No G20, Lula prega a paz e condena o protecionismo e a “destruição ambiental”

Presidente abriu, nesta quarta-feira (13), Reunião Conjunta das Trilhas de Sherpas e de Finanças do grupo das maiores economias do mundo

Ricardo Stuckert

O presidente Lula participou da abertura da Sessão Conjunta das Trilhas de Sherpas e de Finanças do G20, no Itamaraty

O presidente Lula abriu, nesta quarta-feira (13), no Palácio Itamaraty, em Brasília, a Reunião Conjunta das Trilhas de Sherpas e de Finanças do G20 – grupo das maiores economias do mundo, presidido pelo Brasil desde o dia 1º. Ele afirmou que “2024 será um ano de grandes desafios” e condenou o recrudescimento dos conflitos, a crescente fragmentação do mundo, a formação de blocos protecionistas e a destruição ambiental. Segundo alertou, as consequências são “imprevisíveis para a estabilidade geopolítica”.

A reunião tem o objetivo de alinhar os temas que serão discutidos durante a presidência brasileira do G20. A Trilha de Sherpas trata das negociações e da agenda, que inclui uma série de reuniões preparatórias e a Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo que será realizada em novembro de 2024, no Rio de Janeiro, quando se encerrará o mandato do Brasil. Já a Trilha de Finanças reúne ministros da área econômica e presidentes dos bancos centrais. A reunião conjunta entre as duas trilhas é uma das inovações da presidência brasileira.

Além de Lula, participam da reunião o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, o assessor especial do presidente da República, embaixador Celso Amorim, a embaixadora Tatiana Rosito, que coordena a Trilha de Finanças, e a diretora do Banco Central Fernanda Guardado, co-coordenadora da Trilha de Finanças.

Durante o encontro, Lula detalhou os três pilares do mandato do Brasil à frente do grupo: Inclusão social e o combate à fome e à pobreza; promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões social, econômica e ambiental e as transições energéticas; e reforma das instituições de governança global.

Quanto ao primeiro pilar, o presidente afirmou ser “inadmissível que um mundo capaz de gerar riquezas da ordem de 100 trilhões de dólares por ano conviva com a fome de mais de 735 milhões de pessoas e a pobreza de mais de 8% da população”.

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Lula alertou que as desigualdades estão na raiz dos problemas enfrentados pelo mundo e contribuem para agravá-los. Ele disse ser preciso uma nova globalização que combata as disparidades.

O presidente afirmou que, para fazer frente a esse problema, foi criada a Força-Tarefa contra a Fome e a Pobreza. “Vamos propor uma Aliança Global com três pilares: um pilar de compromissos nacionais, que impulsionará um conjunto de políticas públicas de efetividade já testada; um pilar financeiro, que mobilizará recursos internos e externos para o financiamento dessas políticas; e um pilar de apoio técnico, que difundirá boas práticas e incentivará a cooperação sul-sul”, explicou.

Bem-estar e sustentabilidade

Em relação ao segundo pilar, Lula disse que o objetivo é garantir que as profundas transformações vividas pelo mundo resultem em bem-estar social, prosperidade econômica e sustentabilidade ambiental para todos. O presidente voltou a cobrar uma mudança de postura das potências mundiais frente a crise climática.

“A descarbonização da economia global e a revolução digital são processos que mudarão o planeta. O G20 é responsável por três quartos das emissões globais de gases do efeito estufa. Os membros de renda alta do grupo emitem, anualmente, doze toneladas de gás carbônico per capita, enquanto os de renda média emitem metade desse volume. O planeta não suportará um aumento da temperatura global superior a um grau e meio”, ressaltou.

Segundo Lula, o G20 será essencial para que, na COP30, em Belém, em 2025, sejam adotadas contribuições nacionalmente determinadas mais ambiciosas, acompanhadas dos meios de implementação adequados. “Por isso, criamos uma Força-Tarefa para a Mobilização contra a Mudança do Clima. Seu foco será a promoção de planos nacionais de transformação ecológica, que levem em conta o impacto do aquecimento global sobre os mais vulneráveis”, detalhou.

Ao afirmar que a bioeconomia é uma via promissora para muitos países em desenvolvimento, Lula observou que é preciso definir princípios básicos sobre o uso sustentável de recursos naturais para a geração de bens e serviços de alto valor agregado. Segundo ele, o acesso a tecnologias é fundamental não só para uma transição energética justa, mas também no campo digital.

“Queremos expandir capacidades em áreas como Inteligência Artificial, inclusive em termos de infraestrutura computacional. Serão necessárias diretrizes claras e coletivamente acordadas para o uso dessa ferramenta. O mundo não pode repetir, no tratamento da Inteligência Artificial, a divisão entre países responsáveis e irresponsáveis que uma vez marcou as discussões sobre desarmamento e não-proliferação”, declarou.

Nova governança global

Quanto ao terceiro pilar, Lula disse ser necessário “enfrentar com seriedade o debate sobre o anacronismo das instituições de governança global, que já não têm representatividade”.

“Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU constituíam, em 1945, 10% dos membros da organização. Hoje são somente 2,5%. Na sua fundação, as juntas do FMI e do Banco Mundial dispunham de 12 assentos para um total de 44 países. Hoje, as juntas têm cada uma 25 assentos representando 190 países. Se mantida a proporção original, esses órgãos deveriam contar, hoje, com 52 cadeiras – o dobro de seu tamanho atual”, declarou o presidente.

Ele chamou atenção para o fato de cerca de setenta países, muitos deles na África, estarem insolventes ou próximos da insolvência. “Quase metade da população mundial – 3,3 bilhões de pessoas – vive em países que destinam mais recursos para o pagamento do serviço da dívida do que para a educação ou a saúde. Isso constitui uma fonte permanente de instabilidade política. Soluções efetivas pressupõem que os devedores, sejam eles de renda baixa ou média, possam se sentar à mesa para resguardar suas prioridades nacionais”, cobrou.

Financiamento climático

Lula também defendeu o aprimoramento dos mecanismos de financiamento climático. “Os quatro maiores fundos ambientais possuem um saldo de mais de dez bilhões de dólares, mas países em desenvolvimento não conseguem acessá-los por empecilhos simplesmente burocráticos. Os bancos multilaterais de desenvolvimento devem ser maiores, melhores e mais eficazes, destinando mais recursos, e de forma mais ágil, para iniciativas que realmente façam a diferença”, defendeu.

Outro ponto do discurso foi a tributação, que o presidente disse também ser essencial para corrigir disparidades socioeconômicas entre países e dentro deles. “Sistemas tributários justos baseiam-se na progressividade e na transparência. Incidem não apenas sobre a renda, mas também sobre a riqueza, e coíbem a evasão fiscal dos super ricos. Podemos explorar, juntos, mecanismos de taxação internacional que ajudem a financiar o desenvolvimento sustentável”, afirmou.

Efetividade

Lula também cobrou uma maior efetividade nas decisões do G20. “Foram muitas as declarações, notas e relatórios adotados nos últimos anos. Mas nem sempre as decisões saem do papel. A articulação entre as trilhas política e financeira que compõem o G20 será essencial para o funcionamento exitoso do grupo”, avaliou.

Segundo o presidente, será igualmente necessário escutar e acolher a visão da sociedade civil. “Jovens, trabalhadores, empresários, povos indígenas, parlamentares, cientistas, acadêmicos e representantes de outros grupos vulneráveis. Queremos ouvir em especial as mulheres, e dar continuidade à reflexão sobre seu empoderamento econômico, no âmbito do recém-criado grupo de trabalho dedicado ao tema”, disse.

Poder de influência

Ainda durante a reunião, Lula ressaltou que o G20 não é apenas o grupo das maiores economias, reunindo 80% do PIB global, 75% das exportações e cerca de 60% da população mundial. Segundo ele, é atualmente o fórum político e econômico com maior capacidade de influenciar positivamente a agenda internacional.

“Não nos convém um mundo marcado pelo recrudescimento dos conflitos, pela crescente fragmentação, pela formação de blocos protecionistas e pela destruição ambiental. Suas consequências seriam imprevisíveis para a estabilidade geopolítica”, afirmou o presidente.

“O Brasil segue de luto com o trágico conflito entre Israel e Palestina. A violação cotidiana do direito humanitário é chocante e resulta em milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças. O Brasil continuará trabalhando por um cessar-fogo permanente que permita a entrada da ajuda humanitária em Gaza e pela libertação imediata de todos os reféns pelo Hamas”, enfatizou.

Lula acrescentou que é “fundamental que a comunidade internacional trabalhe para a solução de dois estados, vivendo lado a lado em segurança” e que, “sem ação coletiva, essas múltiplas crises podem multiplicar-se e aprofundar-se”.

O presidente encerrou o discurso desejando “que o caminho até a Cúpula do Rio de Janeiro seja de engajamento, compromisso e solidariedade, rumo a um mundo justo e um planeta sustentável”. “Tenho certeza que o Brasil fará uma extraordinária cúpula”.

Da Redação

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