Pazuello ignorou pedido por mais oxigênio no Amazonas
Investigação sigilosa da Polícia Federal apurou que alertas de “iminência de esgotamento” do insumo foram enviados cinco dias antes do colapso
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O então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e o comandante militar da Amazônia, general Theophilo Oliveira, ignoraram pedidos formais de reforço no estoque de oxigênio enviados cinco dias antes do colapso do fornecimento do insumo em Manaus, ocorrido em janeiro. A informação consta em inquérito sigiloso da Polícia Federal revelado nesta quarta-feira (9) pelo jornal ‘Folha de São Paulo’.
O inquérito foi aberto por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Após a demissão de Pazuello, em março, a investigação foi encaminhada à Justiça Federal em Brasília. Uma cópia do inquérito foi enviada à CPI da Covid no Senado. No curso da apuração foram descobertas evidências de que os pedidos do governador Wilson Lima (PSC), aliado de Jair Bolsonaro, não foram atendidos em quantidade nem em prazo suficiente.
Um ofício encaminhado por Lima ao Ministério da Saúde em 9 de janeiro reforçava a “iminência de esgotamento” devido ao “súbito aumento no consumo” do produto, causado pelo avanço da contaminação pelo coronavírus no estado. Também alertava para a “necessidade de resguardar a vida dos pacientes”. No mesmo dia foi enviado ofício com o mesmo teor ao Comando Militar da Amazônia.
Nos documentos, Lima informou que a White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio, teria disponíveis 500 cilindros em Guarulhos (SP), prontos para transporte aéreo urgente às 16h do dia seguinte, 10 de janeiro. Os materiais seguiriam de Campinas, em São Paulo (200), Belo Horizonte (150) e Brasília (150). Outros 36 tanques poderiam ser transportados em “caráter de urgência” de Guarulhos.
A White Martins informou à ‘Folha’ que já no dia 9 estavam disponíveis 23 tanques criogênicos móveis de oxigênio líquido em Guarulhos para serem transportados pela Força Aérea Brasileira. Os primeiros seis tanques foram embarcados somente no dia 12. Chegaram a Manaus no dia seguinte, com 2.700 metros cúbicos de oxigênio líquido.
O insumo se esgotou nas primeiras horas do dia 14, cinco dias após os ofícios. Pacientes com Covid-19 morreram asfixiados nos hospitais. No dia 12, um novo ofício havia sido remetido a Pazuello, alertando que o consumo havia mais que triplicado e pedindo o envido de microusinas e geradores de oxigênio. Não há registro desse tipo de transporte antes do colapso.
Ao final, o Ministério da Saúde ajudou a transportar 200 cilindros de oxigênio a partir de Vinhedo (SP), em 12 de janeiro, e 150 cilindros de Belo Horizonte, a partir de Guarulhos, em 13 de janeiro. Não há registro do transporte dos outros 150 cilindros de oxigênio a partir de Guarulhos, ou sobre os demais tanques disponíveis.
Conforme a nota da White Martins, o que houve foi o transporte de cilindros de oxigênio de Belém a Manaus, em aviões da FAB: 150 no dia 9 e 200 no dia 10. Estes, em resposta a outros ofícios, enviados nos dias 7 e 8 ao Comando Militar da Amazônia pelo secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo.
Pazuello se esquiva da responsabilidade
Em nota para a ‘Folha’, o Ministério da Saúde afirmou que o transporte de cilindros foi feito de forma escalonada, entre 8 e 30 de janeiro, ultrapassando um total de 5.000. Os cilindros eram provenientes de Belém e Guarulhos. No caso dos tanques de oxigênio, o transporte foi feito nos dias 12, 14 e 15. Antes do colapso, o transporte foi de 5.100 metros cúbicos. Com entregas diárias posteriores, superou 1 milhão de metros cúbicos.
Exército, Aeronáutica e Ministério da Defesa não responderam à reportagem, e advogados de Pazuello afirmaram que ele não se manifestará sobre o assunto. Em depoimento na CPI da Covid, em 19 de maio, o general afirmou que só tomou conhecimento do risco da falta de oxigênio na noite de 10 de janeiro, em reunião com o governador e o secretário de Saúde do Amazonas.
Pazuello estava na capital amazonense chefiando a “missão Manaus”, com uma comitiva de 11 médicos. Ele escolhera o Amazonas como piloto no uso do aplicativo TrateCov, lançado em Manaus em 11 de janeiro. Segundo o Painel de Viagens do governo, o Ministério da Saúde gastou R$ 48,692.75 com diárias e passagens desses médicos.
Durante a solenidade de lançamento do app, um protocolo clínico para fazer um diagnóstico rápido da doença e indicar o “tratamento precoce”, Pazuello proferiu a pérola de que a vacinação no Brasil iria começar “no dia D e hora H”. “A vacina é gratuita. No que depender do presidente da República e do Ministério da Saúde, não será obrigatória”, acrescentou o general.
Ao final, apontou o que considerava ser a chave para o enfrentamento da pandemia em Manaus: “Tratamento precoce. Não existe outra saída. Nós não estamos mais discutindo se esse ou aquele profissional não concorda. Os conselhos regionais e federais já se posicionaram”. Três dias depois, pacientes morriam sufocados nos hospitais do Amazonas.
Da Redação