Margarida Salomão: Outra opinião

A aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados ocorreu com tamanho número de equívocos que mais se assemelha a um jogo dos sete erros. Seja qual for…

A aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados ocorreu com tamanho número de equívocos que mais se assemelha a um jogo dos sete erros. Seja qual for o ponto de vista, escancaram-se incorreções nos argumentos levados e nas alternativas formais adotadas. Contudo, cabe lembrar que a vida real não é um passatempo de jornal Os impactos da aprovação da medida são profundos e exigem reflexão, até para que as impropriedades não se repitam nas votações de segundo turno.

A proposta nada mais é do que um atentado ao processo civilizatório. A iniciativa deverá estimular o recrudescimento da criminalidade, em vez de proporcionar qualquer baixa nos números da violência. Cabe lembrar que apenas 1% dos assassinatos cometidos no Brasil têm como autores adolescentes entre 16 el8 anos; entre os jovens reclusos, 51% não frequentaram escola e 66% são de famílias que vivem na extrema pobreza.

Reduzir a maioridade para 16 anos vai jogar mais de 20 mil adolescentes em presídios. Unidades que ainda serão construídas, pois a proposta exige que esses jovens não sejam encarcerados junto com presos maiores de 18 anos. Isso tudo vai contribuir para o colapso do sistema prisional brasileiro, com déficit superior a 220 mil vagas.

A proposta transgride a Constituição e fere a cláusula pétrea que impede a deposição de qualquer direito social assegurado pela Carta. Além disso, infringe o princípio da igualdade ao definir, de modo seletivo, critérios distintos para a maioridade penal. Não é sem propósito que a OAB já antecipa o ajuizamento de uma ação de inconstitucionalidade no STF.

É necessário, ainda, registrar a instituição de uma fraude dentro da fraude, observada na apresentação da emenda aglutinativa aprovada. Diferentemente do texto derrotado, este pretendia fazer com que a medida não abrangesse os crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes. Contudo, insiste em recobrir os crimes hediondos, entre os quais se situam os delitos pelo comércio de drogas. Deste modo, a lei apreciada na quarta é rigorosamente a mesma votada no dia anterior – algo não permitido pelo regimento da Câmara.

Cabe ressaltar o profundo equívoco na forma como pesquisas de opinião têm sido utilizadas para justificar a discussão em curso. Aquela maioria apurada não constitui autoridade capaz de legislar e eliminar direitos, principalmente da juventude. Agindo desta forma, derrubamos a República e inauguramos um regime de opressão.

Sabemos que o Estado brasileiro, em todas as suas instâncias, deixa a desejar quanto à segurança. Tal realidade, contudo, não autoriza o avanço do desbragado populismo penal, que hoje toma como palco a Câmara, e que tem sido precedido pela espetacularização da violência pela mídia. Práticas corretas e racionais são condições necessárias para que o tema tenha a devida apreciação no Congresso, em respeito aos jovens afetados pela medida e aos brasileiros e brasileiras, que devemos representar no Parlamento.

(Artigo originalmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 6 de julho de 2015)

Margarida Salomão é deputada federal pelo PT-MG

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