“Apostar na luta é sempre um acerto”, por Camila Moreno

O 21 de setembro foi a maior manifestação popular dos últimos anos, e isso em si já é uma mensagem poderosa

Paulo Pinto/Agência Brasil / Site do PT

O Brasil se encontrou nas ruas no último 21 de setembro. Em todas as capitais e em centenas de cidades, multidões se reuniram em defesa da democracia, contra a anistia para golpistas e contra a impunidade. Foi um daqueles dias que marcam a memória política de um país: as imagens de praças e avenidas cheias de gente, de norte a sul, ecoaram também no exterior, em Lisboa, Londres, Paris e Berlim. Não há como negar: a luta segue viva.

Essas grandes mobilizações não aconteceram em um vazio. Foram respostas a uma semana de contrastes. De um lado, uma conquista histórica: a condenação de Jair Bolsonaro e de militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado. Pela primeira vez, os responsáveis por atentar contra a democracia foram responsabilizados, um marco simbólico e político de enorme relevância. De outro lado, a reação imediata: a aprovação da chamada PEC da blindagem e a votação da urgência do projeto que anistia golpistas que foram capazes até de planejar o assassinato do Presidente da República. Dois movimentos que, na prática, buscam apagar crimes e reescrever a história pelas mãos dos que não vêem valor na democracia.

O horror diante das pautas aprovadas na Câmara dos Deputados foi grande, mas havia quem duvidasse: será que essa pauta mobilizaria? Será que o povo atenderia ao chamado? As ruas responderam sem hesitar. O 21 de setembro foi a maior manifestação popular dos últimos anos, e isso em si já é uma mensagem poderosa: apostar na luta foi, mais uma vez, um acerto.

O que vimos foi muito além da negação à anistia para os que cometeram crimes contra a democracia e à tentativa de blindagem e privilégio para parlamentares e presidentes de partido. O povo brasileiro levou às ruas seu horizonte de futuro. A indignação deve agora se traduzir em propostas: gás e energia mais baratos, isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, redução da jornada de trabalho, taxação dos super-ricos, reforma política, porque ao mesmo tempo em que as ruas diziam “não” à impunidade, a multidão dizia também “sim” a um projeto de país mais justo.

Essa é a força pedagógica da luta. Ela ensina, inspira, organiza e fortalece. Mostra que a democracia não é um pacto distante restrito aos corredores de Brasília, mas um processo vivo, que ganha corpo quando o povo decide ocupar as ruas para defender direitos, dignidade e soberania. É nesse espaço coletivo que se constrói a energia necessária para enfrentar os retrocessos e avançar em novas conquistas.

A presença de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paulinho da Viola nos atos de ontem carrega um peso histórico profundo. Ícones da resistência cultural durante os anos de chumbo, artistas que enfrentaram censura, exílio e perseguição, voltam à cena pública, décadas depois, para mais uma vez defender a democracia brasileira. A participação deles é mais que simbólica, é um alerta, um chamado à memória e à ação. Eles sabem, como poucos, o que está em jogo. E se colocam novamente ao lado do povo, como fizeram nos momentos mais sombrios do nosso país, para impedir que o autoritarismo retorne pelas brechas da omissão.

Mas é um erro reduzir os atos à presença dos grandes artistas. Em muitas cidades, não havia nomes de projeção nacional nos palcos, e mesmo assim o povo foi às ruas. Porque o que moveu esses atos foi a luta. E a luta sempre caminhou de mãos dadas com a cultura. Quem tenta separá-las, por conveniência, ignorância ou má-fé, não entende nada de luta, nem de cultura, nem do Brasil, nem da nossa história. A força que ocupou as ruas ontem é a mesma que enfrentou a ditadura, que resistiu ao neoliberalismo e que segue viva nas periferias, nos movimentos populares, nas comunidades, nos sindicatos e nas escolas.

O 21 de setembro nos deixa uma lição: governabilidade não se garante apenas em acordos institucionais. Ela se sustenta também no povo mobilizado, disposto a dizer não ao esquecimento e sim à justiça. Quando trabalhadores, jovens, mulheres, idosos e todas as gerações se encontram em torno de uma luta, a democracia reencontra sua base mais sólida.

O Brasil mostrou, mais uma vez, que não aceitará retrocessos. Nenhuma blindagem e nenhuma anistia será capaz de calar a voz de um povo que decidiu lutar. Porque, na história do nosso país, sempre que a democracia esteve em risco, foi a luta popular que abriu caminho para a esperança e apostar nela sempre será um grande acerto.

Camila Moreno é membro da Direção Executiva Nacional do PT e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UniRio

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