Depois da saúde, governo investe contra Fundeb para destruir educação
Proposta do governo quer desviar os recursos do Fundeb para driblar o limite de gastos e financiar um novo programa social. Parlamentares do PT denunciam a sanha privatista de Paulo Guedes e questionam quem pagará a conta do colapso no ensino público
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Depois de atentar seguidas vezes contra o Sistema Único de Saúde (SUS), a sanha destruidora do governo Bolsonaro se volta contra a educação. Às vésperas do início da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 15/15, que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta em dez pontos percentuais a fatia de recursos da União, uma contraproposta do governo circulou entre os parlamentares, no sábado (18), propondo renovação do fundo somente a partir de 2022.
O Fundeb, responsável por 63% do financiamento da educação básica, ficará sem dinheiro no próximo ano caso essa proposta do Executivo seja aprovada. Além disso, o governo também quer que metade do acréscimo previsto para os recursos da União seja desviado para programas sociais, como o Renda Brasil, o programa que está sendo elaborado para substituir o Bolsa Família.
Os recursos do fundo são investidos por estados e municípios na remuneração dos profissionais de educação, no transporte escolar, na aquisição de equipamentos e material didático, e na construção e manutenção das escolas.
A votação da PEC do Fundeb na Câmara está prevista para esta tarde, e é encarada como o primeiro teste de lealdade dos parlamentares cooptados no chamado Centrão, que recebeu vários cargos importantes na administração federal em troca de apoio à demolição do Estado brasileiro por Bolsonaro. O governo jogará pesado para intervir e desfigurar o parecer da relatora Dorinha Seabra (DEM-TO), alterando a redação de uma proposta construída ao longo de anos de amplo debate com as entidades representativas do setor.
Além do desvio e redução de recursos destinados à educação, a pauta de Bolsonaro inclui o fim da vinculação ao piso nacional do Magistério; a supressão do percentual mínimo de 70% para a remuneração do Magistério; a transferência de recursos públicos para escolas privadas por meio de vouchers e a não constitucionalização do Fundeb, colocando em risco o caráter permanente do novo fundo.
A ideia do governo ainda vai na contramão do dispositivo constitucional transitório que estabeleceu o Fundeb e que só permite a aplicação dos recursos do fundo na manutenção do ensino e na remuneração de professores.
A Professora Dorinha, que na semana passada ouviu a proposta indecorosa do ministro da Economia, Paulo Guedes, considera a contraproposta do governo uma ameaça de “apagão” da educação básica no próximo ano, com o possível fechamento de escolas e outros prejuízos para o setor. Ela disse que a ideia de remanejar recursos do fundo para programas sociais é inconstitucional e “certamente não será aprovada pela Câmara”.
As bancadas do PT no Congresso Nacional veicularam nota oficial em defesa do Fundeb e da educação pública. “O substitutivo apresentado pela deputada Dorinha Seabra (DEM/TO) à PEC 15/15, que se tornou alvo da mencionada ofensiva neoliberal, é fruto de um amplo processo de mobilização social e de construção coletiva, de um qualificado debate materializado em diversas audiências públicas, e representa a síntese das formulações de diversas frações políticas expressas durante a tramitação da matéria em Comissão Especial instituída na Câmara dos Deputados”, apontam os parlamentares do Partido dos Trabalhadores.
Deputados e senadores também apontam que não há contradição entre a vinculação de 70% do Fundeb ao pagamento dos profissionais da educação e a Lei do Piso Salarial do Magistério, uma vez que são os recursos do Fundeb que possibilitam a materialização do Piso Salarial em muitos Estados e Municípios, e que os profissionais da educação não são apenas os profissionais do magistério.
“Sabemos que as tentativas de desconstrução do substitutivo apresentado à PEC 15/15 derivam da cartilha ultraneoliberal do ministro Paulo Guedes, que atua no sentido de desindexar, desvincular e desobrigar o orçamento, o que significa desconstruir o arcabouço constitucional a partir do qual o constituinte vislumbrou a materialização dos direitos sociais, inclusive o direito fundamental à educação”, denuncia a bancada do PT na Câmara.
Os parlamentares ainda afirmam que “a pergunta que deve ser feita ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que tem a prerrogativa de coordenar a tramitação da PEC 15/15, e aos parlamentares que ensaiam aderir à política de austeridade fiscal comandada pelo ministro Paulo Guedes, é quem pagará a conta do colapso da educação básica pública, quem pagará a conta da exclusão escolar das crianças de 0 a 3 anos, quem pagará a conta do atraso do nosso país em matéria educacional”.
Trabalhadores protestam
Em nota oficial, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) alerta que o banqueiro Paulo Guedes tenta intervir desastrosamente num debate que se alonga há mais de dois anos e sobre o qual o próprio governo se eximiu em participar, seja por mero desinteresse, seja por despreparo de seus interlocutores à época (ex-ministros da Educação Ricardo Vélez e Abraham Weintraub).
“O recente protagonismo de Paulo Guedes nas negociações do Fundeb, embasado em sua visão ultraliberal e com pouca capacidade técnica e nenhum compromisso de estadista frente a um tema de enorme repercussão social e estratégico para o desenvolvimento inclusivo e soberano do país, ameaça pôr por terra a principal política redistributiva da educação pública”, afirmam os trabalhadores na nota.
Os trabalhadores também lembram que, além de rebaixar a participação da União no Fundeb, a proposta de Guedes-Bolsonaro representa grave retrocesso socioeducacional, pois retoma o antigo conceito de fundir as políticas (e os orçamentos) educacionais com a assistência social. “Esse conceito foi superado desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mas o governo inepto e irresponsável deseja revogá-lo, rasgando mais uma vez a Carta Magna – tal como tem feito com as legislações trabalhista, previdenciária etc”, argumentam.
“O descompromisso de Guedes com a educação e o despreparo dos ministros da Educação, incluindo o atual, Pastor Milton Ribeiro, demonstra como o país segue vítima do negacionismo, da improvisação irresponsável e de desmedidas em diversas áreas do Executivo, que fazem aumentar o desemprego, ceifa vidas nesse período da pandemia do coronavírus, destrói nossas florestas, extermina os povos indígenas, contamina nossos alimentos… E agora querem destruir a educação pública”, concluem na nota.
As centrais sindicais também se manifestaram em nota, na qual afirmam estar atentas e mobilizadas contra a oposição do governo Bolsonaro ao novo Fundeb. “O Fundeb entrou em vigor em 2007 e, somente no ano passado, foi responsável por cerca de 65% do total dos recursos investidos nas escolas públicas brasileiras” lembram os líderes sindicais.