisadores Rafael de Souza da Silva e Carla Moraless Guerra Godoy.

Os vereadores também aprovaram requerimentos solicitando do Conep a gravação da reunião com a Prevent Senior sobre a publicação de resultados três dias após a autorização para execução da pesquisa com mais de 600 pessoas, entre outros.

Força-tarefa do MP

Os integrantes da CPI da Prevent Senior se reuniram na terça-feira, 19, com o promotor Everton Zanella, coordenador da força-tarefa do Ministério Público de São Paulo que investiga a operadora de saúde. Ficou acertado que os vereadores vão compartilhar com o MP informações sobre a operadora de saúde. Mais cedo, os promotores ouviram a testemunha Roberta Alvarenga, filha de dois pacientes da Prevent Senior, com 74 e 75 anos, ambos com comorbidades e contraindicações para uso de cloroquina.

Da Redação

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