Eduardo Moreira: “Quem governa para os pobres, governa para todos”

Ao ‘Jornal PT Brasil’, economista explica como Guedes usa o Estado para tirar riquezas dos mais pobres para dar aos ricos e defende “regulagem da máquina” para distribuir renda e combater a pobreza

Foto: Ravi Santana

Moreira: investimento do Estado nos mais pobres "vai fortalecer tudo: a indústria, o setor de serviços, a agricultura”

Economista com anos de atuação no sistema financeiro, Eduardo Moreira vem denunciando há tempos como a destruição do Estado brasileiro, a partir do golpe de 2016, acelerou o aumento da pobreza no país. O quadro foi agravado no governo Bolsonaro, que aperfeiçoou, com Paulo Guedes à frente da Economia, um mecanismo parasita que permite ao Estado sugar as riquezas nacionais para dar aos ricos, deixando fome e miséria para população.

Em entrevista ao Jornal PT Brasil, nesta quarta-feira (4), Moreira defendeu uma revisão total da “regulagem da máquina” para o país voltar a crescer, incluindo o fim do teto de gastos. E isso passa pela inserção dos mais pobres no orçamento, como insiste Lula. “Quem governa para os pobres, governa para todos”, resume Moreira. A seguir, os principais trechos da entrevista.

“Para combater desigualdades, é muito importante que se atue na fonte dos recursos mas também no destino deles”, disse Moreira, citando como exemplo a tese de Lula de que o Estado deve se ocupar sempre dos menos favorecidos. “É muito importante que os recursos comecem o seu percurso pelos mais pobres, e isso vai fortalecer tudo: a indústria, o setor de serviços, a agricultura”, avaliou.

País dos sonhos de Lula

Moreira afirmou que é importante separar, conceitualmente, o país dos sonhos de Lula e o de Paulo Guedes, um burocrata a serviço do sistema financeiro. “No país ideal de Guedes, há poucas pessoas que acumulam dezenas de bilhões de reais, com todo o poder econômico e político na mão delas”, explicou o economista. “Essas pessoas são tutoras da democracia e da vida dos outros, que devem ter o mínimo, mas o mínimo mesmo, de dignidade, para não atrapalhar o lucro dos muito ricos”, ironizou.

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O mundo do campo progressista, por sua vez, é outro, insistiu Moreira: “O carro que Guedes considera bom deve ser o carro que o mais pobre também considera, a universidade que é boa para um [rico] tem de se boa para o outro [pobre]”, exemplificou o economista. Ele defendeu que uma maior taxação dos ricos, por meio de uma reforma tributária, sozinha, não irá reduzir desigualdades sem um redirecionamento do Estado.

Privatizações, o Estado a serviço dos ricos

“O Estado tem papel fundamental, que é redistribuir riquezas em um sociedade e também de direcionar o crescimento dessa sociedade. Tivemos no governo Temer e no governo Bolsonaro um Estado que passou a ser comandado por pessoas que representam o sistema financeiro, os maiores conglomerados empresariais e, até certo ponto, não nacionais. Passamos a ter um governo que passou a zelar por esses interesses, um governo que passou a redistribuir riquezas tirando dos mais pobres e dando para os mais ricos”, criticou.

“Tivemos uma liquidação dos ativos públicos, aqueles que deveriam servir a todo o país, por preços muito abaixo daquilo que é considerado razoável. O Estado foi cada vez mais perdendo instrumentos para cumprir o seu papel de redistribuir riqueza”, relatou.

Atraso tecnológico

“Hoje, 2022, a gente vive um país que está atrasado tecnologicamente, que teve uma perda de produtividade gigantesca, que não tem uma capacidade – com o que há de investimento em ciência e tecnologia nas universidades brasileiras – de desenvolver soluções que nos tornem competitivos tecnologicamente com o resto do mundo”, advertiu Moreira.

Para ele, não há sombra de dúvida de que Temer e Bolsonaro aniquilaram a capacidade de inovação em ciência e tecnologia do país.

“Numa nova economia, onde se tem como principais custos o da energia, do financiamento do capital e do envio das mercadorias, temos um país com ameaça de privatizar a Petrobras, porque a Eletrobras já foi privatizada, os bancos públicos, Caixa Econômica e Banco do Brasil, e os Correios”, alertou.

Privatizações são perniciosas à competitividade

Moreira explicou que o processo de privatizações, assim como a redução do papel do Estado em estimular a atividade econômica, levam a uma redução da própria competitividade entre empresas. “Toda vez que você tem um serviço privado, as empresas que têm muito dinheiro conseguem comprar o produto ou o serviço muito mais barato do que aqueles que são pequenos. O Estado normalmente entra equalizando esse jogo, permitindo que todo mundo possa competir”, explicou.

Assim, Moreira coloca por terra a falácia de que o Estado inibe a concorrência e a livre iniciativa. “É um erro comum, imaginar que um ambiente de maior competição é um ambiente sem Estado, é uma besteira enorme. O ambiente de maior competição é com o Estado, direcionando, estimulando essa competição”, justificou.

Para Moreira, quando se retira do Estado seu papel de indutor das atividades econômicas, o ambiente se torna menos competitivo, “dando origem a monopólios e oligopólios e, até pior do que isso: monopsônios, que é quando você, não só é o único que vende determinado produtos, como é único que contrata os insumos para vender esse produto”.

Teto de gastos, a captura do orçamento

Moreira analisou ainda os efeitos do famigerado teto de gastos, um fenômeno exclusivamente brasileiro, criado para barrar os investimentos sociais, enquanto permite que os ricos capturem o orçamento do país para si. “Nenhum país do mundo tem algo como um teto de gastos durante 20 anos, que só reajusta a inflação”, apontou.

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Moreira considera ainda mais chocante o teto de gastos ter sido implementado justamente no momento de maior gravidade da crise econômica brasileira, em 2017. Ele denunciou que houve uma paralização dos gastos com saúde e educação mas não os financeiros, os que beneficiam os ricos por meio de pagamentos da dívida pública.

Dívida pública e PIB

Ele esmiuçou a estratégia: “Está congelado os gastos com os mais pobres, não está com congelado os gastos com os ricos. É o congelamento de gastos com pobres inclusive que garante que vai sobrar dinheiro para pagar os mais ricos”, explicou. “A grosso modo, temos quase metade do orçamento utilizado para pagar juros e amortização da dívida brasileira”.

Moreira defendeu uma gestão que permita ao governo gerenciar a dívida para que ela não estrangule a capacidade de crescimento do país. “Não tem problema nenhum você se endividar se esse dinheiro que foi emprestado é utilizado para o seu país crescer, para se criar uma estrutura que permita maior potencial de crescimento, que destrave vários gargalos no país”.

Gestão desastrosa

Para Moreira, isso permitiria ao Produto Interno Produto (PIB) crescer mais e alterar a relação entre crescimento e dívida pública. “Aí você entra em um círculo virtuoso, quando começa a mostrar que o país vai crescer, que vai gerar mais riqueza e receita através dos impostos. Os credores, para quem você deve dinheiro, ficam mais confiantes, e passam a exigir uma taxa de juros mais baixa para emprestar”, pontuou.

“Dívida não é algo que foi feito para ser quitado, mas gerido. E hoje a gente gere da pior maneira possível, vamos estrangulando o país, criando mecanismos que impedem o país de investir, como o teto de gastos”, observou. Isso gera um ambiente de desconfiança na capacidade  de crescimento do país, o que faz com que credores aumentem juros, alertou o economista. “Quando cobram mais para emprestar dinheiro ao país, a situação fiscal fica pior, e aí entramos em um ciclo vicioso”.

Pária internacional

Moreira lamentou a atual condição do Brasil, de pária internacional, no tabuleiro geopolítico de uma nascente ordem mundial, quando poderia ser protagonista. O economista argumentou que o país poderia assumir a liderança no enfrentamento dos maiores desafios do planeta hoje, como a questão climática e o combate à fome.

“Vivemos em um país que é o segundo maior produtor de alimentos, que descobriu a maior reserva de petróleo das últimas décadas e tem capacidade de geração de energia limpa como poucos países, um dos que mais têm reservas minerais, terras cultiváveis, a maior reserva de água doce do mundo e a maior floresta”, apontou.

O país, no entanto, desperdiça o próprio poder, ressaltou o economista. “O Brasil foi responsável por 40% do desmatamento, sozinho”, espantou-se. “Em vez de sentar, nesse jogo diplomático e ter, nessa negociação geopolítica do mundo, papel protagonista, sentamos como vilão da história. Somos, cada vez mais, um pária internacional”.

Moreira concluiu a conversa afirmando que a um próximo governo caberá retomar o protagonismo em uma nova ordem mundial, “que tem necessariamente, essa preocupação em preservar ativos que o Brasil tem”.

Da Redação

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