Dados históricos derrubam mentira de que arma é solução

Homicídios aumentaram assustadoramente até 2003, quando era possível andar armado no país. Pobres e até crianças podem estar entre os mais afetados

A história já se encarregou de desmascarar a falsa ideia de que armar a população reduz a violência. Mas os dados sobre o tema revelam uma realidade muito mais dura, especialmente para os mais afetados pelo aumento da circulação de armas de fogo.

Durante anos, qualquer cidadão ou cidadã no Brasil com mais de 21 anos podia andar armado, seja na rua, no carro, em bares e até em shoppings. Armas eram anunciadas nas principais revistas e jornais, podendo ser compradas até mesmo em grandes magazines. Só que essa facilidade de acesso nunca se provou, na prática, um meio de garantir a segurança.

Os assassinatos por arma de fogo aumentaram a todo vapor no período em que o porte era liberado. Somente entre os anos de 1991 e 2003, esse tipo de homicídio pulou de 15.759 para 36.115 – um crescimento médio de 7,8% ao ano, de acordo com o Mapa da Violência 2016.

Os índices só começaram a desacelerar a partir de 2004, quando entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, no governo Lula. Considerando o ritmo de casos no período pré-estatuto, eram esperados 59.464 homicídios em 2014, mas o número registrado foi bem menor: 42.291.

“Ter uma arma não resolve problema, pode é aumentar os conflitos. O Estatuto do Desarmamento foi uma vitória. Houve uma redução do crescimento no número de homicídios no país a partir dessa iniciativa”, apontou o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, no plenário do Senado.

O “freio” nos índices poupou 133.987 vidas no país entre 2004 e 2014. O cálculo tem como base as mortes esperadas a partir dos percentuais de registrados antes do estatuto.

Os números não chegam a suavizar a escalada da violência no país. Mesmo assim, as pessoas não parecem ver com bons olhos a ideia de Jair Bolsonaro de permitir novamente o porte. Pesquisa recente do Datafolha mostra que a maioria dos entrevistados (55%) é contra o direito de o cidadão se armar.

A verdade é que quem mais sofre com o aumento de circulação de armas de fogo são os que vivem nas áreas violentas: as pessoas mais pobres. Até mesmo crianças podem estar entre as principais vítimas.

Segundo o Atlas da Violência 2018, o percentual de homicídios cometidos com armas de fogo subiu de 40% para 71% do total entre o início dos anos 1980 e 2016. O estudo indica ainda que as dez cidades com maiores taxas de assassinatos no Brasil têm nove vezes mais pessoas na extrema pobreza do que as cidades menos violentas.

Os dez municípios com mais de 100 mil habitantes e com menores taxas de homicídios, de acordo com o Atlas, têm 0,6% de pessoas extremamente pobres, enquanto os dez mais violentos têm 5,5%, em média. No total, o país tinha 309 municípios com mais de 100 mil pessoas em 2016.

Contrário ao fim do Estatuto do Desarmamento, o pedagogo Max Maciel é morador da cidade satélite de Ceilândia, região administrativa com alguns dos maiores índices de violência do DF. Ele afirma que o que mais se encontra na periferia são armas. No entanto, isso não se traduz em mais segurança.

“Essa história de que a gente se sente seguro com a população armada é um debate vendido pela indústria armamentista. É coisa de cinema, coisa de cultura, mas não é o que reflete a realidade. Quem já sofreu com violência sabe que arma é um grande problema, não a solução”, destaca.

E as crianças? Nos Estados Unidos, país muitas vezes citado como exemplo positivo pela liberação do porte de armamentos, morrem mais de 2.700 meninos e meninas todos os anos vítimas de armas de fogo. É a segunda maior causa de morte na faixa etária, à frente da soma entre os casos de câncer e problemas cardíacos.

Pesquisas nos EUA vão além e apontam que as mortes de crianças ocorrem duas vezes mais em Estados com legislação mais flexível do que nas localidades em que o porte de arma é mais restritivo. Os estudos sobre o tema devem ser apresentados neste mês em evento da American Academy of Pediatrics, em Orlando, Flórida.

Epidemia

O fenômeno que aumentou o número de armas nas mãos dos brasileiros teve um “boom” a partir dos anos 1980. As principais motivações eram a estagnação econômica da época somado à migração da população que vivia no meio rural para as cidades. Como o Estado não conseguia oferecer segurança, o povo se armava. O processo só seria interrompido a partir do Estatuto do Desarmamento.

Mesmo após o estatuto, o Brasil ainda registra índices epidêmicos. O país é o que mais apresentou número de mortes por arma de fogo no mundo, de acordo com a Pesquisa Global de Mortalidade por Armas de Fogo (Global Mortality from firearms, 1990 – 2016).

São 43.200 mortes só no Brasil. Atrás, vem os Estados Unidos, com 37.200. Apenas seis países das Américas – incluindo México, Colômbia, Venezuela e Guatemala – comportam metade de todos os homicídios por arma de fogo no mundo.

Tragédia anunciada

Para o pesquisador Daniel Cerqueira, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revogar o Estatuto do Desarmamento é um tremendo erro.

“Não tenho dúvida de que a revogação do Estatuto será uma tragédia para o Brasil. Aumentará ainda mais os índices de homicídios, sem nenhum efeito para dissuadir os crimes contra o patrimônio e os criminosos profissionais”, alerta Cerqueira.

Ele defende que seja alterada a forma de fazer política pública de segurança. A mudança seria no que ele chama de “soluções mágicas” e imediatas para o problema do aumento da violência.

Um exemplo é a intervenção militar no Rio de Janeiro. Apesar dos números divulgados pelo Gabinete de Intervenção Federal apontarem para a queda em todos os índices de violência, entidades que acompanham o trabalho dos interventores fazem diversas críticas, apontando violações de Direitos Humanos e o aumento em 59% dos tiroteios no Estado.

“Ao invés de se fazer política simplesmente reativa e de apagar incêndio, deve haver apuração de dados e utilização de método científico de gestão. É preciso sair do palanque, da retórica vazia e passar para a política baseada em evidências”, defende Cerqueira.

Por PT no Senado

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