Quais os problemas da nova caderneta da gestante? Tiramos as dúvidas

Conversamos com a ginecologista Mariana Prado para elucidar os pontos “polêmicos” e não deixar as mulheres desamparadas e violentadas pela desinformação do governo federal

Nesta semana, o governo federal lançou uma nova versão da Caderneta da Gestante que deu o que falar. Repleta de desinformações e adotando uma linha divergente da base científica, o documento reforça práticas de violência obstétrica e confunde a mulher sobre métodos contraceptivos pós-parto.

Parlamentares do PT mobilizaram-se no Senado e na Câmara Federal para barrar a publicação dessa caderneta — que coloca em risco a saúde e o planejamento familiar de milhões de mulheres em todo país.

Mas quais informações exatamente estão imprecisas? E quais as consequências dessa irresponsabilidade do governo federal?

Conversamos com a ginecologista Mariana Prado sobre os problemas dessa caderneta e elaboramos explicações acessíveis para as mulheres não ficarem desinformadas, sobretudo em um momento tão importante na vida delas. Mariana é especialista em ginecologia endocrina e climatério pela UNIFESP, com atuação no pré-natal de alto risco no SUS de São Paulo e integra o Instituto Afro Amparo e Saúde e Coletivo Negrex.

Amamentação é um método eficaz para prevenir gravidez?

Trecho da nova caderneta da gestante do governo Bolsonaro

Mariana Prado explica que a eficácia da amamentação como método para não engravidar depende extremamente da paciente. Os três quesitos precisam estar presentes:

1 – Bebê ter até seis meses de vida

2 – A pessoa que amamenta não pode estar menstruando

3 – Precisa ser amamentação exclusiva. Estudos falam de, no mínimo, de três em três horas.

A desinformação da caderneta está na falta de clareza sobre os limites desse método.

Segundo a médica, a simples ausência de um desses critérios descaracteriza totalmente o método contraceptivo. “Isso é uma informação que deveria estar na caderneta para ser uma escolha, de fato, consciente da mulher”, reforça a ginecologista.

Mariana Prado, médica ginecologista e obstetra

Como se trata de um material amplamente difundido no SUS, é importante que a gente exponha de uma forma responsável, principalmente no que diz respeito à contracepção. Não podemos excluir ou omitir a elucidação de todos os riscos dos métodos, e sempre apoiar e amparar uma escolha que seja responsável

Durante a amamentação, a mulher produz o hormônio que atua na produção do leite: a prolactina. Enquanto esse hormônio está em alta, ele previne a ovulação. No entanto, a prolactina precisa estar sempre alta para o método funcionar, junto com todos os outros fatores mencionados acima.

Se houver qualquer irregularidade na mamada (pulou uma mamada, ficou longe do bebê por algumas horas, por exemplo), ou algum escape menstrual, mesmo sangrando de forma irregular, já não é mais considerado um método contraceptivo ideal. “Temos que sempre incentivar o método combinado”, explica a especialista.

Métodos combinados

Trata-se de orientar as mulheres a combinar métodos para evitar uma nova gravidez, de modo que aumente a segurança e a eficácia do planejamento familiar. Não apenas confiar em um método cujos riscos não foram totalmente explicados e que tem variáveis muito sensíveis.

Aprofundar e incentivar a combinação não apenas com uso de camisinha, mas também DIU de cobre, pílula de progesterona, implante subdérmico – e assinalar que todos podem ser usados enquanto amamenta e não há risco para a mãe, nem para o bebê, são informações estratégicas para as mulheres.

 

Violência Obstétrica

Trecho da nova caderneta da gestante do governo Bolsonaro

Manobra de Kristeller – empurrão, hematoma e rompimento de órgãos 

Na primeira lista de “procedimentos que não são mais realizados de rotina”, o governo omitiu a manobra de Kristeller —  técnica usada para acelerar o trabalho de parto com uma pressão sobre o fundo do útero para empurrar o bebê. “Isso é violência obstétrica, não tem amparo da OMS. Já está comprovado que milhares de lesões podem acontecer como rompimento de órgão e costela”, afirma Prado.

Essa medida abre precedente para que os médicos utilizem essa prática rotineiramente e a paciente não consiga se proteger dessa manobra por falta de informação.

Exemplo de manobra de Kristeller

 

Episiotomia – Corte no períneo

Episiotomia é o nome que se dá ao corte no períneo que, supostamente, facilita a saída do bebê. Esse procedimento que, antigamente, era de rotina é cada vez mais desencorajado. Segundo a ginecologista, a maioria das pacientes evolui apenas para lacerações de primeiro e segundo graus, e até períneo íntegro. Já a episiotomia é uma laceração mais grave.

“Veja se faz sentido: Se a chance desse parto normal vai evoluir para lacerações mais tranquilas, por que eu vou fazer um corte forçando uma laceração mais grave?”, aponta a médica.

Local onde é realizado o corte da episiotomia

As consequências desse procedimento são dor, infecção e hematoma. Após a cicatrização, pode evoluir para fibrose, dor na relação sexual e alterar o aspecto da vulva. “Chega a ser uma sensação de mutilação no psicológico”, afirma a especialista.

Mariana reforça que não há evidências científicas  suficientes para definir as indicações para episiotomia, ou seja, “sofrimento fetal” conforme aponta o documento pode ou não ser um indicativo de uso do procedimento.

Por fim, a médica ressalta que a caderneta também deveria reforçar que a episiotomia só pode ser realizada com o consentimento da parturiente.

PT no Senado

A bancada do PT no Senado e a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) acionaram ontem, 12, o Ministério Público Federal (MPF) para solicitar a apuração, acompanhamento e tomada de providências diante da publicação da 6ª edição da Caderneta da Gestante por parte do governo Bolsonaro.

PT na Câmara

O deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), entrou com ação no Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a abertura de um procedimento de análise contra o Ministério da Saúde pela adoção da Nova Caderneta da Gestante. O petista pede ao subprocurador do órgão, Lucas Rocha Furtado, que investigue o documento por conta da promoção de práticas questionadas pela ciência e classificadas como violência obstétrica.

Ana Clara Ferrari, Agência Todas

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