Maio das Trabalhadoras | O que querem as mulheres do setor têxtil?
Elas não conseguem ir ao banheiro quando têm vontade, lugar pra guardar a própria marmita, têm que almoçar na calçada e salário desvalorizado. Conversamos sobre as demandas da categoria com Cida Trajano, diretora do Sindicato das Costureiras do ABC
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O salário é baixo e o trabalho é árduo. Para conseguir uma renda minimamente digna, elas contam com o “prêmio de produção” que as faz trabalhar até o limite do esgotamento físico e mental, muitas vezes sem estrutura de maquinário. Para piorar, ainda há a prática da “chapinha”, em que é preciso pedir permissão para ir ao banheiro e só pode ir quando outra trabalhadora voltar.
Este é o Especial “Pelo que lutam as trabalhadoras”, iniciativa do projeto Elas Por Elas para a semana que celebra o 1 de maio, dia do trabalho. Diante dos desafios contemporâneos, conversamos com mulheres dirigentes de diversas categorias para difundir e compartilhar as demandas específicas das mulheres da classe trabalhadora.
Cida Trajano é diretora do Sindicato das Costureiras do ABC e presidenta da Confederação Nacional do Vestuário (que engloba os setores de couro, calçados, têxtil e confecções). Militante do movimento sindical há trinta anos, ela foi presidenta do Sindicato e coordenadora da CUT ABC de 2001 a 2006. Lutadora pelo direito das mulheres, ela foi a primeira secretária da Mulher Trabalhadora da CUT SP. Atualmente, também integra a Executiva da CUT Nacional.
Elas têm que obedecer ordem para ir ao banheiro. É a prática da “chapinha”, em que a mulher, mesmo querendo ir ao banheiro, tem que esperar a outra chegar.
1) Quais são as principais reivindicações das mulheres que são do setor vestuário ( têxtil, calçados, couro e confecção)?
Infelizmente, as trabalhadoras começam como costureira e ficam 10, 15, 20 anos com o mesmo salário fazendo com que desistam da profissão. Por isso, valorização salarial, plano de carreira e condições decentes de trabalho estão no topo das nossas demandas.
Estamos vivendo uma inflação alta e muito desemprego. E quando há desemprego, fica difícil nas negociações coletivas. Os patrões ameaçam demissões. Eles dizem “se apertar, a gente demite e sai daqui”, tanto empresas grandes quanto pequenas. Os dirigentes sindicais estão firmes e fortes e indo para cima das empresas.
Além disso, reconhecimento de atestados médicos, principalmente quando levam os filhos, ou os acompanham em internação, nem sempre as empresas reconhecem. E ser reconhecida a questão da sua ocupação profissional. Infelizmente, as trabalhadoras sempre começam em uma profissão e, dificilmente, tem a oportunidade dentro da própria empresa a ocupar outros espaços, mesmo tendo mais escolaridade.
Há também reivindicações de auxílio- estudante e ter direito de sair mais cedo em caso de prova. Questão de melhoria nos locais de trabalho, quando se trata das cadeiras ergométricas, maquinários velhos que acabam fazendo o trabalho mais dolorido. A maioria trabalha por prêmio de produção, elas adoecem muito, porque o salário é muito baixo. Elas mudam muito de setor e de localidade.
2) Quais as principais dificuldades de ser mulher dentro da categoria? (situações que acontecem no local de trabalho, específicas do setor)
É muito mais dolorido. Elas sofrem assédio moral e sexual o tempo todo, a falta de respeito, discriminação. Dificilmente, tem oportunidade para assumir outra função com salário melhor. E quando assumem a nova função, os patrões não respeitam a lei que garante remuneração adequada.
Elas têm que obedecer ordem para ir ao banheiro: a prática da “chapinha”, em que a mulher, mesmo querendo ir ao banheiro, tem que esperar a outra chegar.
As empresas pequenas são as mais difíceis, porque não têm um bom suporte. As trabalhadoras almoçam no meio-fio da rua porque não tem espaço no local de trabalho. Na maioria das empresas, elas não têm espaço sequer para descansar ou guardar a marmita que trazem de casa.
3) Quais são as perspectivas de organização e conquistas para 2022 e no próximo período?
Estamos nos preparando porque não temos outra saída que não seja mudar o rumo do país. A classe trabalhadora não tem outra saída, as empresas estão deitando e rolando. Depois da Reforma Trabalhista, elas mandam entrar na Justiça, porque sabem das dificuldades. A nossa perspectiva é: temos que mudar esse governo para que a gente possa voltar a sonhar e reconquistar direitos que nos foram retirados.
Sobre o Especial Maio das Trabalhadoras
Esta matéria faz parte do Especial 1 de maio, “Pelo que lutam as mulheres trabalhadoras”. Nele, conversamos com metalúrgicas, domésticas, têxteis, pescadoras, quebradeiras de coco, enfermeiras, servidoras, professoras e diversas outras categorias para repercutir as pautas das mulheres nas mais diversas trincheiras do mundo do trabalho atualmente. Acesse aqui a tag e confira todas as matérias.
Ao longo da semana, publicamos duas entrevistas por dia com o objetivo de dar visibilidade não só para as demandas específicas das trabalhadoras de cada setor, mas também contar uma breve história de militância de cada uma das companheiras que atuam em defesa dos direitos de sua categoria.
E, claro, mais do que nunca, dar espaço para que elas contem o que esperam de 2022 e das perspectivas de reconstrução de um país em que ainda é possível sonhar e concretizar um mundo mais justo e solidário.
Ana Clara Ferrari e Dandara Maria Barbosa, Agência Todas