‘Libération’: atrás do desastre no país, a sombra de Bolsonaro
Em reportagem publicada na quinta-feira (15), o diário francês destaca que “o populismo de direita de Bolsonaro” arruinou o combate à pandemia. “358 mil mortes depois, é tarde demais: o Brasil se tornou um pária”
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A tragédia no Brasil tem um sobrenome: Bolsonaro. A maior crise sanitária da história do país e que já matou mais de 365 mil brasileiros ganhou a manchete do tradicional jornal francês Libération, nesta quinta-feira (15). O diário aborda o drama do aumento de casos e mortes por Covid-19 na maior nação da América do Sul e o papel de Bolsonaro na devastação causada pela doença no país. Além de ampla reportagem sobre o assunto, o diário também publicou um editorial, no qual responsabiliza Bolsonaro diretamente pela catástrofe na saúde, e uma entrevista com o neurocientista Miguel Nicolelis.
“Por trás do desastre nacional no Brasil, está um homem, o presidente eleito Jair Bolsonaro, personificação extrema do populismo de direita que relativizou a pandemia, ridicularizou pessoas com máscara e duvidou da urgência da vacinação”, diz o texto do editorial assinado pelo diretor de redação do Libération, Dov Alfon. “358 mil mortes depois, é tarde demais: o Brasil se tornou um pária em nível global”. Alfon ainda classificou Bolsonaro como um “irresponsável”.
O articulista lembra que não foi sem motivo que o primeiro-ministro francês Jean Castex proibiu voos entre França e Brasil. Fiando-se na análise de Nicolelis, ele considera que a medida pode não ser suficiente. “O Brasil não é mais apenas uma ameaça aos brasileiros: tornou-se um problema para toda a comunidade internacional”, definiu o neurocientista.
Ataque a vacinas
Na reportagem de quatro páginas que estampa a capa do diário francês, há o relato dos ataques de Bolsonaro à vacinação. O líder de extrema direita só mudou sua posição depois que o ex-presidente Lula voltou à cena politica após a anulação de suas condenações. “Ele finalmente resolveu assinar com os grandes laboratórios, mas o abastecimento não está garantido para todos”, informa a matéria. “Pelo menos, enquanto os Estados Unidos não vacinarem sua população, admite Marcelo Queiroga, o quarto ministro da Saúde em um ano”.
O Libération aponta para o agravamento da crise, com o crescimento em espiral triplicando as mortes no país em apenas algumas semanas. “Até o final de abril, teremos 5 mil mortes por dia”, prevê o professor da Universidade de São Paulo Domingos Alves, em depoimento ao jornal.
Colapso da saúde
Do mesmo modo, a Fiocruz relata ao diário que o colapso do sistema de saúde no país é inédito. Em 18 dos 27 estados do país, a taxa de ocupação das unidades de terapia intensiva é superior a 90%. Todos os dias, dezenas de pacientes morrem enquanto esperam por um leito de UTI.
A reportagem descreve ainda que, no atual estágio da pandemia, abrir novos leitos não é mais solução. “Quase não há mais médicos de terapia intensiva e os estoques de oxigênio e medicamentos estão se esgotando”, reporta o Libération.
Nova variante e lockdown
A falta de coordenação nacional do governo federal no enfrentamento do surto criou um cenário perfeito para a proliferação de novas variantes do vírus, mais infecciosas e letais. “Avalia-se que a taxa de contágio [da variante P1] é até 2,2 vezes maior do que a cepa original. Os cuidadores também dizem que é mais agressivo: hoje, quase 53% dos pacientes em terapia intensiva têm menos de 40 anos”, informa o diário.
Nicolelis e demais especialistas são unânimes em afirmar que só um lockdown nacional será capaz de frear o surto a diminuir os óbitos. “Estou convencido de que o confinamento de cerca de trinta dias é viável no Brasil, deixando em aberto apenas o que é realmente essencial, com a condição de dar um apoio financeiro real e massivo a todos os brasileiros”, avaliou Nicolelis.
“Em trinta dias, já seria possível haver uma redução drástica no número de casos”, disse o cientista, citando casos de cidades no Nordeste que adotaram a medida com sucesso.
“Se nada for feito, teremos longas e dramáticas semanas pela frente. Diversos estudos convergem para a marca de 500 mil mortes que deve ser alcançada até julho”, advertiu Nicolelis.
Da Redação, com Libération