PIB de Bolsonaro é fake news sobre escombros da economia

Mesmo com crescimento de 1,2% no primeiro trimestre, o Brasil caiu sete posições em ranking mundial de PIBs. “Falta agenda de recuperação”, afirma economista

João Lazzaro

Economia quebrada

Saudado como grande conquista por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, o crescimento econômico de 1,2% no primeiro trimestre de 2021 não impediu que o Brasil despencasse sete posições no ranking de PIBs mundiais elaborado pela agência Austin Rating. Agora, o país ocupa a 19ª posição, atrás dos vizinhos Chile e Colômbia. No quarto trimestre de 2020, apresentara o 12º maior crescimento.

“Olhando para dentro, parece que tivemos um bom crescimento. Porém, olhando para o mundo não estamos tão bem assim”, disse ao jornal ‘O Globo’ o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. E a razão desse mau desempenho, explica ele, é a péssima gestão da pandemia do coronavírus pelo desgoverno Bolsonaro.

“Alguns países passaram pela segunda onda da pandemia antes do Brasil, alguns países também começaram a vacinação antes do Brasil”, enumera Agostini, ressaltando que o bom desempenho econômico é consequência direta do controle da epidemia. “E com relação à ajuda do governo que ocorreu no Brasil, em outras nações foi muito melhor, devido ao fato de esses países terem uma situação fiscal muito melhor que a nossa”, conclui o economista.

O Brasil segue como o 64º no ranking global de aplicação de doses da vacina contra a Covid-19, a cada 100 habitantes. Entre os países que compõem o G20, continua em 10º.

“Com o resultado do primeiro trimestre, o PIB voltou ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia”, informa o IBGE. “Mas ainda está 3,1% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica do país, alcançado no primeiro trimestre de 2014.”

Considerando o PIB acumulado em quatro trimestres, este é o quarto resultado negativo seguido. Depois de crescer 1% no primeiro período de 2020, o índice caiu 2,1%, 3,4%, 4,1% e, agora, 3,8%. Nesse acumulado anual, o produto só se sustenta, mais uma vez, pela agropecuária, que teve alta de 2,3%. A indústria recuou 2,7% e os serviços, que respondem por quase 70% do volume da economia, 4,5%.

Fake news em rede nacional

Nesta quarta, em rede de rádio e televisão, Bolsonaro afirmou que, neste ano, todos os brasileiros que quiserem serão vacinados, destacou o avanço do PIB (Produto Interno Bruto) e voltou a criticar políticas de isolamento social.

Em nota, os senadores Omar Aziz, presidente, Randolfe Rodrigues, vice-presidente, e Renan Calheiros, relator, rebateram as mentiras proferidas por Bolsonaro. O pronunciamento de Bolsonaro provocou um panelaço nas capitais do país (veja a nota e vídeo abaixo).

Nota

A inflexão do Presidente da República celebrando vacinas contra a Covid-19 vem com um atraso fatal e doloroso. O Brasil esperava esse tom em 24 de março de 2020, quando inaugurou-se o negacionismo minimizando a doença, qualificando-a de ‘gripezinha’.

Um atraso de 432 dias e a morte de quase 470 mil brasileiros, desumano e indefensável. A fala deveria ser materializada na aceitação das vacinas do Butantan e da Pfizer no meio do ano passado, quando o governo deixou de comprar 130 milhões de doses, suficientes para metade da população brasileira. Optou-se por desqualificar vacinas, sabotar a ciência, estimular aglomerações, conspirar contra o isolamento e prescrever medicamentos ineficazes para a Covid-19.

A reação é consequência do trabalho desta CPI e da pressão da sociedade brasileira que ocupou as ruas contra o obscurantismo. Embora sinalize com recuo no negacionismo, esse reposicionamento vem tarde demais. A CPI volta a lamentar a perda de tantas vidas e dores que poderiam ter sido evitadas.

Crescimento sobre escombros

A despeito do discurso de Guedes, que com a disposição de um vendedor de terrenos na lua afirmou que a alta do PIB sinaliza um “crescimento bastante forte da economia”, a economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliane Furno, defende que a variação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não aponta para uma retomada econômica sustentada.

A começar pela “base de comparação”. No ano passado, o PIB brasileiro caiu 4,1%, maior retração da série histórica, iniciada em 1996. Diante desse pífio patamar, qualquer tímido avanço é computado estatisticamente como crescimento. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil novamente crescerá abaixo da média mundial em 2021.

“A economia ainda não se recuperou e opera abaixo do seu potencial”, avaliou Furno no ‘Jornal Brasil Atual’ desta quarta (2º), ressaltando que boa parte do crescimento ocorreu em função das exportações de produtos primários, aquecidas pela alta dos preços das commodities. Com destaque para o agronegócio e a mineração.

A soja dobrou o preço no mercado internacional e o minério de ferro disparou mais de 150% em 12 meses. Mas como são produtos de ramos considerados “intensivos em capital”, altamente mecanizados, os ganhos não representam criação de empregos. Além disso, as atividades são beneficiadas por uma série de isenções fiscais, o que faz com que o crescimento das vendas também não se reflita em aumento na arrecadação.

Na economia real, onde a maioria da população luta para sobreviver, a inflação crescente influenciou negativamente o consumo das famílias, que permaneceu estagnado do último trimestre de 2020 para o primeiro deste ano (-0,1%). Também caiu 1,7% em relação ao primeiro trimestre de 2020 e 5,7% em quatro trimestres.

“O aumento da inflação pesou, principalmente, no consumo de alimentos ao longo desse período”, diz a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis. “O mercado de trabalho desaquecido também. Houve ainda redução significativa nos pagamentos dos programas do governo às famílias, como o auxílio emergencial.”

Outro indicador da saúde econômica de um país, a produção industrial também vai mal. Ela recuou 1,3% em abril, no terceiro declínio consecutivo no ano. Segundo o IBGE, alimentos (-3,4%), derivados do petróleo (-9,5%) e biocombustíveis puxaram a queda.

Para completar o quadro, o volume de investimentos da economia teve queda de 4,7% em março, na comparação com fevereiro. O dado faz parte do indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que mede a formação bruta de capital fixo (FBCF).

A pesquisa avalia os investimentos para aumento da capacidade produtiva da economia e para reposição da depreciação do estoque de capital fixo em setores como máquinas e equipamentos, construção civil e outros.

O levantamento mostra que março apresentou queda de 11% nos investimentos em máquinas e equipamentos. O recuo foi mais forte na importação desses itens (-12,8%), enquanto a produção nacional de máquinas e equipamentos destinada ao mercado interno teve retração de 5,8%.

“Esses dados vêm se contrapor aos dados do PIB do 1º trimestre, e apontam que a recuperação econômica ainda é incipiente, de certa forma”, disse o economista-chefe da Nécton, André Perfeito.

País sem rumo

Ao portal ‘G1’, a pesquisadora-líder do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP), Laura Carvalho, afirmou que o Brasil não tem um plano capaz de garantir a recuperação da atividade econômica.

“Preços altos de commodities não significam, necessariamente, uma recuperação mais robusta da economia brasileira”, explicou a economista. “A gente, nos anos 2000, usou de alguma forma esse cenário externo favorável, mas também houve uma série de políticas que contribuíram para uma expansão da economia: realizamos investimentos em infraestrutura e houve uma expansão dos programas de transferência de renda.”

O irrisório valor do “novo” auxílio emergencial, aponta a economista, é outro fator a prejudicar a capacidade de recuperação da economia neste ano. “E isso vai se mostrar ainda mais verdadeiro caso a gente passe por uma nova onda”, acrescenta.

“Uma recuperação econômica que gera emprego, em particular, tem de passar necessariamente por uma recuperação do setor de serviços e da indústria. Mas, sobretudo, serviços. O setor de serviços realmente emprega, tem uma intensidade em trabalho maior”, defendeu Carvalho. “Se a gente olha para o passado da economia brasileira, os períodos em que chegamos mais próximos do pleno emprego foram aqueles em que os setores de serviços cresceram muito.”

Para que isso ocorra, no entanto, é preciso o básico: “O controle da pandemia e o retorno das atividades de maneira segura são condições necessárias para a recuperação dos empregos de maneira mais robusta”, pregou a economista, ressalvando que os passos seguintes são a recuperação da renda do trabalho e a redução das desigualdades.

“Precisa de uma recuperação inclusiva. E para uma recuperação inclusiva, a gente precisa de uma agenda que passa pela expansão da proteção social e por investimentos em áreas prioritárias. Isso não está colocado hoje. Ao contrário de outros países, o Brasil não tem uma agenda de recuperação”, lamentou Laura Carvalho.

Da Redação

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