Genoino: “Decisão contra ‘poder moderador’ dos militares é positiva, mas é preciso ir além”

Em entrevista ao Jornal PT Brasil, ex-deputado constituinte defendeu que seja retirado do Artigo 142 da Constituição o trecho que atribui às Forças Armadas a garantia “da lei e da ordem”

Reprodução/TvPT

Genoino: "A decisão do Supremo não altera aquilo que eu acho essencial, que é revogar a tutela militar"

Ex-presidente nacional do PT e ex-deputado federal constituinte, José Genoino elogiou, nesta-terça-feira (9), a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) de firmar o entendimento de que a Constituição não prevê “poder moderador” das Forças Armadas nem encoraja uma intervenção militar. Porém, ele observou que o posicionamento da Corte tem apenas um “efeito simbólico”, já que não eliminou totalmente a ideia de tutela militar constante do Artigo 142 da Carta.

Genoino abordou o assunto durante entrevista ao Jornal PT Brasil, da TvPT, quando disse que a decisão do STF foi positiva diante da tentativa de golpe de Estado orquestrada por Jair Bolsonaro e seu grupo criminoso, que deturparam o texto constitucional para basear uma eventual convocação dos militares contra a eleição de Lula. Ao mesmo tempo, o ex-deputado defende que haja um avanço ainda maior, com a retirada do Artigo 142 da parte que atribui às Forças Armadas a garantia “da lei e da ordem”.

“Eu acho que a decisão do Supremo não altera aquilo que eu acho essencial, que é revogar a tutela militar, que é principalmente a parte final do artigo 142, em nome da lei e da ordem”, disse o ex-presidente do PT. ‘Eu acho que isso tem que ser banido’, afirmou.

“A ideia de poder moderador está afastada, mas a ideia da tutela, a ideia da intromissão, a ideia do inimigo interno, a ideia da repressão, a ideia de militarizar a segurança pública precisa de uma reforma mais ampla do papel das Forças Armadas”, sublinhou, acrescentando que, quando se trata de militares, “a coisa não esclarecida, a coisa não definida, a coisa pantanosa acaba dando margem ao autoritarismo”.

Assembleia Nacional Constituinte

Durante a entrevista, Genoino lembrou que a tese do “poder moderador” vem desde a Constituição de 1824, da época do império, passou pela de 1891, já no sistema republicano, e chegou à Carta de 1988.

O ex-presidente do PT recordou que, durante a última Assembleia Nacional Constituinte, ele e outros parlamentares de esquerda defenderam a retirada do trecho “da lei e da ordem” do texto que viria a ser promulgado. Segundo ele, a iniciativa não teve sucesso em razão de uma forte pressão do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, e de outros membros da cúpula militar, sobre a maioria dos congressistas.

“Eu dizia: lei é qualquer coisa, e ordem é tudo. Essa subjetividade, quando se trata de Forças Armadas, que têm um monopólio da violência, uma força hierarquizada, eu acho que é um problema que nós temos ainda que enfrentar, principalmente à luz dos acontecimentos do 8 de janeiro, quando houve uma tentativa clara de golpe, e esses golpistas têm que ser punidos sem anistia”, afirmou.

“Eu acho que esse problema persiste na institucionalidade brasileira. Quer dizer, o papel das Forças Armadas, as suas funções, a destinação das Forças Armadas para uma política de defesa pública, centrada nas ameaças externas, é disso que se trata. Não é para fazer acampamento, não é para considerar o povo inimigo”, pontuou Genoino. “O debate sobre o papel das Forças Armadas está aberto e deve continuar”, enfatizou.

Nova doutrina militar

Genoino defendeu que o PT e outras forças democráticas promovam um amplo debate voltado à instituição de uma nova doutrina militar e de defesa nacional, que busque preparar as Forças Armadas para o enfrentamento dos novos tipos de ameaças que surgiram nas últimas décadas.

Ele citou como exemplo a atual onda de ataques do bilionário sul-africano Elon Musk, dono da plataforma X, contra a democracia e a soberania do país.

Segundo afirmou Genoino, o Brasil precisa de uma doutrina militar “que oriente as Forças armadas para a defesa externa, para a segurança do país, num mundo conturbado, num mundo que caminha para a multipolaridade, num mundo em que você está vendo um bilionário, um biliardário, ameaçar a soberania nacional com uma tecnologia sofisticada, monopolizada, que é o ex-tweet, agora X”.

“A questão das ameaças à soberania nacional não é mais uma coisa como no passado, apenas física. Ela é física, mas é também interesse econômico, ela também visa a impedir o Brasil de se desenvolver tecnologicamente, ela provoca um constrangimento de natureza geopolítica. Portanto, eu acho que é essa discussão que tem que pautar a relação do governo com as Forças Armadas”, ressaltou.

O ex-presidente do PT disse ainda que “nós estamos falando hoje de uma tecnologia na área da internet, de tecnologia, por exemplo, do submarino com propulsão nuclear, tecnologia na área aeroespacial, que é o investimento principal das Forças Armadas, e não é só de acampamento, tentativa de golpe, urna eletrônica, se meter no ministério para praticar aquela tragédia dos 700 mil mortos por Covid, isso não é função das Forças Armadas”.

Lançamento de livro

A entrevista do Jornal PT Brasil tratou também do livro escrito por Genoino e pela professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Andrea Caldas, intitulado “Constituinte – avanços, herança e crises institucionais”.

A publicação será lançada pela Fundação Perseu Abramo na quinta-feira (11), com apoio da Fundação Lauro Campos Marielle Franco, no auditório da Fundação Escola de Sociologia e Política, em São Paulo. Haverá debate e participação dos autores.

Segundo adiantou Genoino durante a entrevista, a luta da esquerda na Constituinte para eliminar a ideia de “poder moderador” dos militares é um dos temas tratados no livro.

Da Redação

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast