Estimulada pelo bolsonarismo, Polícia brasileira nunca matou tanto

Encorajados pelo discurso permissivo de Bolsonaro, agentes civis e militares eliminaram mais de 6,3 mil pessoas no ano passado. Negros ou pardos são oito entre cada dez vítimas. E três em quatro são jovens de 15 a 29 anos. Dirigentes do Fórum de Segurança Pública consideram os números “obscenos”

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Pretos, pardos e jovens são as maiores vítimas

A permissividade com teses como a do excludente de ilicitude para agentes do Estado produz resultados desde o início do desgoverno Bolsonaro. Vários constam do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta segunda (19). Entre eles, a triste constatação de que a polícia nunca matou tanto quanto em 2019 – oito entre dez vítimas, pessoas negras, e três em cada quatro, jovens com 15 a 29 anos.

No ano passado, 6.375 pessoas morreram em ações do tipo. Aumento de 3,2% em relação a 2018. Desde 2013, quando o anuário passou a fazer o monitoramento, o número cresce — e em relação ao ano inicial, o aumento foi de 188,2%. No total, os dados de mortos nas ações policiais representam 13,3% do total de mortes violentas registradas no Brasil em 2019. Ao todo, houve pelo menos 47.773 assassinatos.

A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, chama os dados de “obscenos” e preocupantes. “Isso é um número que ultrapassa qualquer parâmetro internacional em relação ao uso da força policial. Mostra claramente o uso abusivo da força por parte das nossas polícias”, alertou.

Diretor-presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima destaca que movimentos de motim da Polícia Militar são preponderantes para esse cenário. “Foi quando esse movimento, se associando a uma reorganização das facções de base prisional, provocou um esvaziamento de um esforço (de segurança pública) que estava sendo feito. As polícias têm que refletir sobre como elas podem fornecer um serviço de qualidade e como os direitos dos policiais são legítimos, mas não podem estar dissociados dos números.”

Samira ressalta que o fenômeno não se distribui de forma homogênea no país. No Rio de Janeiro, 30,3% das mortes violentas intencionais foram causadas por policiais civis e militares. No Amapá, o percentual é de 29%, e em Goiás, 23,5%. Em outros estados como Pernambuco, o percentual é de 2,1%, e no Distrito Federal, 2,2%.

Os negros ou pardos são maioria nas duas situações. Eram 79,1% das vítimas de intervenções policiais, enquanto 20,8% eram brancas. E se o efetivo de policiais civis e militares do país tem 53% de policiais brancos e 44,9% de policiais pretos e pardos, entre os policiais vítimas de crimes violentos letais intencionais (CVLI), 65,1% eram negros e 34,9% eram brancos.

Pesquisador do Fórum, Dennis Pacheco frisa que o fato de negros serem desproporcionalmente mais mortos por policiais é um dado que se repete ao longo dos anos.

“Tem se acentuado ao longo do tempo. A gente acompanha a série histórica e percebe que a polícia mata cada vez mais desproporcionalmente mais negros no Brasil. E aí a gente pode atribuir isso à associação da cultura e da estética jovem negra e periférica por parte das polícias à figura, estereótipo e imagem do suspeito padrão e a essa noção de fundada suspeita”, ressalta.

Maioria nos presídios e cadeias

O racismo estrutural também é determinante no sistema carcerário. Segundo o Anuário, as prisões do país estão se tornando, ano a ano, guetos destinados a um perfil populacional cada vez mais homogêneo. Historicamente, a população prisional do país segue um perfil muito semelhante ao das vítimas de homicídios.

“No Brasil, se prende cada vez mais, mas, sobretudo, cada vez mais pessoas negras. Existe, dessa forma, uma forte desigualdade racial no sistema prisional, que pode ser percebida concretamente na maior severidade de tratamento e sanções punitivas direcionadas aos negros”, afirma a publicação.

“Aliado a isso, as chances diferenciais a que negros estão submetidos socialmente e as condições de pobreza que enfrentam no cotidiano fazem com que se tornem os alvos preferenciais das políticas de encarceramento do país.”

Em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%. Hoje, de cada três presos, dois são negros. Dos 657,8 mil presos em que há a informação da cor/raça disponível, 438,7 mil são negros (ou 66,7%). Os dados são referentes a 2019.

“As prisões dos negros acontecem em razão das condições sociais, não apenas das condições de pobreza, mas das dificuldades de acesso aos direitos e a vivência em territórios de vulnerabilidade, que fazem com que essas pessoas sejam mais cooptadas pelas organizações criminosas e o mundo do crime”, explica Amanda Pimentel, pesquisadora associada do Fórum.

“Mas essas pessoas também são tratadas diferencialmente dentro do sistema de justiça. Réus negros sempre dependem mais de órgãos como a Defensoria Pública, sempre têm números muito menores de testemunhas. Já os brancos não dependem tanto da Defensoria, conseguem apresentar mais advogados, têm mais testemunhas. É um tratamento diferencial no sistema de justiça. Os réus negros têm muito menos condições que os réus brancos”, afirma a pesquisadora.

“Para cada não negro preso que adentrou ao sistema prisional, dois negros foram presos. Se você comparar a entrada e a permanência no sistema prisional, você vê que é pouco mais do que o dobro das pessoas não negras”, completa Amanda.

A pesquisadora lembra que a política de encarceramento em massa dificulta ainda mais o combate à violência, em razão do fortalecimento das organizações criminais. “Muitas pessoas que cometem crimes não violentos e adentram ao sistema penal têm contato com diversas organizações e isso acaba fortalecendo as facções, como o PCC e o Comando Vermelho.”

O Anuário também fez a coleta de dados referentes a mortes e casos de Covid-19 em 2020 nos presídios do país. Houve 113 óbitos e 27.207 casos entre a população carcerária. Segundo a publicação, dentro do sistema prisional brasileiro, a pandemia da Covid-19 e as medidas tomadas para contê-la causaram um agravamento das condições de encarceramento da população e aprofundaram as violações de direitos fundamentais.

Assassinatos e feminicídio crescem na pandemia

Mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, o número de assassinatos vem crescendo. Nos primeiros seis meses de 2020, as Mortes Violentas Intencionais (MVI) acumularam crescimento de 7,1%. Foram 25.712 mortes, contra 24.012 no no primeiro semestre de 2019. O mesmo ocorre com as mortes provocadas por ações registradas como intervenção policial: cresceram 6% em números absolutos em relação ao mesmo semestre do ano passado, vitimando 3.181 pessoas.

No primeiro semestre deste ano, o número de feminicídios também cresceu 1,9% em relação ao mesmo período do ano passado, com 648 vítimas. Os registros de agressões em decorrência de violência doméstica, no entanto, caíram 9,9%. Já os chamados para o 190 aumentaram 3,8%. Foram 147.379 chamadas nos primeiros seis meses deste ano.

Já no ano passado, 1.326 mulheres foram assassinadas no país – crescimento de 7,1% em relação ao ano anterior. Dessas, 66,6% eram negras, 56,2% tinham entre 20 e 39 anos e 899% foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro.

Em 2019 também ocorreu um estupro a cada 8 minutos no país. Ao todo, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 66.123 boletins de ocorrência deste tipo de crime. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança.

Dos 66.123 casos de violência sexual, 70,5% foram registrados como estupros de vulnerável, quando a vítima é menor de 14 anos ou não consegue oferecer resistência ao ato, porque está alcoolizada ou por uma enfermidade, por exemplo. A faixa etária das vítimas de estupro e estupro de vulnerável indica que 57,9% delas tinham no máximo 13 anos no momento do registro, um crescimento de 8% em relação a 2018.

Também no ano passado, o Brasil teve uma agressão física a cada dois minutos. Ao todo, foram 266.310 registros de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica (aumento de 5,2%). As delegacias civis registraram 349.942 pedidos de medidas protetivas de urgência, 958 por dia, mas nem todos os estados conseguiram informar o número.

“Tinham elementos muito explícitos da violência de gênero. Isso mostra a brutalidade desse número de mulheres que estão sendo mortas por pessoas com quem elas estão tendo vínculo afetivo”, afirma Samira Bueno.

Da Redação

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