Discurso de posse de Alberto Fernández
Confira aqui o discurso do novo presidente argentino traduzido livremente pela equipe da Secretaria de Relações Internacionais
Publicado em
Senhora Vice-Presidenta
Deputadas, Deputados e Senadores
Querido povo argentino,
O dia 10 de dezembro de cada ano não é um dia comum em nossa memória coletiva.
Hoje celebramos o momento em que toda a Argentina sepultou a mais cruel das ditaduras que tivemos de suportar. Naquele dia, trinta e seis anos atrás, Raúl Alfonsín assumiu a Presidência, abria-nos uma porta para o respeito à pluralidade de ideias e nos devolvia a institucionalidade que havíamos perdido.
Desde então, nosso país passou por momentos diferentes. Alguns mais plácidos e felizes e outros mais tristes e tumultuosos. Mas, de qualquer forma, sempre perseveramos na institucionalidade e, em toda crise que surgiu, soubemos enfrenta-la ela preservando o funcionamento da república.
Os argentinos aprendemos assim, que as debilidades e insuficiências da democracia são resolvidas apenas com mais democracia. Por isso hoje quero começar estas palavras reivindicando meu compromisso democrático que garanta a todos os argentinos, para além de suas ideologias, a convivência com respeito às divergências.
Quero dirigir-me muito pessoalmente a cada uma e cada um dos argentinos que habitam esta Pátria.
Faço isso perante os representantes desta Assembleia Legislativa, as autoridades de toda a comunidade internacional que nos visitam hoje e as diversas expressões de nossa vida em sociedade.
Não quero usar frases gastas ou artificiais.
Gostaria que minhas palavras expressassem, do modo mais fiel possível, o eco de milhões de vozes que ainda ressoam em toda nossa Argentina.
Da humildade dessa escuta, e da esperança que milhões de compatriotas expressaram nas urnas no dia 27 de outubro, convoco a unidade de toda a Argentina em prol da construção de um Novo Contrato de Cidadania Social.
Um contrato social que é Fraterno e Solidário.
Fraterno, porque chegou a hora de abraçar o diferente.
Solidário, porque nesta emergência social, é hora de começar pelos últimos, para depois poder chegar a todos.
Este é o espírito do tempo que começamos hoje.
Com sobriedade na palavra e expressividade nos fatos.
Venho convocá-los, sem distinções, para colocar a Argentina de pé. Para que comece a andar. Passo a passo. Com dignidade. Rumo ao desenvolvimento com justiça social.
Hoje, mais do que nunca, é necessário colocar a Argentina de pé como condição necessária para que ela volte a andar. Isso significa, antes de tudo, recuperar um conjunto de equilíbrios sociais, econômicos e produtivos que não temos hoje.
É hora de abandonar o atordoamento.
Sermos conscientes de que as feridas profundas que padecemos hoje precisam, para começar a curar, de tempo, de sossego e, acima de tudo, de humanidade.
Quero convocar esta Argentina Unida para lançar uma nova humanidade, que reconstrua os elos essenciais entre cada um de nós.
Por esse motivo, tenho a necessidade de compartilhar com vocês a convicção que sinto no momento sobre os grandes muros que temos que superar para colocar a Argentina em pé.
Temos que superar o muro do rancor e do ódio entre argentinos.
Temos que superar o muro da fome que deixa milhões de homens e mulheres fora da mesa que é comum a nós.
E, finalmente, temos que superar o muro de desperdício de nossas energias produtivas.
Esses muros, e não nossas ideias diferentes, são os que nos dividem neste tempo histórico.
Por isso, gostaria que essas palavras não fossem um monólogo, mas o convite a uma reflexão profunda e sincera sobre esse momento transcendental.
Superar as barreiras emocionais significa que todas e todos sejamos capazes de conviver na diferença e que reconheçamos que ninguém sobra em nossa nação, nem em sua opinião, nem em suas ideias, nem em suas manifestações.
Temos que suturar muitas feridas abertas em nossa Pátria. Apostar na fratura e na rachadura significa apostar que essas feridas continuem a sangrar. Agir desse modo seria o mesmo que nos empurrar para o abismo.
Eu o expresso da minha alma, tanto para quem votou em mim quanto para os que não o fizeram. Não conte comigo para continuar percorrendo o caminho do desencontro.
Quero ser o presidente capaz de descobrir a melhor faceta daqueles que pensam diferente de mim. E eu quero ser o primeiro a conviver com ele sem pairar em suas deficiências.
Quero ser capaz de corrigir meus erros, em vez de ficar no pedestal de um iluminado.
Venho convidá-los a construir essa sociedade democrática.
O sonho de uma Argentina unida não precisa de unanimidade. Muito menos uniformidade. Para alcançar o sonho de uma convivência positiva entre os argentinos, partimos do fato de que toda a verdade é relativa. “Talvez pela soma ou pela confrontação dessas verdades possamos alcançar uma verdade superadora”, disse corretamente Néstor Kirchner.
Ao dizer isso não ignoro que os conflitos que enfrentamos expressam interesses e disputas distributivas.
Mas também sou consciente de que, se agirmos de boa-fé, poderemos ser capazes de identificar prioridades urgentíssimas e compartilhadas para depois concordar sobre mecanismos que superem essas contradições.
Mais além das diferenças, tenho certeza de que todas e todos concordamos que começar a superar o muro de fraturas na Argentina implica criar uma ética das prioridades e emergências.
Começando pelos últimos, para alcançar todos.
Mais de quinze milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar em um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Precisamos de toda a Argentina Unida coloque um freio nessa catástrofe social. Um em cada dois meninas e meninos é pobre em nosso país.
Sem pão, não há presente ou futuro. Sem pão a vida apenas padece. Sem pão não há democracia nem liberdade.
Por isso, a primeira reunião oficial de nosso governo consistirá em uma reunião de trabalho sobre essa prioridade, o Plano Integral Argentina Contra a Fome. Lá todo o nosso gabinete e as personalidades da sociedade civil que generosamente se uniram ao nosso chamado, começaremos a ação que ponha fim nesse doloroso presente.
Mas não seria sincero diante de você se eu não compartilhasse outra convicção: os marginalizados e excluídos de nossa Pátria, os afetados pela cultura do descarte, não precisam apenas que lhes demos um pedaço de pão aos pés de nossa mesa. Necessitam ser parte e comer na mesma mesa. Da grande mesa de uma Nação que deve ser nossa “casa comum”.
Isso exige que reorientemos as prioridades em nossa economia e em nossa estrutura produtiva.
A solidariedade na emergência tem muitas faces.
As economias familiares estão sufocadas por altos níveis de endividamento, a taxas usurárias e, em alguns casos, com esquemas de juros diários.
Hoje, nossos compatriotas fizeram empréstimos para comprar alimentos e remédios ou pagar as contas de serviços públicos. Avós e avôs se endividaram para comprar remédios e começaram a comer menos e pior.
A situação das PMEs também tem proporções dramáticas, requerendo um alívio fiscal e estímulos adequados.
A capacidade ociosa de nossas fábricas, indústrias e negócios também constitui um desperdício de energia produtiva.
Queremos um Estado presente, construtor de justiça social, que dê ar às economias familiares: por isso que vamos implementar um sistema maciço de empréstimos não bancários que conceda empréstimos a juros baixos.
A economia popular e seus movimentos organizados, o cooperativismo e a agricultura familiar também serão atores centrais dessas políticas públicas.
A cultura do trabalho se garante criando empregos formais com todos os benefícios da seguridade social. Por isso, implementaremos ações que facilitem a todos os titulares de salário social complementar possam inserir-se no mundo do emprego e cobrar por seu trabalho.
Hoje, o desemprego afeta quase 30% dos jovens e, em taxas ainda mais altas, às mulheres jovens. Existem mais de 1.200.000 de jovens que não estudam ou trabalham. Devemos garantir o direito ao primeiro emprego, por meio de subsídios financiados pelo Estado, para que os jovens se capacitem e trabalhem em empresas, PMEs, organizações sociais e na economia popular e na agricultura familiar.
A ideia de um Novo Contrato de Cidadania Social supõe unir vontades e articular o Estado com as forças políticas, os setores produtivos, as confederações de trabalhadores, os movimentos sociais, que incluem o feminismo, a juventude e o ambientalismo. Acrescentaremos também o arcabouço científico-tecnológico e os setores acadêmicos.
Estou certo de que todos concordamos que chegamos a essa situação porque políticas econômicas muito ruins foram aplicadas. Essa série de decisões econômicas foram determinantes para que o povo argentino, em sua maioria, as desqualificasse nas últimas eleições.
Pela fidelidade ao mandato popular, promoveremos um conjunto de medidas econômicas e sociais de natureza distinta que começam a reverter o rumo estrutural do atraso social e produtivo.
Nos próximos dias, convocaremos trabalhadores, empregadores e várias expressões sociais para a implementação de um conjunto de Acordos Básicos de Solidariedade na Emergência, que constituem a base sólida a partir da qual se voltarão acender os motores da nossa economia.
Estaremos planteando nesta convocatória uma série de medidas para restabelecer os indispensáveis equilíbrios macroeconômicos, sociais e produtivos para que a Argentina se acenda e possa caminhar novamente.
Sabemos que percorreremos um caminho estreito, complexo e desafiador, onde não há lugar para dogmas mágicos ou forças sectárias.
Faltaria com a verdade e com a responsabilidade, se eu não compartilhasse com vocês o cenário exato em que assumimos hoje. Há cifras e dados contundentes provenientes da administração que está de saída. E é a informação indispensável para entender os desafios que teremos que assumir como sociedade.
Se eu não fizesse isso, não poderia explicar por que levará algum tempo para alcançar o que todos queremos.
A inflação que temos atualmente é a mais alta dos últimos 28 anos. Desde 1991 a Argentina não tinha inflação acima de 50%.
A taxa de desemprego é a mais alta desde 2006.
O valor do dólar passou de US$ 9 para US$ 63 em apenas quatro anos.
A Argentina não para de encolher sua economia. O PIB de 2019 é o mais baixo da última década.
A pobreza atual está nos valores mais altos desde 2008. Retrocedemos mais de dez anos na luta para reduzir a pobreza.
O PIB per capita é o menor desde 2009.
A dívida externa em relação ao PIB está em seu pior momento desde 2004.
Os atuais sem-teto estão nos valores mais altos desde 2008.
O nível de produção industrial hoje é equivalente ao de 2006: recuamos treze anos.
O emprego industrial registrado tem o nível de 2009.
O número de empresas é equivalente ao registrado em 2007: retrocedemos doze anos. Vinte mil empresas foram fechadas em quatro anos. Destas, 4.229 eram empresas industriais.
O PIB industrial caiu 12,9%, comparando o primeiro semestre de 2019 com o mesmo período de 2015.
23 dos 24 ramos da indústria reduziram seu nível de atividade em 2018 em comparação a 2015.
Nesses quatro anos, mais de 141 mil empregos registrados no setor privado foram perdidos na indústria.
Em termos interanuais, o emprego industrial registrado leva 42 meses consecutivos de destruição.
Por trás desses números terríveis, existem seres humanos com expectativas dizimadas.
Temos que dizer com todas as letras: a economia e o tecido social hoje estão em um estado de extrema fragilidade, como produto dessa aventura que propiciou a fuga de capitais, destruiu a indústria e esmagou as famílias argentinas.
Em vez de gerar dinamismo, passamos da estagnação para uma queda livre.
Nesse contexto, decidi que não daremos tratamento parlamentar ao Orçamento Nacional projetado pelo antigo governo para o ano 2020. Seus números não refletem nem a realidade macroeconômica, nem as realidades sociais, nem os compromissos de dívida que realmente foram assumidos.
Um orçamento adequado só pode ser projetado quando a negociação de nossas dívidas estiver concluída e, ao mesmo tempo, pudermos colocar em prática um conjunto de medidas econômicas, produtivas e sociais para compensar o efeito da crise na economia real.
A Nação está endividada, com um manto de instabilidade que descarta qualquer possibilidade de desenvolvimento e deixa o país refém dos mercados financeiros internacionais.
Temos que contornar esse cenário. Para colocar a Argentina em pé, o projeto deve ser próprio e implementado por nós, não ditado por alguém de fora com receitas repetidas que sempre fracassaram.
A Argentina que procuramos construir é uma Argentina que cresça e inclua. Uma Argentina onde haja incentivos para produzir e não para especular.
Uma Argentina com uma visão do Projeto Nacional de Desenvolvimento, na qual a agroindústria, a indústria manufatureira, os serviços baseados em conhecimento, as PMEs, as economias regionais e todo o conjunto das atividades produtivas sejam capazes de agregar valor às nossas matérias-primas para exportá-las e potencializar um robusto mercado interno.
Portanto, os Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência serão o ponto de partida para deter a queda livre da situação que recebemos. Sairemos desse quadro com consenso e de maneira gradual e sustentada.
É fundamental recuperar a economia. Uma macroeconomia ordenada é uma condição necessária para dar lugar à criatividade de políticas em prol do desenvolvimento. Não há progresso sem ordem econômica.
Para reordenar a economia precisamos sair da lógica de mais ajustes, mais recessão e mais dívidas que foram impostas nos quatro anos que terminam hoje. Nessa ação de reordenamento protegeremos os setores mais vulneráveis.
Neste presente que enfrentamos, os únicos privilegiados serão aqueles que ficaram presos no poço da pobreza e da marginalização.
Precisamos aliviar a carga da dívida para mudar a realidade. Devemos voltar a desenvolver uma economia produtiva que nos permita exportar e, assim, gerar capacidade de pagamento.
Quero que todos compreendamos que o governo que acaba de terminar seu mandato deixou o país em uma situação virtual default. Por alguns momentos sinto estar atravessando o mesmo labirinto que nos padeceu em 2003 e do qual pudemos sair com o esforço do conjunto social.
Nosso plano de Acordos Básicos de Solidariedade na Emergência busca solucionar esta situação de desordem para garantir consistência econômica e social à nossa recuperação.
A integralidade do que propomos em matéria de todas as variáveis do plano – preços, salários, contas, taxa de câmbio, aspectos monetários, fiscais e sociais – será explicitada nos próximos dias, convocando todos os setores envolvidos.
Apelo à responsabilidade e ao patriotismo de todos.
Recebemos um país frágil, prostrado e lastimado.
É o momento da vocação compartilhada que busca um país que ofereça um destino melhor para todos.
O plano macroeconômico que buscamos é uma peça central, mas não isolada, de um Projeto Nacional de Desenvolvimento que inclui várias áreas inter-relacionadas. Trabalharemos simultaneamente em novos eixos para transformar nossa estrutura produtiva, com políticas ativas responsáveis pela mudança tecnológica vertiginosa que enfrentamos, pela interrelação entre indústrias, recursos naturais e serviços.
Vamos enfrentar o problema da dívida externa. Não há pagamentos de dívida que se possa sustentar se o país não cresce. Tão simples como isto: para poder pagar, deve que crescer.
Buscaremos uma relação construtivo e cooperativa com o Fundo Monetário Internacional e com nossos credores. Resolver o problema de uma dívida insustentável que tem hoje a Argentina não é uma questão de vencer uma disputa contra ninguém. O país tem vontade de pagar, mas carece de capacidade para fazê-lo.
O governo cessante assumiu uma imensa dívida sem gerar mais produção para obter os dólares essenciais para pagá-la. Os credores assumiram um risco investindo em um modelo que fracassou em todo o mundo vez ou outra. Queremos resolver o problema e, para isso, precisamos que todas as partes trabalhemos responsavelmente.
Não vamos repetir a triste história de missões de técnicos imprudentes que prometem planos que não podem cumprir e tomam decisões que mais tarde acabam comprometendo o destino de milhões de argentinas e argentinos.
Seriedade na análise e responsabilidade nos compromissos assumidos para que os mais fracos deixem de sofrer. Sob essas premissas, assumiremos toda negociação de nossa dívida.
Há outro equilíbrio básico que precisamos construir: o equilíbrio federal e territorial.
A Argentina precisa terminar uma estrutura que mostre um país “central” rico e pujante e um país “periférico” que busca se desenvolver a partir das concessões mínimas que o país “central” oferece. Não pode haver argentinos de primeira e argentinos de segunda. A Argentina é uma e deve, em conjunto, propender a desenvolver todas e cada uma de suas regiões. Esse é o desafio que enfrentamos e devemos superar.
Vamos implementar esses Acordos Básicos de Solidariedade na Emergência contando também com a participação dos governadores de todo o país, com um critério federal inovador, em uma chave produtiva e social, mais além do meramente fiscal.
Levaremos uma parte substancial da atividade política e administrativa do Estado Nacional às províncias, criando capitais alternativas, para que a realidade desses lugares de nossa Pátria possa ser o cerne dos decisores de políticas, na mídia, e adquirir, por sua vez, a visibilidade que não tiveram durante décadas.
Também realizaremos uma análise exaustiva para descentralizar e/ou relocalizar em diferentes províncias as agências do Estado Federal.
Assim como agora o Instituto Nacional de Viticultura funciona na Província de Mendoza e o Instituto Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro na cidade de Mar del Plata, devemos pensar em várias alternativas que garantam um novo federalismo.
Colocaremos a Argentina de pé, com uma infraestrutura federal de qualidade, sustentável e sustentável, promovendo o desenvolvimento regional e criando juntos milhares de empregos em cooperativas de serviços, pequenas e grandes empresas.
Implementaremos em todo o país um Plano de Reativação de Obras Públicas, que estejam associados ao desafio ecológico e nos permita melhorar um ecossistema de relações ambientais, sociais e produtivas.
Serão projetos de execução rápida e com grande uso de mão-de-obra local, visando melhorar a segurança das vias e a acessibilidade, o planejamento urbano e territorial, a construção e a manutenção de edifícios públicos, a infraestrutura hidráulica, entre outros.
Nosso compromisso é garantir absoluta transparência na administração de recursos destinados a obras públicas. Os cidadãos poderão acessar todas as informações sobre o projeto da obra, seus custos, o processo de licitação e seleção da empresa executora, monitorar o andamento e denunciar irregularidades.
Desenvolveremos um ambicioso plano de regularização de terrenos e construção de moradias. É inaceitável pensar que em pleno século XXI milhões de argentinos não tenham um teto para se abrigar. O novo Ministério do Meio Ambiente e Habitação foi instituído com o objetivo de solucionar essas deficiências.
Atenderemos a saúde dos argentinos através do Ministério que antes se degradava. A negligência que nesses anos sofreu saúde na Argentina está à vista. Doenças que acreditávamos banidas reapareceram entre nós. A partir de agora, arbitraremos as medidas pertinentes para que nossos filhos sejam vacinados em tempo hábil, para que não faltem suprimentos nos hospitais e para que os remédios cheguem aos nossos avós com menos renda gratuitamente.
Todos esses desafios devem ser enfrentados em um contexto internacional convulsionado. A Argentina não deve isolar-se e deve integrar-se à globalização. Mas deve fazê-lo de maneira inteligente, preservando a produção e o trabalho nacionais.
Queremos uma diplomacia comercial dinâmica que seja politicamente inovadora. Por isso, em matéria de relações internacionais, lançaremos uma integração plural e global.
Plural, porque a Argentina é terra de amizade e relações maduras com todos os países.
Global, porque essa integração é com o mundo e com o local ao mesmo tempo. Uma Argentina inserida na globalização, mas com raízes em nossos interesses nacionais. Nem mais nem menos que todos os países desenvolvidos fazem para promover o bem-estar de seus habitantes.
Nosso Ministério das Relações Exteriores estará focado em conquistar novos mercados, motorizar as exportações, gerar uma ativa promoção produtiva de investimentos estrangeiros diretos, que contribuam para modificar processos tecnológicos e para gerar emprego.
Nessa globalização, também sentimos a América Latina como nosso “lar comum”.
Fortaleceremos o MERCOSUL e a integração regional, em continuidade ao processo iniciado em 1983 e potencializado desde 2003.
Com a República Federal do Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, na área tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam a conjuntura.
Vamos honrá-la, avançaremos juntos na construção de um futuro de progresso compartilhado.
Continuamos apostando em uma América Latina unida, para nos inserirmos com sucesso e com dignidade no mundo. Em 1974, o general Juan Domingo Perón assinalava que “a níveis nacionais, ninguém pode se realizar em um país que não se realiza. Da mesma forma, a nível continental, nenhum país poderá se realizar em um continente que se não realize”.
Sabemos que se trata de um mundo altamente complexo. Com graves problemas e desequilíbrios econômicos. Os movimentos autoritários cresceram em vários países, houve golpes de Estado e, ao mesmo tempo, em vários países, crescentes reivindicações dos cidadãos contra o neoliberalismo e a desigualdade social.
Em qualquer cenário, a Argentina elevará seus princípios de paz, de defesa da democracia e de plena vigência dos direitos humanos. Defenderemos a liberdade e autonomia dos povos para decidir seus próprios destinos.
Reafirmamos nosso mais firme compromisso com o cumprimento da Cláusula Transitória 1ª da Constituição Nacional e trabalharemos incansavelmente para fortalecer “… a legítima e imprescritível reivindicação pela soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos e insulares correspondentes… “
Faremos isso sabendo que nos acompanham os povos da América Latina e do mundo e convencidos de que o único caminho possível é o da paz e da diplomacia. Honraremos a memória daqueles que se foram na luta pela soberania. Faremos isso trabalhando para a solução pacífica da disputa e com base no diálogo que propõe a Resolução 2065 das Nações Unidas.
Não há mais lugar para colonialismos no século XXI.
Sabemos que esta tarefa não atinge o mandato de um presidente ou de um governo. Exige uma política estadual de médio e longo prazo. Por isso, convocarei um Conselho na órbita presidencial, onde participem todas as forças políticas, a Província da Terra do Fogo, representantes do mundo acadêmico e ex-combatentes. Seu objetivo será construir um consenso nacional para projetar e executar as estratégias que permitam conduzir com sucesso a reivindicação além dos calendários eleitorais.
Defenderemos nossos direitos soberanos sobre as Ilhas Malvinas, a plataforma continental, a Antártida argentina e os recursos naturais que essas extensões possuem porque pertencem a todos os argentinos.
A Argentina precisa de uma política ambiental ativa, que promova a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, consumo responsável e valorização dos ativos naturais.
Nessa busca, somos inspirados pela Encíclica “Laudato Si” de nosso querido Papa Francisco, uma Magna Carta ética e ecológica em nível universal. Por isso, tomamos como primeira decisão hierarquizar como Ministério a área ambiental.
Reafirmamos nosso compromisso com o Acordo de Paris, promovendo o desenvolvimento integral e sustentável mediante uma transição justa que garanta que ninguém seja deixado para trás. Essas medidas são essenciais para atender as vulnerabilidades do país, em particular dos setores mais desprotegidos, que são os que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. Precisamos ordenar as condições para a conservação e uso racional dos recursos ambientais, das florestas e da biodiversidade, pântanos e solos, do mar e seus recursos.
Queridas argentinas, queridos argentinos:
Simultaneamente com solidariedade na emergência, enviaremos ao Parlamento nos próximos dias as bases legislativas para institucionalizar um Conselho Econômico e Social para o Desenvolvimento, que será o órgão permanente para projetar, criar consenso e consagrar um conjunto políticas de estado para a próxima década.
Daremos a ele status legislativo e proporemos que suas mais altas autoridades sejam eleitas com acordo parlamentar, por um período de gestão que transcenda nosso mandato.
Pretendemos que, neste campo plural, sejam criados os grandes pilares institucionais e produtivos de médio e longo prazo – sem discussões conjunturais – para um desenvolvimento humano integral e inclusivo.
Esperamos que, a partir deste Conselho se desenvolvam debates informados, com evidências científicas, com participação criativa, com o concurso de técnicos e profissionais de toda a Argentina que possam inspirar a construção de diferentes rumos.
Sabemos que nosso país não se destaca por ter tido políticas de Estado. Desde 1983 há apenas duas constantes. A decisão irrevogável de viver em uma sociedade democrática e a vontade de integrar-nos regionalmente.
Temos a responsabilidade de assumir como políticas de Estado outros imperativos morais irrevogáveis da sociedade argentina. Desde 1983, a sociedade trabalha para o Nunca Mais ao terrorismo de Estado, para alcançar Memória, Verdade e Justiça. Os primeiros avanços foram alcançados em 1983 e muitos outros foram retomados em 2003. E impediu-se coletivamente qualquer revés nessa área. Estamos orgulhosos como sociedade de ter Forças Armadas comprometidas com a democracia.
Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. E hoje, novamente, a Argentina volta a comprometer-se com o respeito aos direitos do homem e em elevar esse compromisso como uma bandeira inflexível em qualquer país do mundo.
Melhorar a qualidade dos direitos humanos e cívicos também implica superar essa má qualidade institucional em que vivemos.
É tempo de cidadanizar a democracia. Temos uma democracia com contas pendentes e sinto que expresso uma geração que chega ao poder neste momento para resolvê-las.
Uma democracia sem justiça realmente independente não é democracia.
Disse um clássico penalista que, quando a política entra nos tribunais, a justiça escapa pela janela.
Sem uma justiça independente do poder político, não há república ou democracia. Existe apenas uma corporação de juízes atenta para satisfazer o desejo dos poderosos e punir sem razão àqueles que o enfrentam.
Vimos a deterioração judicial nos últimos anos. Vimos perseguições indevidas e detenções arbitrárias induzidas pelos governantes e silenciadas por certa complacência da mídia.
É por isso que hoje venho manifestar diante desta Assembleia e diante de todo o povo argentino, um contundente Nunca Mais.
Nunca Mais a uma justiça contaminada por serviços de inteligência, “operadores judiciais”, procedimentos obscuros e linchamentos midiáticos.
Nunca mais a uma justiça que decide e persegue de acordo com os ventos políticos do poder da vez.
Nunca mais a uma justiça que é usada para resolver discussões políticas, ou a uma política que judicializa os dissensos para eliminar o adversário da vez.
Digo isso com firmeza de uma decisão profunda: nunca mais é nunca mais.
Porque uma justiça demorada e manipulada significa uma democracia assediada e negada.
Queremos uma Argentina onde se respeite estritamente a Constituição e as leis. Queremos que não haja impunidade, nem para um funcionário corrupto, nem para quem o corrompe, nem para quem viola as leis. Nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, está isento da igualdade perante a lei.
E nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, pode estabelecer que outro é culpado se não houver devido processo e firme condenação judicial.
Quando se pressupõe a culpa de uma pessoa sem condenação judicial, se está violentando não apenas a Constituição, mas também os princípios mais elementares do Estado de Direito.
Para superar esse muro que o único que garantiu na Argentina é a impunidade estrutural, nos próximos dias, enviaremos ao Parlamento um conjunto de leis que estabelecem uma reforma integral do sistema federal de justiça.
Ao mesmo tempo, estaremos reorganizando e concentrando os esforços da justiça de modo que se possa enfatizar com eficácia e transparência a investigação do crime organizado, do crime complexo e do narcotráfico, que são flagelos que devemos abordar com caráter sistêmico.
Trata-se de aproveitar valiosos e majoritários recursos existentes hoje em nosso sistema de Justiça, de modo a acabar com a mancha abominável que um setor minoritário provoca à credibilidade das instituições.
No mesmo sentido de transformação profunda, decidi que a Agência Federal de Inteligência deveria intervir para promover uma reestruturação de todo o sistema de inteligência e de informação estratégica do Estado.
Como passo imediato, ordenarei a revogação do Decreto 656 de 2016, que foi uma das primeiras e penosas medidas que a administração anterior promoveu e que significou consagrar o segredo pelo uso dos fundos reservados por parte dos agentes de inteligência do Estado.
No marco da revogação desta medida, que significou um lamentável retrocesso institucional, também tomei outra decisão: esses fundos reservados não apenas deixarão de ser secretos, como serão realocados para financiar o orçamento do Plano Contra a Fome na Argentina.
Faremos o mesmo com o restante dos fundos reservados que o atual orçamento nacional hoje prevê para as outras forças armadas e de segurança, que serão mantidas como tal na medida indispensável, somente quando demandas estritíssimas de defesa e segurança o exigirem, e sempre com o máximo nível de controle parlamentar.
Eu digo e reitero com a firmeza de uma convicção profunda.
Nunca mais para o Estado secreto.
Nunca mais para a escuridão que quebra a confiança.
Nunca mais para os porões da democracia.
Nunca mais é nunca mais.
Nesse contexto, anuncio também que, nas próximas semanas, enviaremos ao Parlamento e submeteremos ao debate informado da sociedade civil e especialistas de todo o país uma proposta de transformação e coordenação estrutural de toda a política de segurança cidadã e prevenção à violência.
Aspiramos que seja não apenas uma política de Estado, mas também uma política da sociedade. Concertada, plural, integral e cogerida, além do prazo de nosso mandato, entre todos os atores do sistema político. Para evitar os pêndulos perigosos que não fazem mais que questionar a credibilidade das instituições.
Queremos colocar a Argentina de pé. E nesse objetivo também devem estar incluídas nossas forças armadas.
Para isso, eles devem ser capacitadas e equipadas, alistadas e treinadas, para o cumprimento da missão principal e das missões secundárias.
Queremos uma política de defesa autônoma, defensiva e cooperativa, articulada principalmente com os países da região, com os quais não temos mais hipóteses de conflito.
Estamos convencidos de que ciência, tecnologia, produção para Defesa e defesa cibernética podem se tornar vetores fundamentais do desenvolvimento nacional.
Queremos que o Sistema de Defesa continue apoiando a política antártica nacional, sendo nosso país o com a maior presença ininterrupta tem no continente branco e o que mais bases possui. Lá, a contribuição logística das forças armadas possibilita que centenas de cientistas e pesquisadores realizem suas tarefas, mesmo em situações extremas.
Continuaremos com as missões de manutenção da paz no âmbito de nossa membresia na Organização das Nações Unidas.
Como Comandante em Chefe, quero dizer claramente às nossas forças armadas: temos uma enorme oportunidade de olhar para o futuro e fazer da política de Defesa uma verdadeira política de Estado, com um amplo consenso das forças políticas e um forte compromisso com a Constituição Nacional.
Cidadanizar a democracia também é respeitar a liberdade de expressão e todas as opiniões expressas nos meios de comunicação de massa.
Em tempos de operações de intoxicação com notícias falsas por meio de redes sociais, precisamos mais do que nunca mídias vibrantes, comprometidas com informações de qualidade.
A mídia está agora imersa em uma mudança tecnológica exponencial que, quando desafiada, também desafia nossa democracia. Nosso governo assume o compromisso de acompanhá-los com independência nessa transição. E de consolidá-los como uma grande indústria do conhecimento.
Nesta dimensão de pleno respeito, vamos pedir uma melhor qualidade institucional em nosso relacionamento com a mídia, por meio da reformulação do que tem sido até hoje o manejo da pauta de publicidade do Estado.
O governo que terminou hoje gastou um total de 9.000 milhões de pesos em propaganda oficial.
Um despropósito de propaganda do Estado em um país com fome de pão e fome de conhecimentos.
Queremos uma imprensa independente do poder e independente dos recursos que a vinculam ao poder.
Portanto, reorientaremos o orçamento de publicidade do Estado para outros critérios.
Queremos que ele pare de servir a propaganda do Estado para que passem a servir ao melhoramento da qualidade educacional.
Não cortaremos esse número enorme na sua totalidade, porque isso afetaria o movimento empresarial de nossa mídia. Mas vamos reorientá-lo.
Queremos que os anúncios pagos pelo nosso governo, em vez de propaganda, ajudem a melhorar o processo de aprendizagem de nossos jovens.
Para que a matemática, a história, a literatura, a física e as ciências de nossos currículos escolares possam ser ensinadas de maneira mais eficaz e criativa, por meio de conteúdo desenvolvido e disseminado pelas diretrizes publicitárias que são acionadas com recursos estatais.
Não queremos propagandas pagas com o dinheiro de todos para elogiar os benefícios do governo da vez.
Vamos investir o orçamento da publicidade oficial para publicar na mídia avisos que serão ferramentas pedagógicas que nos ajudarão a melhorar o desempenho educacional de nossos jovens em todo o país. Temos que colocar esses recursos a serviço de ditar conteúdos mais acessíveis e mais adaptados às demandas modernas.
Nas próximas semanas, convidaremos as instituições jornalísticas de todo o país para que se somem com seu talento a essa proposta e se comprometam com professores, cientistas, pedagogos e especialistas em educação com o objetivo de melhorar a qualidade educacional.
O sistema de mídia estatal – rádio, televisão, agências de notícias, espaços culturais – também contribuirá para esse objetivo prioritário. Mais e melhor educação para todas e todos.
E também promoveremos que todas as jurisdições e outros poderes do Estado do país, com um critério federal, se somem a esse propósito.
Não haverá verba do Estados para financiar programas individuais de jornalistas. Apenas se destinarão para instituições jornalísticas. No relacionamento com jornalistas, mais do que nunca faz sentido essa frase que “relatos claros preservam a amizade e o respeito”.
No mesmo contexto de inovação, proporemos uma Grande Escola de Governo, com altíssima excelência acadêmica, como eixo de um processo de profissionalização, mérito e carreira administrativa no âmbito do Estado Nacional.
Promovemos todas essas decisões porque entendemos que um Novo Contrato de Cidadania Social implica em iniciar uma gestão educacional, científica e tecnológica. Como Arturo Frondizi disse uma vez, devemos lançar-nos “com determinação e coragem à conquista do futuro”.
Colocaremos todos os esforços necessários para universalizar a educação na primeira infância, para que todas as nossas meninas e meninos, de 45 dias até os cinco anos, aprendam, brinquem e convivam nesse espaço fundamental para o seu futuro como pessoas e para o nosso futuro como nação que é a escola.
Não descansaremos até que um garoto em uma área rural tenha o mesmo acesso a uma educação transformadora que uma garota em um centro urbano, viva na região do país em que viva. Hoje há regiões em que três em cada dez crianças não iniciam seus estudos antes dos cinco anos e outras em que metade não o faz antes dos quatro anos.
Da mesma forma, teremos como prioridade avançar na extensão da jornada escolar, uma iniciativa fundamental para romper as desigualdades de origem. Começaremos com as escolas frequentadas por meninas, meninos e jovens de setores que mais precisam do Estado, que já não podem esperar mais.
Nada disso será possível se não valorizarmos a parte mais importante deste sonho que temos em nossas mãos: queremos que cada professor e cada professora desejem ser os educadores do futuro, o motor da mudança e transformação da nossa sociedade. Melhorar as condições de trabalho e garantir treinamento inicial e permanente deve ser uma prioridade.
Durante o meu governo estabeleceremos as bases de um grande Pacto Educacional Nacional, com todos os atores da comunidade educativa e da sociedade.
E isso não é letra morta de um discurso.
A Argentina se tornou valiosa quando Alberdi e Sarmiento trabalharam para tornar a educação pública. Ela ficou rica com a Reforma Universitária. Tornou-se mais potente quando o justicialismo declarou a gratuidade da educação universitária.
Reivindicamos pesquisa científica e tecnológica porque nenhum país pode se desenvolver sem gerar conhecimento e sem facilitar o acesso da sociedade ao conhecimento. Decidi que em nosso governo a respectiva área recuperará sua hierarquia ministerial que nunca deveria ter perdido.
Juntamente com o movimento trabalhador organizado, a espinha dorsal do acordo social, também promoveremos um essencial fortalecimento da formação para os trabalhos do presente e do futuro. Queremos que a mudança tecnológica tenha alma, esteja a serviço de viver bem, que multiplique produtividade, inclusão e equidade.
Não quero concluir sem mencionar enfaticamente que nesses próximos quatro anos farei todos os esforços necessários para que estejam em primeiro plano os direitos das mulheres. Buscaremos reduzir, por meio de vários instrumentos, as desigualdades de gênero, econômicas, políticas e culturais. Daremos especial ênfase a todas as questões relacionadas ao cuidado, fonte de muitas desigualdades, já que a maior parte do trabalho doméstico recai sobre as mulheres na Argentina como em outros países.
Nem Uma a Menos deve ser uma bandeira de toda a sociedade e de todos os poderes da república. O Estado deve reduzir drasticamente a violência contra as mulheres até sua total erradicação.
Também em nossa Argentina há muito sofrimento pelos estereótipos, pelos estigmas, pelo modo de se vestir, pela cor da pele, pela origem étnica, pelo gênero ou orientação sexual. Abraçaremos a todos que são discriminados. Porque qualquer ser humano, qualquer um de nós, pode ser discriminado pelo que é, pelo que faz, pelo que pensa. E essa discriminação deve se tornar imperdoável.
Nossa ética política reivindica os valores da solidariedade e da justiça. A crise afeta a todos os argentinos. Quero me dirigir um momento também àqueles que estão em uma situação econômica melhor. Aos argentinos que, por seu esforço ou por qualquer motivo, têm uma situação mais agradável.
Em um contexto de extrema gravidade, de emergência, devemos compreender que não há possibilidade de pedir sacrifícios para quem tem fome; não se pode pedir sacrifícios a quem não chega ao final do mês. Devemos sair dessa situação com solidariedade, para que, quando a economia estiver pulsante, todos os setores, sem exceção, possam ver-se beneficiados. Mas, até eliminarmos a fome, pediremos maior esforço solidário para aqueles que têm mais capacidade de fazê-lo.
Começar pelos últimos, para alcançar todos.
E assim, propomos uma Argentina onde o abraço cresça, se multiplique, porque precisamos nos unir. Se conseguirmos deter o ódio, podemos deter a queda da Argentina.
A primeira e principal libertação como país é conseguir que o ódio não tenha poder sobre nossos espíritos. Que o ódio não nos colonize. Esse ódio não signifique uma derrota de nosso povo vivendo em comunidade.
Quero terminar agradecendo profundamente a generosidade e destacando a visão estratégica que nossa vice-presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, expressou neste momento na Argentina.
Permitam-me também recordar neste momento de três pessoas que me significaram na vida.
Quero lembrar minha mãe que me marcou com seu exemplo.
Quero lembrar a Esteban Righi, que incutiu em mim como ninguém os melhores valores do Estado de Direito.
E quero lembrar Néstor Kirchner, que em 2003 me permitiu participar da maravilhosa aventura de tirar a Argentina da prostração.
Quero também agradecer a todas minhas companheiras e companheiros do espaço político que nos levou à vitória, pela permanente dedicação e militância.
Muitas vezes me pergunto nestes dias por que gostaria que nosso governo fosse lembrado no futuro.
Quero que sejamos lembrados por termos sido capazes de ajudar a voltar a reunir à mesa familiar. Que as diferenças políticas lógicas e saudáveis que podem existir em uma família possam dialogar em paz e respeito, sem divisões ou brigas.
Gostaria que sejamos lembrados por podermos superar a ferida da fome na Argentina, que é um insulto ao nosso projeto coletivo de vida comum.
Gostaria que sejamos lembrados por podermos superar a lógica perversa de uma economia que gira em torno da desorganização produtiva, da ganância, da especulação e da infertilidade para as maiorias.
Gostaria que deixássemos como marco ter reconstruído a casa comum com um grande projeto nacional, um Acordo Estratégico para o Desenvolvimento, do qual nos sintamos orgulhosos.
Portanto, desejo que as palavras finais da minha primeira mensagem como Presidente de toda a Argentina não constituam uma resposta, mas uma pergunta.
As respostas sem perguntas são como árvores sem raízes. E somente no encontro entre as perguntas e as respostas é que nossas palavras adquirem vida real.
Seremos capazes, como Argentina Unida, de atrevermos a construir essa serena e possível utopia para a qual nos chama hoje a história?
Seremos capazes como sociedade?
Seremos capazes como dirigentes?
Eu quero ser o Presidente da escuta, do diálogo, do acordo para construir o país de todos.
Dias atrás um amigo destacou a importância de tudo isso no futuro que se avizinha. Ele tinha razão ao dizer que temos que aprender a ouvir mesmo sabendo que não pensamos o mesmo. Por tempo demais tentamos o método da raiva e do rancor. Todas e todos devemos nos livrar do rancor que carregamos. Voltemos a ganhar a confiança do outro. Voltemos a confiar-nos entre nós.
Chegou a nossa hora. Por isso estou aqui.
Quando meu mandato terminar, a democracia argentina estará cumprindo quarenta anos de vigência ininterrupta.
Neste dia, eu gostaria de poder demonstrar que Raúl Alfonsín tinha razão.
Espero que entre todos possamos demonstrar que com a democracia se cura, se educa e se come.
Coloquemo-nos de pé e comecemos novamente nossa marcha.
Muito obrigado.