PT cobra investigação sobre chacina em São Gonçalo

Parlamentares e lideranças do partido exigem justiça. “Não podemos mais aceitar uma política de segurança pública que dá medo e insegurança na população”, critica Benedita da Silva

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Mais uma chacina no Rio de Janeiro

A ação mortal do Batalhão de Operações Especiais (Bope) no Complexo do Salgueiro, comunidade de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, está recebendo duras críticas de parlamentares e lideranças do Partido dos Trabalhadores. Ocorrida na madrugada de sábado (20) para domingo (21), a “operação vingança” deixou um número de mortos ainda não totalmente contabilizado.

Resposta à morte do sargento da PM Leandro da Silva, ocorrida durante um patrulhamento no sábado, o massacre foi descoberto pelos moradores apenas na segunda-feira (22), quando foram retirados nove corpos de uma área de manguezal. Há relatos de mais vítimas ainda desaparecidas. Equipes da Polícia Civil vasculham o local nesta terça-feira (23).

“Mais uma vez a política de segurança genocida do estado do Rio de Janeiro mostra a sua face”, dizem em nota membros da Executiva Estadual do PT-RJ. “De acordo com relatos de moradores, o que houve foi uma chacina, já que a polícia executou e torturou as vítimas”, prossegue o texto, ressaltando “o mesmo modo de atuação empregado no Jacarezinho durante operação que deixou 28 mortos”, em maio deste ano.

“O PT-RJ repudia essas ações e cobra esclarecimentos urgentes da Justiça sobre as possíveis violações de direitos humanos praticados pelos agentes públicos nas comunidades. Nosso povo quer viver e viver com segurança e dignidade. Chega de violência e extermínio nas favelas do Rio!”, exigiram os dirigentes do partido.

Vereadora na capital, a petista Tainá de Paula atravessou a Ponte Rio-Niterói para acompanhar os desdobramentos. “Estamos recebendo muitas informações sobre o caso da chacina em São Gonçalo. Nosso parceiro de Mandato @rodrigomondego está dentro da Comunidade. Até então o caso de duas jovens encontradas no mangue não foi confirmado. Mas a situação é gravíssima!”, postou em seu perfil no Twitter.

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) se confessou impactada com a nova tragédia. “Não podemos mais aceitar uma política de segurança pública que dá medo e insegurança na população. Onde polícia e bandido parecem adotar o mesmo comportamento fora da lei”, afirmou em postagem em seu perfil no Twitter.

“Não dá mais para aceitar operações feitas no calor da emoção, sem inteligência. Segurança pública precisa ser mais séria, técnica e com foco na proteção da população!”, completou a deputada em uma segunda postagem.

Presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) cobrou atenção do Estado. “Mais uma chacina no Rio, mais um episódio de truculência, mais uma vez numa região onde vivem trabalhadores, negros e pobres na maioria. Até quando vamos tratar como se fosse normal? O povo não merece violência, o povo quer e precisa de atenção do Estado”, defendeu no Twitter.

ONU pede investigação independente

A chacina do Salgueiro mobilizou o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos. Segundo o jornalista Jamil Chade, o órgão fez um apelo nesta terça por investigações independentes do caso.

“Nosso escritório pede ao Ministério Público que conduza uma investigação independente, completa, imparcial e eficaz sobre essas mortes, de acordo com padrões internacionais”, afirmou a porta-voz da entidade, Marta Hurtado. O Alto Comissariado reiterou o apelo por um “urgente debate amplo e inclusivo” sobre o modelo brasileiro de policiamento das favelas.

Para a defensora pública do Rio de Janeiro, Maria Júlia Miranda, a ação do Bope se caracterizou como mais uma “operação vingança”. ” A operação terminou após 33 horas seguidas, um dia após a morte de um policial militar”, afirmou em entrevista ao Uol.

A defensora chamou a atenção para o fato de os policiais não terem nem feito o registro do ferimento de uma senhora de 71 anos. “Existe uma estigmatização do território da favela, como se, obrigatoriamente, estivessem submetidos à violência do Estado”, criticou, revelando que o Ministério Público já instaurou processo investigatório. “Precisa ser apurado. A política pública precisa ser compreendida como uma forma decente de fazer essas operações”, finalizou.

O Uol apresenta ainda um levantamento baseado em dados coletados em 2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelando que oito entre as dez cidades com as maiores taxas de negros mortos pela polícia são do estado do Rio. São Gonçalo é a quarta da lista, atrás apenas de Rio (341), Salvador (296) e São Paulo (255).

O país registrou 5.092 assassinatos de pessoas negras em intervenções policiais no ano passado. Equivalente a 78,9% das 6.416 mortes no período, é o maior índice de letalidade policial desde 2013, quando começou a ser registrado pelo Anuário de Segurança Pública.

No Brasil, temos uma polícia com alta letalidade e que produz desigualdade racial. O suspeito geralmente representa a cultura jovem, negra e periférica. Isso se relaciona com um maior número de abordagens, prisões e mortes decorrentes de intervenção policial”, explicou David Marques, coordenador de projetos do Fórum.

“Existe uma aposta contínua na ideia de que a polícia tem que subir e descer morro trocando tiro. Com isso, estamos vendo o crescimento das mortes sem que ocorra, necessariamente, o enfraquecimento do tráfico ou das milícias”, prosseguiu o sociólogo.

Incursões policiais motivadas por vingança são a terceira maior causa de morte em incursões na região metropolitana do Rio. É a conclusão de um estudo de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O Instituto Fogo Cruzado, que desenvolveu uma plataforma para contabilizar índices de violência no Rio de Janeiro, revela que três em cada quatro chacinas (43 ao todo) este ano ocorreram durante ações policiais. A organização não-governamental (ONG) considera chacina eventos onde há três ou mais mortos civis numa mesma situação.

Já foram contabilizadas este ano 58 chacinas na Região Metropolitana do Rio, com 242 mortos. Somente em São Gonçalo, desde julho de 2016 ocorreram 47 chacinas, com 169 mortos no total. Trinta e cinco chacinas ocorreram durante ações e operações da polícia, que resultaram em 121 mortos. No Complexo do Salgueiro, houve 11 chacinas em pouco mais de cinco anos. Segundo a ONG, cinco delas ocorreram somente este ano.

“O que aconteceu nesse final de semana no Complexo do Salgueiro é uma tragédia, mas não uma exceção”, afirmou Maria Isabel Couto, diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado, num comunicado. “Estamos falando de tragédias que se repetem a cada dois meses.”

Da Redação

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