Paulo Paim: Olhos desumanos

“Temos muito ainda a aprender com a democracia e com a liberdade. Elas, juntas, são águas da mesma vertente, da mesma pedra que, se bem lapidada, dá o suporte necessário para o universo dos direitos humanos”, diz o senador do PT-RS, em artigo

(Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Kaputt (do alemão: quebrado, acabado, destroçado), obra do italiano Curzio Malaparte, pseudônimo do jornalista Kurt Erich Suckert, lançado em 1944, faz um relato da crueldade da 2ª Guerra. Ano passado essa obra recebeu uma refinada adaptação, versão em quadrinhos, assinada pelo brasileiro Eloar Guazzeli Filho.

Há uma cena estarrecedora: um oficial nazista diz a um menino que não foi ele quem inventou a guerra. E então propõe um desafio: Escute, eu tenho um olho de vidro. É difícil distingui-lo do verdadeiro. Se você descobrir qual é, deixo você ir. O menino não hesita: O olho esquerdo. O oficial fica espantado. Pergunta como ele conseguiu diferenciar. O garoto explica: Porque, dos dois, é o único que tem algo de humano.

No mundo atual, em que existem guerras, intolerância religiosa, fanatismo ideológico, homofobia, racismo, tráfico de drogas, destruição da natureza pelo homem, mortes por fome, inquestionavelmente, Kaputt continua atualíssimo. Uma leitura obrigatória para todos nós e, principalmente, para aqueles que não respeitam os direitos humanos e não sabem conviver com a democracia e a liberdade.

Há trinta anos saímos de um regime de exceção. De uma ditadura que interrompeu sonhos e esperanças. Portanto, a democracia brasileira é recente e, por isso mesmo, temos a obrigação de regá-la todos os dias. Devemos ficar atentos aos movimentos que vão de encontro as nossas mais sagradas conquistas democráticas, constitucionais e dos direitos humanos.

A violência e a falta de segurança são ataques a tudo isso. Segundo a Unicef, mais de 40 mil jovens, de 12 a 18 anos, poderão ser vítimas de homicídios no Brasil, entre os anos 2013 e 2019. A maioria será de jovens negros. Todos os dias há notícias de pessoas que morrem por falta de atendimento. Faltam médicos, enfermeiros, leitos, medicação. Isso atinge a nossa democracia.

A professora de Relações Internacionais, Tatiane Cassimiro, lembra que as minorias étnicas, as mulheres, crianças, pessoas com deficiência e aqueles que possuem baixo nível socioeconômico são os que mais sofrem com os efeitos da corrupção, já que esses têm escassos acessos a serviços de natureza essencial e com péssima qualidade, como saúde e educação. Lembro também que tramita no Congresso o PLS 206/2015 que prevê cadeia e multa em dobro equivalente ao montante desviado indevidamente. Será que é tão difícil nós entendermos que a corrupção é uma afronta a vida das pessoas? Ela também cerceia sonhos e esperanças.

É inadmissível que direitos trabalhistas e previdenciários sejam alvo de ataques. As medidas provisórias 664 e 665 estão aí. Nesse conjunto está inserida a não menos perversa terceirização, que, como eu tenho dito, equivale à revogação da Lei Áurea. Algo desumano. Neste cenário de fragilidade para os trabalhadores, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Respeito as posições contrárias. Mas não concordo.

As manifestações são legítimas e necessárias. Agora, não podemos aceitar menções ao nazi-fascismo, intervenção militar e muito menos violência, seja de que lado for. O que ocorreu em Curitiba contra os professores, foi um atentado ao Estado Democrático de Direito, às liberdades de manifestação e expressão e também um retrocesso no processo democrático brasileiro.

Temos muito ainda a aprender com a democracia e com a liberdade. Elas, juntas, são águas da mesma vertente, da mesma pedra que, se bem lapidada, dá o suporte necessário para o universo dos direitos humanos. Se assim o fizermos, com perseverança, utilizando as nossas virtudes, podemos criar novos tempos, não só com respeito às individualidades e ao coletivo, mas, sobretudo, mediante a construção de uma nação… de uma verdadeira nação.

Paulo Paim é senador pelo PT-RS

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