Os lucros sobem, enquanto a solidariedade some
Beneficiários de uma série de pacotes de bondades do governo, bancos endurecem o tratamento à parte mais vulnerável da economia: os inadimplentes. “Cadê os empresários que ganharam dinheiro a vida inteira?”, cobra Lula
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A medida anunciada pelo Banco Central no mês passado, de facilitar a renegociação de faturas em atraso, não vai atingir a parcela mais vulnerável entre os clientes bancários: as famílias e empresas que já estavam inadimplentes antes da crise do coronavírus.
A má vontade das instituições financeiras para colaborar com a sociedade nesse momento recebeu críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Cadê os grandes empresários, os banqueiros que ganharam dinheiro a vida inteira neste país? Qual é o gesto que eles fazem?”, questionou.
“O gesto é esfregar o Banco Central e fazer com que ele coloque R$ 1,3 trilhão para dar liquidez aos bancos para eles ficarem mais ricos e não emprestar para ninguém. A prioridade deveria ser garantir que os mais pobres pudessem pelo menos comprar uma cesta básica”, atacou Lula.
No dia 16 de março, as instituições financeiras até ensaiaram um gesto de boa vontade e anunciaram que fariam a prorrogação das parcelas para linhas de pessoas físicas e jurídicas por até três meses. Mas nenhum dos cinco maiores bancos tem concedido o benefício a clientes inadimplentes. Os outros os seguem.
Inadimplência
Do total da carteira de crédito de microempreendedores individuais e autônomos, 5,5% estão inadimplentes, de acordo com levantamento do Banco Central, publicado pela Folha de S.Paulo. Nas microempresas, a inadimplência chega a 10,2%. Números bem acima dos 2,14% de inadimplência no fim de 2019.
Mesmo antes da crise, MEIs já tinham dificuldades na hora de conseguir empréstimos. Pelo baixo faturamento, alguns sequer tinham acesso a linhas específicas para o segmento e enfrentavam dificuldades para honrar seus compromissos.
Em entrevista à Folha, o economista Marcus Quintella, professor da Fundação Getúlio Vargas, alertou que os autônomos e pequenos empresários são os mais atingidos pela crise. “A probabilidade de esses profissionais voltarem, após a pandemia, ao patamar em que estavam antes é muito pequena, muitos não vão conseguir reabrir”, lamentou.
Lucros bilionários
Enquanto os pobres ficam mais pobres, os bancos ficam mais ricos. Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que o lucro somado de Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander chegou a R$ 87 bilhões em 2019. No comparativo com 2018, o crescimento foi de 19,9%.
Apesar de lucros recordes ano após ano, os quatro bancos recorreram a programas de demissão para fazer cortes de pessoal e desligaram, só no ano passado, 10.622 bancários. Banco do Brasil, Bradesco e Itaú fecharam 877 agências em 2019.
Em compensação, os quatro gigantes distribuíram R$ 58 bilhões em dividendos e juros sobre o capital próprio em 2019, segundo levantamento da consultoria Economatica. O maior valor em proventos já divulgado pelas instituições financeiras em toda a série histórica da Economatica, iniciada em 2008.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) apresentou em fevereiro estudo que mostra que o potencial de arrecadação com tributação de lucros e dividendos pode chegar a R$ 59,7 bilhões se o governo taxar lucros e dividendos.
Livre de impostos
Hoje, o lucro obtido pelas empresas é tributado, mas a distribuição desse lucro aos acionistas na forma de dividendos é isento de taxação, graças à Lei nº 9.249/95, sancionada em 1995 pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) destaca que, dentre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o “clube dos países ricos”, apenas a Estônia, pequeno país báltico, não tributa lucros e dividendos. Os pesquisadores afirmam que o modelo atual brasileiro é injusto e favorece quem ganha rendas, e não quem vive de remuneração do trabalho.
Anteriormente, a alíquota sobre lucros e dividendos era de 15%, até que entrou em vigor a Lei nº 9.249/95. Ao longo dos anos, houve muitas tentativas de aprovar uma Reforma Tributária que voltasse a tributar lucros e dividendos e também grandes fortunas, nenhuma delas com sucesso.
Aliás, o número de brasileiros com mais de US$ 1 bilhão aumentou de 42, em 2018, para 58, em 2019, de acordo com o ranking mundial da revista Forbes. Ao todo, os 58 bilionários brasileiros acumulam fortuna de US$ 179,7 bilhões (cerca de R$ 679,3 bilhões), aumento de 1,9% em relação ao ano anterior, quando os ricos brasileiros somavam US$ 176,4 bilhões (R$ 666,9 bilhões). Paguem logo seus impostos!
Da Redação, com agências e Folha de S.Paulo