Iole Ilíada: Grande força do PT foi ter surgido da base social
Iole Ilíada conta como o PT surgiu a partir do movimento sindical e com um formato completamente inovador, tornando-se uma referência para a esquerda
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No ensino médio, Iole Ilíada já era chamada de “petistinha” – e não achava isso ruim. No início da década de 1980, enquanto cursava o “colegial”, ela defendia ideias que nortearam a fundação do Partido dos Trabalhadores, mesmo sem participar formalmente do partido. Ilíada filiou-se apenas em 1985, quando participava do Sindicato dos Bancários.
“Para mim essa participação (sindical) era até mais importante do que a do movimento estudantil, apesar de eu já estar na universidade”, conta.
A grande força do PT, segundo ela, é que ele surgiu a partir de sua base social. Não era um partido de “quadros”, como outros partidos de esquerda da época. Ele surgiu da luta dos próprios trabalhadores por mais direitos, e daí se consolidou na luta institucional.
“O PT surge desse movimento vivo do próprio sindicalismo e dos conflitos mais agudos do processo de redemocratização”, diz ela.
Era um modelo novo de partido. “Pela primeira vez poderíamos ter um partido dos trabalhadores, tanto é que sua figura mais expressiva é e era um líder sindical. E não era o único”, diz ela.
Núcleos de base
Em 1979, o governo militar, enfraquecido, lançou uma lei que permitia a criação de novos partidos. O texto, porém, facilitava partidos que já possuíam parlamentares. Mas tornava quase impossível a criação de partidos do zero. Foi nesse contexto que o PT teve que coletar assinaturas para sua fundação.
“Teve um processo em que as lideranças foram às ruas, e naquela época tinha isso mesmo de bater na porta, pedindo e explicando para as pessoas aderirem. E nisso tem muito do que o partido vai se tornar depois”, explica.
Além dos sindicatos, grupos da igreja católica vinculados à teologia da libertação, as comunidades eclesiais de base, seriam muito importantes. A “velha” esquerda, que havia participado de organizações clandestinas na América Latina também teve um papel fundamental.
“Como fazer o partido funcionar dessa maneira? As formas encontradas foram inovadora partindo daquela concepção que tinha que dar voz, e criar mecanismos para que todas essas pessoas pudessem participar. E aí foram criados os núcleos”, explica Ilíada.
“Como fazer o partido funcionar dessa maneira? As formas encontradas foram inovadora partindo daquela concepção que tinha que dar voz, e criar mecanismos para que todas essas pessoas pudessem participar. E aí foram criados os núcleos”
“E como já tinha tido esse movimento de coleta de assinaturas, você já tinha alguém que tinha levado a ideia, e pessoas que tinham se interessado, nos locais de trabalho, nos bairros”, lembra.
Assim, a partir daqueles grupos que foram criados na coleta de assinaturas, foram formados os núcleos de base. Os núcleos foram empoderados, tomavam decisões, que eram passadas ao diretório zonal e assim por diante, de “baixo para cima”.
Desde a década de 1980, porém, há uma discussão sobre o esvaziamento desse núcleos. “Os núcleos vão se esvaziando quanto mais o partido vai conseguindo espaço no parlamento”, diz Ilíada. “Mas durante um período importante a ideia do núcleo foi fundamental para atrair gente e organizar as bases”.
Partido-movimento
“Na América Latina, na década de 2000, vários partidos com essa forma surgiram e se auto-denominaram partido-movimento”, diz. “Mas é interessante pensar que o PT na década de 1980 surgiu dessa maneira. Um pé na luta institucional, um pé nos movimentos sociais, e que foi lidando com essa multiplicidade de forma extremamente inovadora”, conta ela.
Ou seja, o PT, na década de 1980, já adotou um formato que muito anos depois ainda seria considerado inovador no resto da América Latina.
Essa multiplicidade a que se refere Ilíada está ligada ao direito de tendências, regulamentado em 1987, mas que, na prática, existe desde a criação do partido.
Com o fim da ditadura, muitas organizações que atuavam clandestinamente se incorporaram ao partido. No início, havia uma discussão sobre os chamados “duas camisas” – militantes que atuavam ao mesmo tempo pelo PT e pela sua organização anterior. Com o tempo, a ideia do PT prevaleceu, mas mesmo assim, mantiveram-se as divergências internas.
A solução foi a criação do direito de tendências, em 1987. A prática era inovadora entre partidos de esquerda tradicionais (soviéticos), mas também entre os partidos de direita.
“Hoje é comum ver uma insatisfação como se as divergências dentro do PT fossem frutos das tendências, quando é o contrário”, explica. “As tendências se constituem para dar voz de maneira democrática e organizada às divergências internas”, afirma.
O problema, segundo ela, é que hoje, se a pessoa não fizer parte de nenhuma tendência, ela tem dificuldade de ter voz dentro do partido.
Vocação internacional
Segundo Ilíada, o PT já nasceu com uma vocação internacional. Muitas das pessoas que participaram da formação do partido haviam sido exiladas na ditadura. E durante esse período, estiveram em organizações nesses países. Esse vínculo permaneceu quando elas regressaram ao Brasil e fundaram o PT.
Na década de 80, o mundo viveu um acirramento neoliberal e um fracasso das experiências socialistas com o fim da União Soviética. E o Brasil, com o PT, ia na contramão. “Foi uma época dura para a esquerda, porque com a crise do socialismo soviético também se enfraquece a social democracia”, diz. “E aí no Brasil você tinha esse fenômeno novo surgindo que era esse tal de Partido dos Trabalhadores, com uma forma completamente nova e que não se filiava internacionalmente a nenhuma corrente”, conta.
“Não éramos bolcheviques, nem social-democratas e, ao mesmo tempo, tínhamos essa simpatia e essa relação com esse vasto espectro da esquerda internacional.”
E o PT começou a se relacionar com partidos de todos os espectros da esquerda, da centro-esquerda, até a mais radical e revolucionária. Na revolução nicaraguense, o PT prestou solidariedade, e alguns petistas inclusive foram até lá ajudar a reconstruir o país. “Isso faz com que, lá de fora, se olhe para o PT como essa esperança de que a esquerda pode se reinventar”.
Até que, em 1990, foi criado o Foro de São Paulo, a partir de uma conversa informal entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o então presidente cubano Fidel Castro. Foi um fórum em que a esquerda latino-americana pôde se reunir para discutir como organizar a resistência ao crescimento do neoliberalismo.
E o PT não só foi fundador do fórum como também é responsável pela sua secretaria executiva. Hoje, a secretária de Relações Internacionais, Mônica Valente, é a atual secretária executiva do Foro. “Isso não é casual. Porque o PT é um ponto de equilíbrio”, diz. Isso porque participam do Foro uma gama muito ampla de partidos de esquerda latino-americanos, da esquerda revolucionária até a social democracia. E o PT acaba se colocando como um ponto comum entre tanta diversidade.
Na avaliação de Ilíada, essa solidariedade e respeito internacional que o PT sempre teve ao longo de sua história foi muito importante após o golpe. “Muitas vezes as notícias que chegam ao exterior foram colhidas aqui, nos meios locais. E no entanto, justamente por respeitar o partido e conhecer nossa militância, tivemos uma solidariedade geral de todas essas organizações, porque conhecem o PT e acreditam no PT, e sabem que isso não pode ser verdade”, diz.
Isso foi importante até para quebrar o bloqueio da imprensa internacional sobre o golpe. “Essa solidariedade é importante e dá a dimensão de quanto o PT é respeitado no exterior.”
Lula
Para Ilíada, Lula foi a melhor liderança que o PT foi capaz de produzir. “Ele é esse trabalhador operário forjado na luta sindical, ele é formado no enfrentamento sindical, vai adquirindo essa consciência de classe”, diz. “E isso em um momento em que o país está vivendo um processo de democratização, então a luta contra a ditadura se intensifica.”
E ao mesmo tempo, ele possui uma inteligência e uma perspicácia, explica Ilíada, que são características inatas, “que você não fabrica”. “É uma inteligência política incomum, uma capacidade de se comunicar com o outro, de gerar empatia, que chamamos de carisma”.
Ela afirma que a eleição de 1989 foi simbólica. Lula foi ao segundo turno e ganhou por uma diferença pequena de votos. Anos depois, o próprio José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, declarou que o debate foi manipulado para favorecer Fernando Collor, que acabou ganhando as eleições.
E depois, quando foi eleito, segundo Ilíada, Lula fez o melhor governo que o país já teve. “Não na opinião dos petistas, mas dos próprios brasileiros”, diz. “Ele faz a sucessora e se constitui como uma das principais lideranças da esquerda do mundo”, explica. Ilíada conta que Lula tornou-se um líder admirado em vários países da África e da América Latina.
E agora, a direita precisa destruir a imagem do Lula. “O cenário que se desenhava era Dilma em 2014 e Lula em 2018”, afirma. “A direita pensou: temos que tirar a Dilma, destruir esse partido e principalmente destruir a figura desse homem. É uma campanha covarde, que seria até cômica se não fosse trágica”.
6º Congresso
Ilíiada afirma estar otimista sobre o 6º Congresso Nacional após toda a mobilização popular dos últimos meses (como a greve geral). “O PT sempre foi permeável a tudo isso, de fora para dentro. Eu estou mais otimista de que o Congresso vai servir para fazer esse debate estratégico, programático, corrigir desvios desse último período e recuperar essa ideia de que nossa principal tarefa é ser ferramenta da luta da classe trabalhadora”, explica.
“É natural que nesse debate, aqueles que são maioria pensem em como vão permanecer assim e o contrário (dos que são minoria)”, diz.
“Mas eu estava preocupada que Congresso não discutisse as questões centrais, fundamentais, programáticas, estratégicas, discutir, ouvir ao outro e aprovar algo que represente essa síntese e que seja efetivamente aplicado”. “Algo que represente uma política para enfrentar o período e que todo mundo saia convencido e a implemente”, conclui.
Da Redação Agência PT de Notícias