Guedes quer trabalhadores pagando a conta da crise

Distanciado da realidade da maior parte da população, ministro da Economia insiste em flexibilização de direitos como forma de “formalizar” 38 milhões de cidadãos que lutam para sobreviver em meio ao descaso do governo. Número de pedidos de seguro-desemprego em maio bateu recorde histórico

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Posto Ipiranga quer institucionalizar o trabalho precário no país

Estava tudo combinado. Após a catástrofe da divulgação da reunião ministerial de 22 de abril, o primeiro escalão do governo Bolsonaro se reuniu nesta segunda (9) para dar uma prova de coesão e comedimento. Astro da companhia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi escalado para anunciar as boas novas e gerar agenda positiva. Bem que ele tentou, mas a verdade é que o distanciamento da realidade da grande maioria da população e propósitos inconfessáveis acabaram o traindo.

Guedes, que no princípio da crise do coronavírus brigou por um módico auxílio emergencial de R$ 200 aos trabalhadores informais, perdendo no voto no Congresso, avisou que a expansão do benefício se dará em duas parcelas de R$ 300, como queria o presidente, e não mais em três de R$ 200, valor que ele tornara a defender para a segunda fase do programa.

O “Posto Ipiranga” também afirmou que unificará o Bolsa Família e o auxílio emergencial em um novo programa de distribuição de renda, chamado Renda Brasil. Foi aí que começou a escorregar no próprio cinismo.

“Nós vamos começar agora uma aterrissagem com uma unificação de vários programas sociais e o lançamento de um Renda Brasil, que o presidente vai lançar porque aprendemos também durante essa crise que havia 38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho”, disse o ministro, sem detalhar como, em ano e meio no comando da economia, não conseguiu enxergar no altíssimo índice de informalidade do mercado de trabalho essas 38 milhões de almas.

Guedes prosseguiu tentando ressuscitar a Carteira Verde e Amarelo, prevista na Medida Provisória nº 905/2019, que promoveria uma dura minirreforma trabalhista e caducou em 20 de abril, quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, suspendeu a sessão que ocorreria para votá-la, por falta de acordo.

Transformada em Programa Verde e Amarelo para satisfazer Bolsonaro, que insiste na proposta, com algumas alterações até piores para os trabalhadores, a ideia agora é reapresentar o projeto ao Congresso, sob o velho pretexto de flexibilizar direitos trabalhistas para facilitar novas contratações.

“Há regimes onde têm muitos direitos e pouquíssimos empregos e há 40 milhões de brasileiros andando pelas ruas sem carteira assinada. Só que agora nós sabemos quem eles são e vamos formalizar esse pessoal todo”, prometeu Guedes, garantindo que, assim, o setor produtivo pode se preparar para retomar as atividades. “E depois [a economia] entra em fase de decolar novamente, atravessando as duas ondas [da pandemia e do desemprego]”, concluiu o ministro na transmissão ao vivo pela TV Brasil.

No dia seguinte à reunião, Guedes recuou da intenção de retirar R$ 83,9 milhões do orçamento para o Nordeste do Programa Bolsa Família– que ele quer mudar de nome – para expandir a publicidade oficial. O recuo foi uma forma de evitar suspeitas de irregularidade na operação, segundo integrantes da equipe econômica. Tudo pela “agenda positiva”.

Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Reprodução.

Cresce o desemprego

Também na terça, o Ministério da Economia apresentou o número de pedidos de seguro-desemprego em maio, que subiu 53% em comparação com o mesmo período de 2019. Foram registradas 960,3 mil solicitações no mês, um recorde na série histórica iniciada em 2000. Em maio de 2019, houve 627,8 mil pedidos.

O número de maio também é 28% maior que o de abril deste ano, quando foram registrados 748,5 mil pedidos. Em março, quando começaram as medidas de isolamento, os pedidos chegaram a 536,8 mil. E desde a segunda metade de março, os pedidos somam 1,9 milhão (aumento de 25% contra 2019).

O economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, disse à ‘Folha de S. Paulo’ que os dados estão defasados de um a dois meses em relação ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

“Ou seja, esse movimento observado em maio, dos dados de seguro-desemprego, é decorrente em sua maioria do que foi observado em março e abril”, explicou Imaizumi, que espera o fechamento líquido de quase dois milhões de postos formais de trabalho nos próximos dois meses.

Segundo o IBGE, o Brasil tinha 32,2 milhões de trabalhadores com carteira assinada no setor privado no trimestre encerrado em abril. Mas de janeiro a maio, o seguro-desemprego já havia sido pedido por 3,3 milhões de pessoas, alta de 12,4% em relação a mesmo período de 2019.

Nesta quarta (10), a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia anunciou que o Brasil atingiu 10,2 milhões de acordos entre empresas e empregados para reduzir jornada e salário ou suspender contratos durante a pandemia.

A jornada de trabalho e o salário do empregado podem ser reduzidos em 25%, 50% ou 70% por até 90 dias. Já a interrupção total do contrato é válida por 60 dias. Os trabalhadores afetados recebem compensação do governo, podendo chegar ao valor total do que ganhariam de seguro-desemprego se tivessem sido demitidos.

As regras foram definidas por meio da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril, editada por Bolsonaro. A vigência da MP chegou ao fim na semana passada, e agora o Senado está sob pressão de empresários e sindicatos para aprovar a ampliação do prazo do programa. Líderes da Casa querem acelerar a análise da proposta, e os líderes da oposição e do centro aceitaram votá-la nesta quarta. Mas a sessão foi transferida para a próxima terça (16)

“É reivindicação das centrais sindicais de que isso seja votado imediatamente, dado exatamente esse hiato de que já falaram aí os companheiros, em relação aos contratos e a essas questões levantadas na medida provisória”, disse o senador Paulo Rocha (PT-PA). Senadores ligados a centrais sindicais ainda tentam mudar algumas regras do programa.

Senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Paulo Paim (PT-RS). Foto: Alessandro Dantas.

 

OCDE prevê queda brutal da economia

As últimas perspectivas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam para uma queda de 6% da economia mundial em 2020, se tudo correr bem e a pandemia for controlada. Se houver uma segunda onda de contágios antes do final do ano, exigindo novas medidas de confinamento, a queda chegará a 7,6%.

Em 2021, a economia global voltará a cifras positivas, mas “a recuperação será lenta, e a crise terá efeitos de longa duração que afetarão de maneira desproporcional as pessoas mais vulneráveis”, advertiu nesta quarta (10) o organismo, que reúne economias desenvolvidas de todo o mundo.

Quando 2021 acabar, “a perda de rendimentos irá superar a de qualquer outra recessão dos últimos 100 anos fora dos períodos de guerra, com consequências nefastas para as pessoas, as empresas e os governos”, alertou a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, no prefácio das novas perspectivas econômicas mundiais, onde descreve um “caminho sobre a corda-bamba” para a recuperação global.

O comércio mundial, já enfraquecido pelas tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, registrará resultado negativo de -9,5% (até -11,4%, em caso de segunda onda da Covid-19) neste ano. O índice global de desemprego irá disparar até 9,2%, podendo superar 10% se houver um novo confinamento.

Para economias emergentes como a do Brasil, a perspectiva é de forte pressão sobre os sistemas de saúde e a redução dos preços das matérias-primas. A OCDE prevê que o Brasil terá uma queda de 7,4% no PIB, no melhor dos cenários, caso o país, que tem apresentado uma resposta errática à crise, seja atingido apenas por uma onda da Covid-19. No pior dos casos, com um duplo golpe do surto, a economia brasileira pode despencar até 9,1% em 2020.

Na segunda (8), o Banco Mundial já havia apontado, em seu relatório de perspectivas, grandes dificuldades para a América Latina como um todo, exatamente pelas quedas que as duas maiores economias da região, Brasil e México, irão sofrer. Para o Brasil, a projeção é de uma contração de 8%, e para o México, de 7,5%.

A queda média da América Latina será de 7,2% neste ano, dois pontos a mais que a média mundial. A recuperação também será mais lenta. “O coronavírus piorou drasticamente as condições econômicas da América Latina e do Caribe, que se encaminham para um declínio maior do que durante a crise financeira mundial [de 2008 e 2009]”, afirmam os técnicos do banco no relatório de perspectivas, no qual alertam para a “subnotificação” de contágios em algumas nações do bloco.

“O horizonte de curto prazo permanece sujeito a vários riscos significativos, incluindo o possível ressurgimento de uma onda de protestos sociais como a do ano passado, uma reação ainda mais adversa do mercado ao aumento da dívida pública ou uma maior incerteza sobre a recuperação do setor de serviços”, alerta o Banco.

Confiança cai junto com a prosperidade

“A confiança do brasileiro está diminuindo, assim como a prosperidade deles – ambos a uma velocidade impressionante”, observou Alexander Busch, correspondente no Brasil do jornal alemão ‘Handelsblatt’, em reportagem publicada nesta quarta (10).

“A economia do Brasil caiu do sexto para o décimo segundo em dez anos. Seis anos atrás, a renda média era quase um décimo acima da renda global média, mas deveria ser quase 20% menor até o final do ano, prevê a ‘Economist Intelligence Unit’”, enumerou o repórter, mencionando a 85ª posição do Brasil entre 192 países em termos de renda per capita.

“O declínio é particularmente flagrante em comparação com a China: a partir de 2016, a renda per capita (medida pelo poder de compra) era a mesma na China e no Brasil. Hoje está 30% abaixo dos chineses no Brasil”, prosseguiu o correspondente. “Este é um caso profundo – depois de uma ascensão meteórica antes. Lembrete: Há dez anos, o Brasil estava prestes a superar a França como a quinta maior economia do mundo. 30 milhões de brasileiros haviam subido para a classe média”, espantou-se.

Há seis anos, o Brasil alcançava a menor taxa de desemprego já registrada. Na média de 2014, ficaram sem trabalho 4,8% dos brasileiros pesquisados pelo IBGE em seis regiões metropolitanas do país (Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre). Havia sido o menor índice desde 2003, quando o instituto adotou nova metodologia de análise. Em 2013, o desemprego tinha sido de 5,4%.

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