Por mais mulheres transgênero na política
Artigo de Andréa Cangussú
Publicado em
Andréa Cangussú, Secretária Estadual de Mulheres do PTMG
Em pleno século XXI, frases pejorativas são recorrentes para se referir a pessoas que fogem ao padrão de gênero imposto por uma sociedade extremamente conservadora, tradicionalista e patriarcal. Esse preconceito se estende, também, no âmbito racial, pois palavras ou expressões como “neguinho, isso é coisa de preto, criado-mudo, denegrir, a situação tápreta”, são repetidas cotidianamente sem que se questione sua origem no nosso passado escravocrata.
A linguagem também será porta-voz desse preconceito enraizado quando se trata das questões de gênero. Não é raro escutarmos pelas ruas, estádios de futebol, brigas de bar e desentendimentos corriqueiros entre vizinhos ou colegas de escola as expressões “viadinho, bicha, traveco, gayzinho”.
O que comumente costumamos chamar de minorias, na verdade, são a maioria, uma vez que nosso país tem origens variadas, o que resultou numa miscigenação de raças, credos e culturas desde a invasão dos portugueses em 1500.Mesmo diante de uma história que traz em sua origem tanta diversidade, ainda falta muito para alcançar essa equidade tão desejada e tão necessária.
Alguns passos, por mais tímidos que sejam, já foram dados. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em 13 de junho de 2019, que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada um crime. Diante da decisão, a conduta passa a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89(, que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. Segundo o texto constitucional, o racismo é um crime inafiançável e imprescritível e pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa.
Essa conquista veio posteriormente a outro avanço. Em 2018, o mesmo STF autorizou transexuais e transgêneros a alterarem o nome no registro civil sem a necessidade da cirurgia de mudança de sexo. Com a decisão, a alteração pode ser feita por meio de decisão judicial ou diretamente no cartório.Antes da decisão do Supremo, transexuais somente podiam adotar o nome social em identificações não oficiais, como crachás, matrículas escolares e na inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo.
Mas esses avanços legais ainda representam muito pouco para um país que tem um LGBTQI+ assassinado a cada 19 horas (dados de 2017). Por isso, devemos nos questionar diariamente: como falar de uma ascensão da população LGBTQI+ na política sem antes lhe garantir o básico, que é ter o direito à vida previsto no artigo V da Constituição Federal Brasileira?
A expectativa de vida das pessoas transgênero e travesti é de 35 anos. Os números, por si só, já são assustadores. Mas se comparados à expectativa de vida da população heterossexual, que está na casa dos 75 anos, passam a ser chocantes.
Não há dúvidas de que é preciso lutar para mudar esse quadro. Os transgêneros devem ocupar mais espaços institucionais na política. Já temos conquistas com a eleição de três deputadas estaduais transgênero no Brasil: Robeyonce de Lima, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e Erika Hilton e Erica Malunguinho, na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Se comparada a décadas passadas, essa é uma conquista fundamental, histórica, mas o momento atual clama por mudança e revolução. Os cargos políticos atualmente são majoritariamente ocupados por homens brancos. Basta ver os números das eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, quando foram eleitos 85% de homens para o Legislativo federal.Essa desigualdade deve fazer, cada vez mais, parte de um passado vergonhoso.
Nas próximas eleições, a comunidade LGBTQI+ tem que figurar no topo das estatísticas, mas não por mortes, agressões, injúrias ou mesmo suicídios devido a uma sociedade preconceituosa. Queremos sim, ver a comunidade LGBTQI+ figurando no topo das pessoas eleitasdemocraticamente e que vão contribuir para mudar ainda mais essa realidade.