Negras e negros do PT-SP: Manifesto ao 6º Congresso do PT

Não existem dúvidas que a plataforma econômica e política daqueles que dirigem o governo ilegítimo é absolutamente anti povo e prejudicial aos negros

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Tribuna de Debates do PT

Marcha de Mulheres Negras

Fazemos o debate acerca da realização dos nossos congressos estaduais e nacional em uma conjuntura onde o PT e a nossa principal liderança, o ex-presidente Lula, sofrem um acirrado ataque das forças conservadoras, inquestionavelmente visando interditar a possibilidade do nosso partido voltar ao poder em 2018. O golpe de Estado contra a presidenta Dilma e o povo brasileiro que a elegeu foi levado a efeito, resultado de um “consórcio do mal” que reuniu o capital financeiro internacional, os meios de comunicação, parte do grande capital nativo, a grande maioria do Poder Judiciário, segmentos religiosos de cunho fundamentalista, extratos da classe média branca abertamente manipulada pela mídia em seus ódios de raça/classe e os políticos profissionais mais reacionários, atrasados e corruptos do País.

Os golpistas explicitam de maneira cada vez mais transparente que um dos seus principais objetivos é revogar todas as conquistas que os trabalhadores e a população historicamente marginalizada obtiveram desde o final da ditadura civil/militar, na década de 1980 e, em especial os significativos avanços sociais que obtivemos ao longo dos governos Lula e Dilma.

Não existem dúvidas que a plataforma econômica e política – derrotada em quatro eleições sucessivas – daqueles que dirigem o governo ilegítimo é absolutamente anti povo, portanto prejudicial aos negros, ampla maioria dos excluídos, beneficiada com os programas sociais das administrações petistas. Todavia, para além desse projeto amplo, que atinge a todos os pobres independentemente de sua etnia, existe um segundo elemento que faz com que os golpistas mirem a população negra como o principal alvo dos direitos e conquistas que pretendem suprimir. Quem assaltou o poder em 2016 são legítimos representantes das velhas oligarquias, herdeiras, beneficiárias e saudosas do escravismo, profundamente incomodadas com a ascensão econômica de homens e mulheres negros na última década, que passaram a ocupar espaços que aquelas elites consideram legítimos privilégios seus.

É da natureza, portanto, do “condomínio do mal” que hoje dirige o país, o ataque às históricas (ainda que insuficientes) conquistas obtidas por nós, negros, durante os governos Lula/Dilma. Faz parte dessa lógica o ataque a Lei 10.639, a Lei de Cotas, a titulação de terras quilombolas, ao PROUNI, ao Fiés, ao Bolsa Família, ao Minha Casa Minha Vida, a leniência com as agressões inconstitucionais às religiões de matriz africana e o aumento da criminalização das manifestações culturais, sociais e políticas da juventude negra, assim como o seu encarceramento em massa e o extermínio por parte das forças de repressão, em obsceno conluio com o crime organizado.

Não existe, portanto, outra forma de rompermos esse cerco e o acelerado retrocesso que estamos vivendo na nossa sociedade a não ser através de uma ampla unidade dos movimentos sociais que a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo e a Convergências da Luta de Combate ao Racismo no Brasil, a Convergência Negra são os exemplos mais exitosos e acertados. No interior do nosso partido mais do que nunca, a conjuntura exige que as direções partidárias, nossos companheiros e companheiras no Parlamento, nossos governos estaduais e municipais e a militância como um todo se convençam que a atuação política a partir do olhar raça e classe é absolutamente pertinente em todos os momentos da história do nosso país e imprescindível na conjuntura atual.

O Partido dos Trabalhadores, na sua totalidade, precisa compreender que a esmagadora maioria da classe trabalhadora no Brasil é negra e a totalidade da classe dominante é branca. Portanto, a luta de classes rumo à conquista de uma sociedade igualitária só será possível se essa singularidade for levada em conta e as políticas desenvolvidas pelo PT, a maneira como se relaciona com a população organizada e não organizada e as demandas presentes no seu programa político estejam sempre balizadas a partir dessa condicionante. Nossos inimigos tem isso muito claro, por isso seus ataques focam a classe trabalhadora como um todo e homens e mulheres negras em especial. É fundamental, portanto, que todos nós – petistas negros ou não negros- tenham essa compreensão e atuemos a partir desse ponto de vista.

As propostas, que hora apresentamos para serem debatidas no congresso estadual e nacional do Partido dos Trabalhadores, partem desse entendimento e da certeza que a luta contra a discriminação e pela promoção da igualdade racial é tarefa prioritária do partido que mais legitimidade possui para representar um povo multiétnico composto – segundo dados do IBGE – por mais de 53% de homens e mulheres auto declarados negros.

O PT precisa atualizar sua missão política

Os negros e negras do Partido dos Trabalhadores do estado de São Paulo vem ao 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores celebrar as vitórias das forças populares e resistir a todo e qualquer retrocesso político, organizativo ou programático. Viemos defender que as bases da construção política da esquerda contemporânea, construídas nas últimas décadas, por mais de uma geração de militantes dos setores populares, reafirmando o pacto entre os subalternizados forjado desde pelo menos 1978. O acúmulo histórico de concertação entre os setores subalternizados do Sul Global e seu legado deve ser defendido e aprofundado. De nossa parte, dizemos no cenário da crise é preciso ser radical e ir além. Mais do que consolidar as conquistas das cotas na direção para negras e negros, precisamos de uma agenda que aprofundo o combate ao racismo, à discriminação e ao genocídio do povo negro.

Uma crise caracteriza-se pela abertura da estrutura social e política, é quando todas as possibilidades estão à mesa, assim como antigos fantasmas retornam, e até pactos sólidos podem estar em suspenso. Acreditamos que qualquer questionamento de nossos avanços só é possível em um cenário de crise cujo protagonismo pertence aos nossos inimigos, criando uma tendência retrógrada e conservadora que contamina até os corações mais vermelhos. Neste estado de coisas, o papel do Partido dos Trabalhadores não pode cogitar dar passo atrás, nem de questionar nossas conquistas basilares, a hora é de almejar o impossível.

No amálgama dos movimentos pela redemocratização, buscamos sempre superar os possíveis essencialismos dos variados setores que no PT buscavam um caminho estratégico para a transformação da sociedade. O que nos destacou como potência transformadora foi que a política que produzimos enquanto sujeitos subalternizados contou com a emergência de lideranças que apresentavam perfis diversificados para edificar uma imagem de partido comprometido com “os de abaixo”, de norte a sul, do interior às capitais. Foi essa concertação deu vazão à sofisticação de ações como o Bolsa Família, expansão das Universidade, políticas de combate à seca e à fome, as Cotas/ProUni etc.

Como efeito disso, nós mudamos a estrutura social do Brasil e consolidamos uma maioria social e política. Novos anseios econômicos e simbólicos passaram a motivar os estratos sociais que tiveram a primeira geração familiar acessando a universidade e os direitos trabalhistas. Tudo isso impulsionou uma nova agenda política que mescla raça, classe, gênero e questões identitárias, impossível de ser atendida pela política conservadora do país. E agora, além de carteira assinada e diploma universitário, toda essa gente quer também fazer política.

Quando dizemos que temos que ir na raiz e ir além queremos dizer que temos que reconhecer as bases da opressão sofrida por negras e negros no Brasil é anterior ao desenvolvimento capitalista, e mesmo com o desenvolvimento da economia, o racismo pode permanecer e até mesmo tornar-se mais violento. É reconhecer que o patriarcado é anterior ao capitalismo e resistiu às experiências socialistas até agora conhecidas, e que estas experiências produziram as mesmas formas de racialização com grupos étnicos e de outros matizes (exemplo, a perseguição aos homessexuais na URSS).

Dizemos que temos que ir na raiz e ir além porque acreditamos que é a luta partidária que permite que orquestremos todas estas complexidades na ação concreta. Mas não é o partido do gabinete e nem o partido dos quadros iluminados. É o Partido cujos membros vieram do povo e com o povo estão. O povo em toda a sua diversidade, que nunca pode ser reificado, nem essencializado, nem assujeitado.

Nossa tarefa para este 6º Congresso é atualizar esta missão frente ao novo contexto e visualizar os novos desafios. Não se trata simplesmente de debater cotas na direção. Trata-se de construir uma agenda de ações, debates, eventos, intervenções e colaboração com os setores de que nos propomos a ser sua frente política e não apenas seus representantes frios e formais.

Por Secretaria de Combate ao Racismo do Diretório Estadual do PT-SP, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar. 

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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