País em agonia: fome quadruplicou em quatro anos no estado do Rio
Insegurança alimentar atinge mais da metade da população do domicílio eleitoral de Bolsonaro. “O Rio é um espelho do Brasil”, diz Kiko Afonso, da Ação da Cidadania
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Domicílio eleitoral de escolha de Jair Bolsonaro por toda a vida pública, o Rio de Janeiro sofre com o avanço da miséria na capital e no interior. A fome quadruplicou no estado desde 2018: o percentual da população em situação de insegurança alimentar grave subiu de 4,2% para 15,9%. São mais de 2,7 milhões de pessoas passando fome, enquanto mais de 57% de uma população de 17,4 milhões se encontra em insegurança alimentar.
Os dados, inéditos, fazem parte do recorte regional do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Foram apresentados nesta quinta-feira (23) pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), no encerramento do Encontro Nacional Contra a Fome, realizado no bairro da Gamboa, na Zona Portuária da capital fluminense.
No dia 8 de junho, o mesmo relatório em âmbito nacional revelou que o país possui mais de 33 milhões de pessoas passando fome. São 14 milhões a mais em comparação com 2020. Também indicou que 68,6% dos desempregados e 42,2% dos que estão no trabalho informal são acometidos por insegurança alimentar moderada ou grave.
O recorte do estado foi antecipado a pedido da Ação da Cidadania, parceira e apoiadora da Rede Penssan. Não apenas por ser o local da sede da entidade e também do Encontro Nacional, mas porque o Rio de Janeiro é “um espelho do Brasil”, nas palavras do diretor executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo “Kiko” Afonso.
“A gente quis trazer esses dados do Rio de Janeiro para mostrar que não existe aquela coisa que se tinha na cabeça de que fome é em Roraima, fome é no Rio Grande do Norte. Fome é no Rio de Janeiro. A antiga capital do Brasil. No Centro do Sudeste, onde se produz riqueza”, afirmou Kiko. “Não é possível que as pessoas ainda achem que a fome é uma questão distante. Ela está do nosso lado, está na realidade do nosso dia-a-dia.”
Esse espalhamento da fome para regiões urbanas mais ricas é visto “na quantidade de pessoas procurando emprego, pedindo comida e morando nas ruas”, prossegue o dirigente. “Água, fralda, leite em pó, refeições. Gente que pagava aluguel e foi morar na rua. Gente que não come há dois dias”, exemplificou.
Para Kiko, “a fome tem CEP, tem cor e tem gênero”. “A maior vítima é a mulher preta ou parda e com filho de até 10 anos em casa. Você percebe claramente nos dados”, destaca. “É inequívoco como o racismo estrutural, o preconceito contra a mulher, como as desigualdades brasileiras tem como consequência a fome.”
Nova Agenda Betinho pede retomada de políticas públicas de segurança alimentar
Rosana Salles, integrante da Rede Penssan, defende a retomada de políticas sociais de combate à fome e à miséria no país. “Só a transferência de renda agora não consegue dar conta da garantia de uma alimentação saudável em quantidade e qualidade adequada para as famílias. Porque você tem o preço dos alimentos, que está saindo do controle”, explicou.
“Eu acho que até essa frase que tem aqui na minha camisa, ‘quem tem fome tem pressa’, era muito do pensamento do Betinho (fundador da Ação da Cidadania)”, complementa Kiko. “A gente entende que a solução vem de política pública, vem de emprego, vem de renda, saúde e educação. Isso é o que resolve de forma definitiva. Mas o que faz com que as pessoas sobrevivam até lá é a solidariedade.”
Durante o Encontro Contra a Fome foi lançada a nova edição da Agenda Betinho, com 92 propostas de ações de Segurança Alimentar e Nutricional para o país e suas cinco regiões. O material foi elaborado a partir do diálogo com pesquisadores, agricultores, pescadores, ribeirinhos, povos de comunidades tradicionais e de matriz africana, quilombolas, negros, mulheres, indígenas, sindicatos, coletivos e frentes.
Entre as propostas apresentadas no documento estão a desoneração dos itens da cesta básica, a facilitação da distribuição de frutas e legumes, especialmente para as famílias em insegurança alimentar grave, o fortalecimento da agricultura familiar e a ampliação do orçamento para merenda nas escolas.
Kiko lembra que o sociólogo Betinho lançou uma campanha nacional contra a fome quando o país tinha 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Agora, há 33 milhões de barrigas vazias.
“O candidato que não olhar para a fome como tema prioritário está completamente desligado da realidade do Brasil. Não dá mais pra negar, a fome se espalhou de uma forma muito grave”, afirma o diretor-executivo da Ação da Cidadania. “E nós eleitores temos que olhar para todos os candidatos, como senador e deputado. Muitas das políticas públicas implementadas vêm do Congresso.”
Lula: “Não falta comida, falta vergonha na cara do governo”
Em sua visita a Natal, na quinta-feira passada (16), Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que não faltam alimentos no país. “O Brasil tem 33 milhões de pessoas passando fome. E não tem explicação. Se um pequeno produtor rural, com um mínimo de investimento e organização, consegue fazer uma revolução na produção de alimentos, por que tem fome? Na verdade, a fome é falta de vergonha na cara do governo”, afirmou na Feira Nordestina de Agricultura Familiar.
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Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de Lula e do Desenvolvimento Agrário de Dilma Rousseff, o agora deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) acusa o desgoverno Bolsonaro de desmontar todas as políticas de soberania alimentar que fizeram o Brasil sair do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Nós integramos o Bolsa Família com políticas públicas de assistência social, como o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e os Cras (Centros de Referência da Assistência Social), e com políticas de segurança alimentar. Levamos os restaurantes populares Brasil afora e, com eles, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos e políticas de apoio à agricultura familiar”, enumerou em entrevista ao Jornal PT Brasil da quarta-feira (22).
“Nós não podemos aceitar seres humanos passando fome. Muito menos no Brasil, um país que pode produzir alimentos o ano inteiro”, concluiu Patrus.
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Desmonte institucional e política econômica de Bolsonaro se unem pela fome
Além do desmonte das políticas de segurança alimentar construídas ao longo de 13 anos de diálogo dos governos petistas com a sociedade, a condução econômica desastrosa da economia agrava o empobrecimento e leva à escassez. Em todo o país e também no Rio de Janeiro.
Dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) no estado mostram que o número de famílias em situação de extrema pobreza (renda per capita de até R$ 105 por mês) cresceu 59,6% de abril de 2020 a abril de 2022, passando de 946.090 para 1.509.899 famílias. Só na Região Metropolitana da capital, 15 dos 22 municípios tem mais de 20% da população em situação de imensa necessidade.
A perda da renda média também avançou no Rio. No primeiro trimestre de 2022, ela chegou a R$ 1.248, contra R$ 1.387 no mesmo período do ano passado. No ranking do país, o estado passou da quarta maior média para a sexta, ultrapassado por Paraná e Rio Grande do Sul. Para piorar, o valor da cesta básica no Rio, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), saltou de R$ 460,46 no início de 2019 para R$ 768,42 em abril deste ano.
No primeiro trimestre de 2021, a taxa de desocupação no Rio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegou a 19,6%, acima da média nacional (14,9%). No mesmo período deste ano, recuou para 14,9%, ainda acima da média do país (11,1%). O desemprego entre a metade mais pobre da população no primeiro trimestre de 2022 (38%) também está acima da média brasileira (28%).
Estudo recente sobre as faces da fome em âmbito nacional, do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV-Social), revelou que a parcela dos brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a família em algum momento nos últimos 12 meses (36%) é um recorde na série histórica, iniciada em 2006.
Pela primeira vez, o número de famílias nessa situação no Brasil superou a média mundial (35%). E tudo isso por falta de vergonha na cara de Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes.
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Da Redação