CPI da Prevent: médicos relatam pressão por UTI e meta para kit Covid

Em depoimento à Câmara de SP, ex-funcionários dizem também sofrer ameaças e confirmam que “guardião” tinha papel de cortar custo e fiscalizar médico em pronto-socorro

Divulgação

Vereador Antonio Donato (PT-SP), presidente da CPI da Prevent Senior

Na sessão desta quinta-feira, 25, os vereadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Prevent Senior, na Câmara Municipal de São Paulo, colheram os depoimentos dos ex-médicos da operadora de saúde Walter Souza Neto, Andressa Joppert e George Joppert.

A Prevent está sendo investigada pela CPI por tratamentos experimentais em pacientes, aplicação de remédios sem eficácia comprovada, como hidroxicloroquina, distribuição de kits Covid durante a pandemia e adulteração de causa de óbitos em prontuários médicos de pacientes com Covid-19.

Para o presidente da CPI, vereador Antonio Donato (PT), os depoimentos desta quinta-feira trouxeram elementos importantes e que de alguma forma desmonta a versão apresentada à comissão na semana anterior por médicos da Prevent Senior. “Foi uma contribuição bem pontuada. Os médicos disseram que têm como provar tudo foi dito aqui hoje com documentos como mensagens e prints, que vão fortalecer em muito a investigação”, afirmou o petista, autor do requerimento de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Nos três depoimentos, os ex-médicos da operadora relataram que enfermeiros se passavam por médicos e prescreviam medicação. “É uma infração muito grave. Temos aqui na CPI representantes do Cremesp acompanhando as oitivas. Agora, nós aprofundaremos outra linha de investigação”, afirmou.

Dr.Walter Souza Neto. Foto: Divulgação

O primeiro depoente foi Walter Souza Neto, ex-médico da Prevent Senior de 2019 a 2021. Como plantonista, confirmou ter atendido paciente que estava usando remédio de tratamento experimental. Ele rebateu a afirmação de que a operadora respeitava a autonomia médica e confirmou que “vivam sobre pressão para a liberação de leitos”.

“Às vezes, você precisava fazer 53 atendimentos em 12 horas. Quase 4 ou 5 pacientes por hora. Eles ficavam comparando. Todo dia, no plantão, havia algo errado. Eles eram tolerantes com esses erros, porque sabiam que aquele modelo induzia ao erro do médico, mas o importante é continuar tirando paciente do PS. Essa era a falta de autonomia, não de receita”, afirmou Walter Neto.

O profissional de saúde disse também que os médicos de pronto-atendimento não tinham consultório fixo. “O paciente chega sendo atendido pelo enfermeiro, na frente de um computador, preenchendo o prontuário com a senha do médico. Enfermeiros agiam como se fossem o próprio médico, que deixava carimbos e receitas assinadas”, relatou.

“Um dia, em dezembro, deixei de prescrever o kit e eles chegaram a mandar uma mensagem avisando que ‘não era obrigado’, mas no dia seguinte fui chamado pelo dr. Fernando Oikawa que veio me dizer que precisava entregar aos pacientes o kit. Às vezes, a gente ficava em dúvida se o paciente voltava por conta do agravamento da doença ou por efeito colateral das medicações”, afirmou Walter Neto.

Os três médicos também confirmaram que o protocolo de atendimento da Prevent, no início da pandemia, não fazia referência à autonomia médica e que isso foi incluído depois que as denúncias vieram à tona a partir da CPI da Covid no Senado.

Walter Neto relatou que desejava “há muito tempo deixar a Prevent Senior, basicamente, porque havia uma desvalorização de vida muito grande, uma preocupação somete com números, com o funcionamento, a geração de lucro e o desprezo absoluto pela vida”.

Segundo ele, a qualidade de atendimento dependia da demanda do dia. “Se o fluxo aumentasse, o número de coisa errada aumentava na mesma proporção. O importante era manter as engrenagens funcionando como uma produção em série. Os pacientes tinham de sair mais rápido do Pronto-Socorro para dar vasão para entrar novos pacientes. Se naquele momento não houvesse alta demanda de leitos de UTI, não haveria uma pressão para colocar os pacientes em cuidados paliativos, supostamente, porque isso não é cuidado paliativo”, relata.

Walter Neto disse que pode ter pesado na decisão de outros profissionais o fato de a Prevent, inicialmente, pagar acima da média para médicos e, posteriormente, pagar bem acima dos valores de mercado adotados por outras empresas. “Isso influiu na decisão de médicos a receitarem o kit Covid. Eu saí da Prevent porque fui demitido. Entre os fatores que pesaram nessa decisão está a recusa em adotar o protocolo do atendimento e acho que perceberam a minha movimentação em busca de emprego”, contou.

Outra questão abordada em profundidade pelos depoentes foi a figura do “guardião”, que era uma espécie de coordenador, de chefe de plantão, “alguém superior que chegava a interferir na conduta do médico em favor de evitar procedimentos indicados a pacientes”, afirmou Neto. “Eu ouvi relatos de que óbitos também eram altas antes da pandemia.”

Ao ser questionado sobre o fato de não ter denunciado a órgão de fiscalização e controle da prática médica, Walter Neto disse que as denúncias não poderiam ser anônimas e, quando havia visita de fiscalização, a Prevent sabia de antemão.

“Todo mundo sabia ser uma empresa que tinha muito dinheiro, tinha muita influência política e zero de escrúpulo. Como você vai denunciar? O fato de a Prevent existir mostrava que houve uma falha na fiscalização. Porque se a fiscalização fosse eficiente, a Prevent nunca teria crescido [financeiramente]. Como um hospital funciona acontecendo tanta coisa errada? Isso aqui funciona fazendo cagada todo dia e os donos ficando milionários. Os caras estavam ficando ricos desrespeitando um direito básico, o direito à vida”, comentou.

Andressa Joppert. Foto: Divulgação

Andressa Joppert, ex-médica da Prevent Senior, foi a segunda a depor. Ela trabalhou na operadora de saúde de junho de 2014 a agosto de 2020. Começou na empresa como plantonista e no fim de 2018 foi promovida a “guardiã”. A médica afirmou que no início não havia como duvidar da operadora de saúde porque eles falavam em números que mostravam a eficácia da hidroxicloroquina, “que tinham um estudo mostrando bons resultados. Quando um colega fala que fez pesquisa, a gente acredita”.

Andressa conta que foi convidada pelo dr. Fernando Oikawa para fazer parte da revisão da chamada pesquisa com 600 pacientes e encontrou algumas inconsistências. “Eu coloco para ele, naquela mensagem, que havia, inclusive, um paciente que estava na tabela que tinha infecção urinária e não Covid-19. A partir daí, a gente começa a ver que tem alguma coisa estranha.”

A médica conta que não encontrou na tabela da pesquisa um campo para eletrocardiograma e questiona o dr. Rodrigo Esper. “Conversando, falei para ele: ‘Mas o paciente vai tomar hidroxicloroquina sem ter um eletro?’ E ele disse no grupo que a gente poderia acrescentar ali a coluna do eletro.”

Andressa também afirmou aos vereadores que sofreu pressão para recomendar o uso de cloroquina e a prescrição de kits Covid a pacientes e que enfermeiros entregavam receitas com carimbo do médico. “Isso era muito comum. Em todos os consultórios tínhamos de logar com a nossa senha em vários computadores. Eu discordei e no Butantan me chamaram para enquadrar porque eu não consentia em autorizar os enfermeiros a usarem a minha assinatura”, narra a ex-médica da Prevent.

A médica disse que saiu da Prevent porque entrou em conflito com a operadora de saúde em várias situações como quando solicitou o uso de máscara facial para atender pacientes com Covid-19. “A empresa era contra atendimento de máscara, isso consta em mensagem da doutora Daniela Cabral, da doutora Carla Guerra. Disseram ‘que não era factível usarmos a máscara o tempo todo’.” Para ela, geralmente, os médicos se submetiam a determinação do guardião. “Então, a autonomia médica estava comprometida!”

Dr. George Joppert. Foto: Divulgação

O último depoimento foi de George Joppert, marido de Andressa, que deixou a Prevent Senior em agosto de 2020. O médico começou dizendo que estavam sendo chamados de criminosos por denunciar a operadora de saúde e atacados em redes sociais. Ele também participou da revisão da chamada pesquisa com 600 pacientes.

“Essa pesquisa já estava feita. Foi em abril. Nós conversamos com Esper e fomos revisar os dados, mas havia dados faltantes na tabela. No fim do manuscrito, ele [Esper] dá o dado de 14 de abril. Ele escreveu o documento no dia 4 e referencia no relatório o número de mortes por Covid do dia 14”, conta George Joppert.

Sobre acusação de invasão de dados por médicos da operadora, afirmaram: “Nós não entramos em nenhum sistema da Prevent, eles compartilharam a tabela de dados conosco. Estamos transtornados com essa acusação. Nós só participamos da revisão, não temos interesse em prejudicar a empresa. Fomos demitidos em 30 de agosto de 2020 e em abril de 2021 ainda estão prescrevendo hidroxicloroquina e kit Covid”.

George Joppert também explicou como funcionava e qual era o real papel do guardião. “O guardião é uma ideologia. Quando fui admitido, me falaram que o doutor Eduardo Parrillo (um dos donos da Prevent) queria ter uma reunião com os novos guardiões. O guardião realiza várias funções sendo baseado na experiência do doutor Eduardo. Quando ele era guardião, ele dormia na unidade, fazia várias funções: ele era médico, gestor e cuidava do administrativo. O guardião acumula muitas funções. Imagina você, guardião, em um Pronto-Socorro lotado: você é o chefe, dá plantão, você tem que tomar conta da emergência, você tem que tomar conta dos plantonistas, que normalmente são mais novos”, relatou.

Na avaliação do vereador Antonio Donato, ser guardião significava que “tinham possibilidades de benefícios materiais para aumentar seu comprometimento com os objetivos da empresa”.

Segundo George Joppert, na hierarquia da Prevent, o guardião respondia aos coordenadores, aos vice-diretores e aos diretores do Pentágono. “Na minha época, o chamado grupo Pentágono ficava em um prédio da Vila Olímpia, onde a cobertura era o estúdio da banda dos músicos donos da Prevent Senior.”

CPI da Covid

A Prevent Senior começou a ser investigada depois que a advogada Bruna Morato, durante mais de sete horas de depoimento, apresentou à CPI da Covid, no Senado, dossiê em que 12 médicos relatam rotina de ameaças, prescrição de tratamento experimental e indicação indiscriminada de uso do chamado kit Covid, formado por oito medicamentos, entre os quais hidroxicloroquina e ivermectina, além de vitaminas.

Da Redação

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