Daniel Jadue: Lawfare, a arma contra a soberania na América Latina
Em entrevista a Ubiratan de Souza, ex-prefeito de Recoleta e membro do Partido Comunista do Chile revela como a instrumentalização da justiça visa aniquilar não indivíduos, mas projetos populares
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Em um cenário onde a judicialização da política se tornou uma ferramenta de perseguição na América Latina, a voz de Daniel Jadue emerge como um farol de resistência. Ex-prefeito da emblemática Recoleta, no Chile, e figura proeminente do Partido Comunista de seu país, Jadue foi alvo direto de lawfare – o uso deturpado de meios legais para fins políticos – após implementar uma série de políticas sociais inovadoras que romperam com a lógica do Estado subsidiário, como as famosas Farmácias Populares. Confira abaixo a íntegra da conversa:
Nesta entrevista a Ubiratan de Souza, economista e dirigente do PT no Rio Grande do Sul, Jadue aprofunda a discussão sobre essa prática insidiosa. Ele revela como a “guerra jurídica” é uma estratégia sistemática para desarticular governos e movimentos progressistas, e compartilha sua perspectiva sobre o papel da integração regional e da mobilização popular na construção de um polo contra-hegemônico. Para Jadue, a essência do lawfare é clara e contundente: “O lawfare não persegue pessoas, persegue projetos”. Uma análise profunda sobre os desafios e as lutas por um continente mais justo e soberano.
O uso do lawfare como arma política contra os governos populares e progressistas marcou a América Latina no último período. Como prefeito do município de Recoleta, o senhor criou um sistema alternativo ao Estado Subsidiário de Pinochet, que inclui: farmácias populares, ótica popular, imobiliária popular, livraria popular, escola aberta, Universidade Aberta. Que importância o senhor atribui às políticas sociais desenvolvidas por seu governo para sua inclusão como alvo preferencial do lawfare no Chile?
O lawfare no Chile, como em toda a América Latina, não é um fenômeno isolado, mas uma estratégia sistemática do bloco no poder para desarticular qualquer tentativa de questionar a ordem neoliberal herdada da ditadura de Pinochet. Em Recoleta, o que fizemos foi demonstrar que outro Chile é possível, mesmo dentro das limitações de um marco jurídico e político profundamente hostil.
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Quando abrimos a Farmácia Popular, a Ótica Popular, a Livraria Popular, a Imobiliária Popular, a Escola Aberta ou a Universidade Aberta, o que fizemos foi romper a lógica do Estado subsidiário: deixamos claro que o mercado não é um direito natural, mas um mecanismo de saque, e que os municípios, se ficarem do lado de seu povo, podem garantir direitos que o Estado neoliberal nega.
Isso nos tornou um alvo. Porque o que está em jogo não é minha figura pessoal, mas o exemplo que Recoleta significa: a prova viva de que o neoliberalismo é uma mentira. Por isso usam o lawfare contra mim, porque não suportam que se mostre ao povo que a dignidade pode ser política pública e não mercadoria.
Os interesses imperialistas parecem hoje combinar o uso do lawfare para o controle da América Latina com políticas mais agressivas e diretas, como sanções e pressões militares. Qual é o papel da integração regional e da construção de um polo contra-hegemônico nesta nova fase?
Hoje vemos como os interesses imperialistas combinam o lawfare com sanções econômicas, bloqueios financeiros, golpes parlamentares e até ameaças militares. Não há ingenuidade possível: eles buscam manter a América Latina subordinada, como reserva de recursos e mão de obra barata.
Diante disso, a única resposta possível é a integração regional e a construção de um polo contra-hegemônico. A CELAC, a UNASUR, a ALBA, a Petrocaribe, e outras tentativas que já conhecemos, devem voltar a se levantar com força.
Mas não bastam governos progressistas isolados; precisamos de uma arquitetura de poder popular regional, que inclua mecanismos financeiros próprios, intercâmbio solidário de energia, alimentos, tecnologia e ciência, e uma defesa comum contra a agressão imperialista. Em outras palavras: ou somos capazes de nos unir como bloco soberano, ou voltaremos a ser reféns das corporações, do FMI e da OTAN.
Com base na experiência da campanha de solidariedade pela liberdade e justiça realizada em seu favor, qual é o papel da mobilização popular para enfrentar o lawfare e quais são os desafios do campo popular para retomar a ofensiva e o protagonismo no Chile e na América Latina?
Minha própria experiência demonstra: sem a mobilização popular, sem a solidariedade internacionalista, sem os milhares que saíram para denunciar a perseguição, o lawfare me teria enterrado politicamente em silêncio.
O poder judiciário, a mídia e a elite política trabalham de maneira coordenada para destruir as alternativas populares. Somente a organização do povo pode romper esse cerco.
O desafio central hoje é recuperar a iniciativa política, superar a fragmentação e voltar a construir um campo popular ofensivo, não defensivo. Precisamos de articulação continental dos movimentos sociais, sindicatos, organizações feministas, indígenas, juvenis. E precisamos de nossos próprios meios de comunicação para disputar o senso comum e não deixar que o inimigo defina a agenda.
Por fim, quero trazer a solidariedade do PT, da esquerda e do povo brasileiro e reforçar a denúncia do lawfare contra Daniel, realizado devido às suas conquistas a favor dos menos favorecidos. Por isso, nossa luta de solidariedade internacionalista pela liberdade e justiça para Daniel Jadue #JadueLivre #JustiçaParaJadue.
Recebo com enorme gratidão a solidariedade do PT, da esquerda e do povo brasileiro. A luta contra o lawfare que hoje me atinge no Chile não é apenas minha: é a mesma que Lula enfrentou, a mesma que Cristina enfrentou, a mesma que os líderes populares de toda a América Latina sofrem.
O que buscam com o lawfare é encarcerar não pessoas, mas projetos. Por isso nossa resposta deve ser internacionalista. A palavra de ordem #JadueLivre ou #JustiçaParaJadue não fala de um indivíduo, mas da defesa da possibilidade de construir alternativas ao neoliberalismo em nosso continente. Agradeço profundamente o apoio, e reafirmo: enquanto houver um povo disposto a lutar, não haverá juiz nem promotor que consiga silenciar a esperança. Nossa causa não é pessoal, é coletiva, e se chama dignidade.
Da Redação
