Sem governo, inflação continuará a castigar as famílias em 2022
Agora “autônomo”, Banco Central deve repetir em 2022 o fracasso no controle da meta de 2021. Cada vez mais pessoas sacrificam gastos para poder pagar o gás e a luz
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O presidente do Banco Central “independente”, Roberto Campos Neto, terá que prestar contas à população. Indicado pelo ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, ele é obrigado por lei a enviar carta ao “posto ipiranga” explicando por que a inflação em 2021 ficará muito acima da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Será a sexta vez que isso ocorrerá desde a implementação do regime de metas inflacionárias, em 2001. Em 2021, a inflação disparou e chegou aos dois dígitos em 12 meses, algo que não ocorria desde 1994, quando o Plano Real foi implementado.
O texto será anunciado após os resultados consolidados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro e de 2021. A divulgação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), está programada para o próximo dia 11.
Conforme o instituto, o IPCA registrou alta de 10,74% no acumulado em 12 meses até novembro. Somente naquele mês, o índice chegou a 0,95%. Isso representa 27,14% do total da meta definida pelo CMN para todo o ano (3,5%). Considerado a prévia da inflação oficial, o IPCA 15 encerrou dezembro em 10,42%.
O Brasil tem a terceira maior inflação entre os países do G20, e para os analistas do mercado financeiro, ela deve continuar fora de controle neste ano. Eles reduziram a perspectiva de crescimento do Brasil para 2022, mas mantiveram o cenário de alta para a inflação na primeira pesquisa Focus do ano, divulgada pelo BC nesta segunda-feira (3).
Segundo o levantamento semanal, o Produto Interno Bruto (PIB) deve expandir 0,36% este ano, contra expectativa uma semana antes de crescimento de 0,42%. Em relação à inflação, ela se mantém na casa dos dois dígitos, em 10,01%. A taxa básica de juros (Selic) também deve encerrar 2022 em dois dígitos, a no mínimo 11,50%.
Na última reunião do ano passado, o Conselho de Política Monetária (Copom) do BC elevou a taxa básica de juros a 9,25%. O órgão volta a se reunir em 1 e 2 de fevereiro, quando deverá confirmar a previsão já anunciada de nova elevação da Selic, a sétima consecutiva desde março de 2021.
As seguidas altas dos juros, no entanto, não deverão conter a onda inflacionária, e o BC “independente” irá falhar novamente neste ano, apostam os especialistas do mercado. Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, “o BC não conseguirá cumprir a meta sem elevar muito os juros e levar o país a uma nova recessão“.
Agostini explica que a inflação tende a ficar acima da meta porque é estruturalmente alta. E, como a economia é muito indexada, dificilmente as futuras metas, decrescentes, serão cumpridas. “A inflação estrutural é elevada e os preços indexados fazem com que, no mínimo, uma alta de 2% do IPCA esteja contratada; o restante é estrutural”, avalia.
A economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, alerta para a inércia inflacionária devido, principalmente, à deterioração na área fiscal. “Mesmo com a desaceleração da economia, será difícil para a inflação retroceder em 2022”, frisa.
Gasto com vestuário e eletrodoméstico é adiado
Analistas avaliam que a inflação seguirá persistente devido a reajustes que devem ocorrer logo no início do ano, como tributos, tarifas de transporte público e mensalidades escolares. Além da manutenção, até abril, da bandeira tarifária de escassez hídrica — que adiciona R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos.
A energia, como os combustíveis, tem pesado no orçamento familiar, corroendo o poder de compra dos brasileiros. “Como as indústrias são os maiores consumidores de energia, a difusão é elevada e a inflação, persistente”, explica André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
“Tem muito preço que será orientado pela inflação de 2021, como mensalidades escolares, salários, contratos de locação, que devem dificultar uma desaceleração da inflação para a meta”, afirma o economista. Essa conta, inclui, ainda, aumento nas passagens de ônibus urbanos.
Uma pesquisa encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade ao Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) apontou que 40% da população brasileira deixa de comprar roupas, sapatos e eletrodomésticos para poder pagar as contas de gás e luz. Em todo o país, 22% da população reduziram a compra de alimentos básicos para continuar usando gás e energia elétrica. No Nordeste, o percentual sobe para 28%. O estudo foi apresentado no programa Fantástico, da TV Globo.
“A gente tem que escolher: passa um mês com a água e o outro mês com a luz”, disse a dona de casa Ana Carla Silva, moradora de Parnaíba (PI). Em novembro, o Ipec ouviu 2002 brasileiros com mais de 16 anos de idade, de todas as regiões do país. Segundo o levantamento, o gasto com gás e energia elétrica já compromete metade ou mais da renda de 46% das famílias, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
Causado pela política de dolarização dos preços da Petrobras, adotada por Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro, o aumento abusivo do preço do botijão de gás é o mais sentido pela população: 52% dos entrevistados pelo Ipec afirmam que entre as fontes de energia, o gás é o que mais pesa no bolso. “Eu uso carvão. Só cozinho coisas mais leves no gás, como fritar um ovo, fazer um café. Quando não dá para comprar o carvão, faço na lenha”, contou a comerciante Ana Lúcia Martins, de Boa Vista (RR).
“A América Latina já era a região mais desigual do mundo e o quadro social piorou em 2020 e 2021”, disse Alberto Ramos, economista e diretor de macroeconomia do Goldman Sachs para a América Latina, ao Valor Econômico. “Agora, velhos inimigos, como crescimento baixo e alta inflação, encenam retorno.”
Após um 2021 turbulento, com a revelação de que tanto Roberto Campos Neto quanto Paulo Guedes possuem empresas em paraísos fiscais no exterior, o presidente do BC “autônomo” lida ainda com uma rebelião de seus principais assessores. Nesta segunda, eles iniciaram um movimento de entrega de cargos de chefia em protesto contra a falta de previsão de reajuste salarial no Orçamento de 2022.
O ato vem após movimento semelhante dos servidores da Receita Federal, que observou debandada de mais de 900 profissionais. Servidores do BC veem com “indignação” a falta de reajuste, que beneficiará somente policiais federais.
Da Redação