Morte de nove jovens em Paraisópolis ocorreu após um mês de ameaças da PM de SP

Após homicídio de sargento, comando da PM ordenou operação na favela “sem previsão de término”, com abusos e ameaças

Reprodução Facebook

Imagem postada no Facebook com que o comando da PM anunciou início de operações em Paraisópolis

A ação da Polícia Militar que terminou com nove jovens mortos na madrugada deste domingo (1) na favela de Paraisópolis, na zona sul da cidade de São Paulo, deixou os moradores chocados, mas não chegou a ser uma surpresa. Conforme relatos de mais de uma dezena de moradores ouvidos pela Ponte, as mortes ocorreram após um mês em que policiais militares fizeram ameaças diárias aos habitantes da favela, por conta da morte do sargento da PM Ronald Ruas Silva, ocorrida em 1º de novembro de 2019.

Ruas, de 52 anos, morreu após ser baleado na barriga durante uma troca de tiros na avenida Professor Alcebíades Delamare, nas imediações de Paraisópolis. No dia seguinte, sem mencionar a morte do sargento, o comandante geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, postou nas redes sociais que a comunidade seria alvo de “uma Operação Saturação”, como são chamadas ações com a presença massiva de policiais. No comunicado, Salles dizia que “centenas de policiais militares” de diferentes unidades intensificariam o policiamento no bairro, “sem previsão de término”.

Desde então, as operações da PM no local passaram a ser diárias, com bloqueios de ruas, revistas de pessoas, entradas em casas e comércios, além de ameaças. “Vamos tocar o terror em Paraisópolis” passou a ser um refrão usado por muitos deles, segundo falas dos moradores.

O músico Marcos Forlan, o MC Sacana, conta que foi abordado por dois policiais, há duas semanas, quando entrava num supermercado de camiseta e chinelo. “Eles perguntaram o que eu fazia e eu fui falando. Quando eu falei que era ator e MC, eles já me ameaçaram naquele tom: ‘MC também morre de vez em quando’”, conta. Segundo o músico, os policiais deixavam claro que sua atitude era uma vingança contra a favela por causa da morte do colega. “A polícia é assim: quando morre um policial, a polícia toda para para resolver isso, mas quando morre um favelado, nem liga.”

A reportagem da Ponte esteve em Paraisópolis em 10 de novembro e ouviu diversos relatos de ameaças e agressões feitas por policiais. Um morador entregou um vídeo de uma das abordagens feitas neste período, que mostra pelo menos quatro PMs agredindo uma pessoa em plena rua até serem contidos por um oficial.

As operações violentas da Polícia Militar fazem parte da história de Paraisópolis, segunda maior favela da capital paulista, geralmente como um “revide” por conta de alguma violência praticada contra a corporação. Em 2009, após três policiais terem sido baleados num tumulto, a PM deu início a uma Operação Saturação que durou 82 dias e deixou relatos de práticas de tortura feitas até em crianças e idosos, segundo O Estado de S.Paulo.

Quando a PM Juliane dos Santos Duarte foi sequestrada, torturada e morta por membro do PCC (Primeiro Comando da Capital), em agosto de 2018, policiais também foram denunciados por abusos, inclusive o de “apontar uma arma para a cabeça de uma menina negra” sem justificativa, segundo a União dos Moradores da Favela do Jardim Colombo.

A violência nas operações contra os bailes funk também é constante. A Ponte relatou em duas ocasiões a história da estudante Dayane de Oliveira, que, em janeiro de 2013, aos 17 anos, perdeu um olho ao ser atingido por um estilhaço de bomba, lançado pela PM durante uma operação contra os pancadões do bairro. Sem amparo do Estado e vítima de depressão por conta da perda do olho, Dayane tornou-se moradora de rua.

Outro lado

 

Procurada, a PM afirma que “faz rondas diárias na região da ocorrência para aumentar a sensação de segurança da população e como medida de prevenção às práticas criminosas” e que “a Corregedoria da Polícia Militar está à disposição para receber denúncias em caso de atuação imprópria dos policiais militares”.

Em coletiva de imprensa neste domingo, o porta-voz da PM Emerson Massera negou que a ação policial que terminou com a morte de nove jovens pisoteados tenha relação com operações anteriores. Segundo o porta-voz, quatro policiais da Rocam (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas) estavam em patrulhamento pela área e abordaram dois homens numa motocicleta, que teriam atirado contra eles. Os homens teriam entrado atirando no baile funk, segundo a versão policial, e provocado o pânico que levou às mortes. Já moradores dizem que foram encurralados pelas bombas da polícia nas vielas de Paraisópolis.

Por Brasil de Fato

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