João Brant: Fraudes da Lei Rouanet, como ir além do Fla-Flu

Ex-secretário executivo do Minc esclarece operação da PF desta semana e diz ser fundamental evitar leituras erradas em relação a Lei Rouanet

(foto: reprodução)

Esta semana a Lei Rouanet voltou a frequentar as páginas de notícias, desta vez as páginas policiais. A operação da Polícia Federal que prendeu o dono do grupo Bellini Cultural gerou enorme repercussão, e quase todos os veículos aderiram ao tom espetacular promovido pelo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, na coletiva de imprensa.

Ótima a notícia de que prenderam fraudadores, péssima a abordagem e as leituras que se depreendem dela. Prevaleceu a narrativa de que o MinC falhou na fiscalização, mas graças à Polícia Federal foi possível identificar os criminosos. Simplesmente não foi isso que aconteceu. A Polícia Federal foi acionada justamente por conta de uma investigação que começou em 2011 e envolveu o Ministério da Cultura, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal.

Os indícios de fraude fizeram com o que, em 2013, o MinC inabilitasse de forma cautelar a empresa alvo da operação da PF, congelando os projetos em execução e impedindo novos projetos. Houve a partir daí reprovações de contas que geraram processos junto ao TCU, pleiteando a devolução de recursos públicos. O mérito dessa ação não é apenas de uma ou outra gestão, mas de servidores do ministério que cumpriram com zelo o que se espera deles: atenção ao uso de recursos públicos e diligência para agir no caso de irregularidades.

Contar essa história direito é fundamental para não reforçar leituras falsas sobre a Lei Rouanet que se vulgarizaram no último período: a de que fraudes são a regra e de que ela serve a uso político. Fraudes são exceção à regra. O incentivo fiscal é parte fundamental da sustentação das produções culturais hoje, desde espetáculos de teatro até restauros de patrimônio tombado. Falar em uso político da lei é, na melhor das hipóteses, uma enorme ignorância. Basta os interessados verem a lista de maiores doadores e maiores captadores para perceber que essa leitura não passa de preconceito barato e infundado.

A polêmica sobre a Rouanet não ajuda a fazer o debate sobre seus reais problemas. O fato de o fomento federal estar concentrado num mecanismo de incentivo fiscal faz com que a definição do uso de recursos públicos para fomento à cultura se concentre em empresas privadas, interessadas nas suas estratégias de marketing, sem alavancagem relevante – desde 1997, a participação do investimento privado em cultura via lei Rouanet só diminui, tendo chegado a menos de 5% em 2015.

Gera também concentração regional: toda captação do Norte e Nordeste desde 1993 é equivalente ao que a Região Sudeste captou apenas em 2015. E gera um enorme ônus operacional para o próprio Ministério, que cuida da admissibilidade, acompanhamento e prestação de contas dos projetos. É verdade que faltam condições operacionais para o acompanhamento e fiscalização de todos os projetos.

É hora de largar as falsas polêmicas e focar o debate na busca de soluções para fortalecer o fomento à cultura e o acesso dos cidadãos às produções financiadas com recursos públicos. Quem se interessa pelo tema pode acessar apresentação com mais dados ou as contribuições apresentadas pelo Ministério da Cultura, no início de maio, para o projeto de lei do Procultura, que pretende aprimorar o incentivo fiscal e ampliar outros mecanismos de fomento direto, como o Fundo Nacional de Cultura.

*Artigo inicialmente publicado no Blog do Sakamoto

João Brant foi secretário executivo do Ministério da Cultura na gestão Juca Ferreira (2015-2016)

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