Secretário chama negros de “escória maldita” e movimento pede sua renúncia

Presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, foi flagrado em conversa com auxiliares ofendendo ativistas e sacerdotes de religiões de matriz africana. Comportamento dele reflete exatamente as posições já externadas por Jair Bolsonaro em declarações de racismo descarado que nunca foram punidas pela Justiça

Site do PT

Zumbi dos Palmares

Enquanto crescem nos Estados Unidos e outros países as manifestações contra o racismo pela morte de George Floyd, no Brasil, o presidente da agência federal que deveria zelar pelo legado africano no país tornou-se alvo de protestos após o vazamento de uma conversa com auxiliares ofendendo o movimento negro e líderes de religiões de matriz africana, publicado no jornal ‘O Estado de São Paulo’ nesta terça (2).

Segundo a publicação, o encontro, ocorrido em 30 de abril, teve participação de outros dois servidores da fundação e serviu para tratar do desaparecimento de um celular corporativo de Camargo.

Nesta quarta (3), a organização Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) apresentou representação ao Ministério Público Federal (MPF) contra Camargo por crime de racismo e ofensa à legislação. O pedido de ação penal tem como base os áudios nos quais ele diz que o movimento negro é “escória maldita” e não vai destinar um centavo para terreiros, em referência aos locais usados para cerimônias de religiões de matriz africana.

Para a Educafro, Camargo estabeleceu critério “flagrantemente negativo às religiões de matriz africana”. Com isso, a entidade considera que ele incorreu no artigo 20 da Constituição que veda “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

“Ao afirmar categoricamente que as religiões de matriz africana não irão receber ‘um centavo’ da Fundação, Sérgio Camargo incorre na discriminação odiosa, violando, de sobremodo o Estatuto da Igualdade Racial e a Constituição da República”, diz o documento.

Responsável pela ação, o advogado Irapuã Santana afirmou que há “abuso da liberdade de expressão” por parte de Camargo, que acaba sendo veiculado ao crime. “Uma coisa é ele falar que não gosta das organizações negras, outra é ele ofender e fazer uma discriminação ao dizer que tenho esse dinheiro e não vou dar nunca aos terreiros. Isso está completamente vedado”, afirmou Irapuã ao ‘Estado de São Paulo’.

Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ)

Reações indignadas

No Twitter, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) deplorou as declarações de Camargo. “É inaceitável que pessoas despreparadas agridam instituições como a Fundação Palmares, que ajudei na criação, deviam se orgulhar. Fora, Sérgio Camargo! E leve junto seu ódio, despreparo e desrespeito. Viva Zumbi, Lélia González, Abdias Nascimento e tantos outros”, afirmou Benedita, em postagem com a hashtag #VidasNegrasimportam.

O senador Paulo Rocha (PT/AP) também se manifestou. “Enquanto o mundo se une contra o racismo, o presidente da Fundação Palmares destila todo o seu ódio contra o movimento negro. Ele e o governo não deixam dúvidas de que lado Bolsonaro está: dos fascistas”, afirmou em seu perfil no Instagram.

Uma petição criada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Distrito Federal (OABDF), no site Avaaz, pedindo a renúncia de Camargo, e que inicialmente pretendia reunir mil assinaturas, em menos de 24 horas dobrou a meta. Até às 16h desta quarta, já havia sido registrada a adesão de 2.030 pessoas.

O Coletivo Mulheres de Axé do Distrito Federal anunciou que prepara uma manifestação em Brasília na tarde desta quarta para que Camargo seja exonerado do cargo. Em nota, o grupo defendeu a Ialorixá Adna dos Santos, conhecida como Mãe Baiana. Uma das lideranças mais atuantes do candomblé na região, ela foi ofendida por Camargo no áudio.

Enquanto o mundo se une contra o racismo, o presidente da Fundação Palmares destila todo o seu ódio contra o movimento negro. Ele e o governo não deixam dúvidas de que lado Bolsonaro está: dos fascistas

Senador Paulo Rocha (PT-PA)

“Nós, do Coletivo Mulheres de Axé do Distrito Federal, mostramos o nosso completo repúdio às declarações do presidente da Fundação Palmares, que configuram atos de racismo e intolerância religiosa contra as comunidades tradicionais de matriz africana e contra a nossa querida Mãe Baiana (Adna dos Santos)”, diz a nota.

“Exigimos respeito e retratação desta instituição perante as ofensas criminosas cometidas contra nosso povo. Somos macumbeiras com orgulho, Sr. Sérgio. Macumbeiros são músicos, tocadores de um instrumento africano. Nosso Estado é laico e nossa ancestralidade, que habita este solo brasileiro e faz parte da religiosidade de muitas e muitos, merece proteção e respeito de TODOS os representantes do Estado”, acrescenta o texto.

Integrante do Coletivo Mulheres de Axé, a Ialorixá Darilene Ayrá escreveu em suas redes que é momento de os representantes das religiões de matriz africanas darem um basta a Camargo. “Como Iyalorisa, repudio a atitude do presidente da Fundação Palmares, que ao falar que os negros são vagabundos e escória da sociedade ofende a exatos 54% da população. Chega de racismo! Solidarizo com a Iyalorisa Mãe Baiana, sei que muitas vezes poderemos encontradas pedras no caminho, mas não vão nos calar. Os negros saíram das senzalas e agora frequentam a Casa Grande. É hora de nos unirmos: em nome dos negros, em nome dos Orisàs, em nome do Candomblé, em nome da Humanidade”, escreveu em seu perfil no Facebook.

Governo de racistas

Após a repercussão da fala, a Fundação Cultural Palmares enviou nota à imprensa lamentando “a gravação ilegal de uma reunião interna e privada”. Na nota, Camargo reitera que a fundação, em sintonia com o governo federal, “está sob um novo modelo de comando, este mais eficiente, transparente, voltado para a população e não apenas para determinados grupos que, ao se autointitularem representantes de toda a população negra, histórica e deliberadamente se beneficiaram do dinheiro público”.

A nomeação de Camargo para a presidência da Fundação Palmares ocorreu no fim de novembro de 2019 e causou uma onda de reações. O motivo foi uma série de publicações, nas redes sociais, em que o jornalista relativizou temas como a escravidão e o racismo no Brasil, além de ofender o líder libertário que dá nome à fundação.

Em 4 dezembro, a Justiça Federal do Ceará aceitou um pedido de ação popular e determinou a suspensão da indicação. Dias depois, o governo suspendeu o ato. Em fevereiro deste ano, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu a decisão da Justiça do Ceará, atendendo a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU).

Mas em pelo menos uma coisa Camargo está correto: ele age perfeitamente em sintonia com o presidente que o nomeou, um racista descarado que manifestou seu ódio em diversas ocasiões e jamais foi condenado por isso.

Sintonia com os Chefes

Em uma das ocasiões, Bolsonaro chegou a enfrentar um processo por danos morais devido ao que o então deputado federal disse numa palestra no Clube Hebraica, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em abril de 2017. O Ministério Público Federal (MPF) o processou por comentar que quilombolas não faziam nada e que o mais leve pesava sete arrobas.

Bolsonaro chegou a ser condenado a pagar R$ 50 mil de indenização, por decisão da primeira instância da Justiça Federal. Ele recorreu e a 8ª Turma especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio, o inocentou por unanimidade em setembro de 2018, entendendo que as declarações ocorreram no contexto da atividade parlamentar. Em 15 de maio do ano passado, o TRF-2 encerrou o processo contra o já presidente.

Essa não tinha sido a primeira vez que Bolsonaro demonstrou seu racismo publicamente. Perguntado por Preta Gil o que faria se seu filho casasse com uma mulher negra, Bolsonaro afirmou no programa televisivo ‘CQC’ que seu filho “foi bem criado”.

Em 2015, em entrevista para um jornal de Goiás sobre verba para as Forças Armadas, referiu-se a imigrantes de países pobres como “escória do mundo”. Quatro dias depois, abordou o uso do termo em um vídeo onde volta a adotar a palavra, desta vez para se referir a parcela dos imigrantes “de cultura completamente diferente da nossa”.

Na campanha de 2018, o candidato a vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, chamou de “mulambada” pessoas originárias de países emergentes aliados do Brasil durante uma palestra dirigida a empresários. Após a palestra, em entrevista, Mourão chegou a dizer que o termo foi usado por ele só para “agradar a plateia”. Mulambo é uma palavra de origem africana, usada durante o período escravagista no Brasil para se referir aos negros e ao modo como se vestiam.

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