Bolsonaro persegue pesquisadores e cientistas rejeitam condecoração

Marcus Lacerda e Adele Benzaken, da Fiocruz, têm nome retirado de lista para receber Ordem do Mérito Científico. Em carta, 21 cientistas denunciam retrocesso e boicote à saúde promovido pelo governo

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Cientistas viram na retirada dos pesquisadores da lista de premiados "uma clara demonstração de perseguição"

É um caminho sem volta. O negacionismo de Jair Bolsonaro coloca, a cada dia, mais e mais cientistas em rota de colisão com o obscurantismo do extremista de direita. Em carta aberta divulgada no sábado (6), 21 cientistas rejeitaram a condecoração Ordem Nacional do Mérito Científico, com a qual tinham sido homenageados na semana passada. O gesto foi uma reação à retirada, por parte de Bolsonaro, do cientista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda e da diretora da Fiocruz Amazônia Adele Benzaken da lista de condecorados.

Os motivos: Lacerda, que integra a Fiocruz, posicionou-se contra o uso de cloroquina para tratar pacientes com Covid-19. Já Benzake, consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), elaborou uma cartilha voltada para orientação e promoção da saúde de pessoas trans. Outros 44 professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também protestaram em um manifesto contra a atitude do presidente.

No documento, os cientistas viram na retirada dos pesquisadores da lista “uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do governo vigente”.

“Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas”, reagiu o grupo.

Já os professores da URFJ consideraram que “atitude indigna é marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo, que, durante a pandemia de Covid-19, se posicionou e agiu contra todas as recomendações científicas dos especialistas em saúde pública do país.

Leia abaixo a íntegra das cartas dos cientistas:

Carta aberta dos cientistas condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico em 03/11/2011

Os cientistas abaixo assinados, condecorados com a Ordem Nacional
do Mérito Científico, em decreto presidencial de 3 de novembro de 2021, vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados, em novo decreto presidencial na data de 5 de novembro de  2021. Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente.

Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas.

Como bem pontuaram a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em notas divulgadas no dia 5/11/2021, a Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras. A indicação de membros agraciados é realizada por uma Comissão, formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela SBPC. Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019. O mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista. Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação.

Outrossim, desejamos expressar nosso reconhecimento às indicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entidades que têm respeito duradouro em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação na sociedade brasileira. Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de Ciência e Tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil.

Brasil, 6 de novembro de 2021

Assinam (em ordem alfabética)

  • Aldo Ângelo Moreira Lima (UFC)
  • Aldo José Gorgatti Zarbin (UFPR)
  • Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEMA)
  • Anderson Stevens Leonidas Gomes (UFPE)
  • Angela De Luca Rebello Wagener (PUC-RJ)
  • Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira (IMPA)
  • Cesar Gomes Victora (UFPel)
  • Claudio Landim (IMPA)
  • Fernando Garcia de Melo (UFRJ)
  • Fernando de Queiroz Cunha (USP)
  • João Candido Portinari (Projeto Portinari)
  • José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS)
  • Luiz Antonio Martinelli (USP)
  • Maria Paula Cruz Schneider (UFPA)
  • Marília Oliveira Fonseca Goulart (UFAL)
  • Neusa Hamada (INPA)
  • Paulo Hilário Nascimento Saldiva (USP)
  • Paulo Sérgio Lacerda Beirão (UFMG)
  • Pedro Leite da Silva Dias (USP)
  • Regina Pekelmann Markus (USP)
  • Ronald Cintra Shellard (CBPF)

Leia abaixo a íntegra da carta dos professores da UFRJ:

Os Professores Eméritos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abaixo assinados, vêm a público expressar a sua indignação e repudiar a injusta exclusão dos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico. Os seus nomes foram indicados por uma comissão paritária de membros do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), o que garante que sua escolha se dê em virtude de seu mérito científico, fora de toda e qualquer injunção política.

Em decreto de 3 de novembro de 2021, o atual ocupante do Palácio do Planalto publicou a lista dos agraciados com a honraria e, em 5 de novembro de 2021, o Presidente da República, surpreendentemente, fez publicar novo decreto excluindo os dois cientistas acima mencionados, por pura perseguição política.

Essa atitude indigna é marca de governos autoritários, condizente com o negacionismo do atual governo, que, durante a pandemia de Covid-19, se posicionou e agiu contra todas as recomendações científicas dos especialistas em saúde pública do país. Somado a isso, cortes financeiros abusivos vieram sufocar o financiamento de  universidades e centros de pesquisa brasileiros, mostrando a sua total falta de visão e desprezo pela ciência e pelo próprio desenvolvimento do país.

Assim, prestamos nossa solidariedade aos cientistas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, excluídos da lista de agraciados por motivos políticos, bem como aos 21 (vinte e um) cientistas que renunciaram coletivamente às suas indicações.

Estes 21 colegas deixaram muito claro que não se troca honradez por honrarias.

Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2021

Adalberto Ramón Vieyra
Alda Judith Alves Mazzotti
Alice Rangel de Paiva Abreu
Ana Ivenicki
Anita Dolly Panek
Antônio Carlos Secchin
Antonio Flavio Barbosa Moreira
Antonio Giannella-Neto
Arthur Octavio de Ávila Kós
Basilio de Bragança Pereira
Erasmo Madureira Ferreira
Francisco Antônio de Moraes Accioli Dória
Francisco Radler de Aquino Neto
Gilberto Barbosa Domont
Helio dos Santos Migon
Henrique Murad
Jayme Luiz Szwarcfiter
João Luiz Maurity Saboia
Jose Mauro Peralta
Krishnaswamy Rajagopal
Liu Hsu
Luiz Davidovich
Luiz Felipe Alvahydo de Ulhoa Canto
Luiz Pereira Caloba
Luiz Pinguelli Rosa
Marcello André Barcinski
Márcio Tavares d’Amaral
Maria Angela Dias
Marieta de Moraes Ferreira
Mario Luiz Possas
Martin Schmal
Muniz Sodre Cabral
Nei Pereira Junior
Nelson Maculan Filho
Nelson Velho de Castro Faria
Nubia Verçosa Figueiredo
Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho
Raquel Paiva de Araújo Soares
Ricardo de Andrade Medronho
Sandoval Carneiro Junior
Takeshi Kodama
Vivaldo Moura Neto
Walter Araujo Zin
Yvone Maggie de Leers Costa Ribeiro

Da Redação, com G1 e CNN

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