Bolsonaro promove desmonte das políticas de combate à fome

Cortes orçamentários, fim de programas, loteamento de cargos e fim de participação social colocam política em risco

Isac Nóbrega/PR

Desde que declarou que não há fome no Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido) parece decidido a contrariar o próprio discurso. O desmonte de políticas e estruturas exitosas na redução drástica da insegurança alimentar e nutricional no país se mostrou uma das prioridades do governo.

A ofensiva só é comparável à do mandato de Fernando Collor de Mello (1990-92). Mas o cenário é totalmente diferente do que se via nos anos 1990, com o Brasil tendo deixado, em 2014, o Mapa da Fome das Nações Unidas. Naquele ano, 4,5% da população vivia abaixo da linha de extrema pobreza, segundo o IBGE. Em 2018 já eram 6,5%, chegando a 13,5 milhões de pessoas.

Na última reportagem da série Fome de Mentira, traçamos um balanço das medidas adotadas ao longo de 2019 que fazem com que problemas sociais antigos recobrem força total.

O início do fim

 

Ao colocar o pé no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro sinalizou a disposição em relação às políticas de segurança alimentar e nutricional por meio da Medida Provisória 870. Com uma canetada, extinguiu o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Criado no governo Itamar Franco e reaberto no início do primeiro governo Lula, o Consea fazia parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que tem o objetivo de assegurar o direito à alimentação adequada a toda a população residente no território nacional, conforme prevê o artigo 6º da Constituição – que foi alterado em 2010 para passar a contemplar a alimentação entre os direitos constitucionais básicos.

A extinção do Consea desorganizou a nível nacional a coordenação das políticas voltadas para o combate à fome no momento em que a taxa da população em extrema pobreza chegou ao maior patamar desde o início da série histórica, em 2012. Desde 2015, 4,5 milhões de pessoas ingressaram na faixa de extrema pobreza.

Bolsa Família

 

A promessa eleitoral de não mexer no Bolsa Família não parece ter sobrevivido ao ímpeto do atual governo. O principal programa de transferência de renda sofreu diminuição no número de pessoas atendidas. O percentual de domicílios contemplados caiu de 15,9% em 2012 para 13,7% em 2018, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A verba prevista para 2020 é de R$ 29,5 bilhões, abaixo dos R$ 32 bilhões direcionados ao programa em 2019. O governo informa que o programa sofrerá mudanças, sem explicitar quais.

Relatório da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – Fian Brasil ressalta que o aumento da pobreza tem efeito imediato sobre a capacidade das famílias de assegurar uma alimentação adequada e saudável. “O impacto da crise sobre a alimentação destas famílias é dramático. Se não chegam a passar fome, são certamente acometidas pela piora na qualidade da alimentação, uma vez que, quanto menor o poder aquisitivo familiar, menor o consumo de alimentos saudáveis, como frutas, legumes, raízes, tubérculos, grãos, castanhas, carne leite e peixes”, aponta o documento.

A essa altura, adverte a organização, as expectativas não são nada boas. “Há um forte receio de que o Brasil volte ao Mapa da Fome da FAO/ONU.”

É lógico

 

A economista Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo Dilma Rousseff, coordenava o programa Brasil sem Miséria, que passou a articular a partir de 2011 as políticas brasileiras de combate à extrema pobreza. A meta era fazer com que o país chegasse próximo de não ter pessoas nessa condição.

“É lógico que o Brasil está voltando para o Mapa da Fome. A gente deixa de ter o conjunto de elementos que tentavam promover um ambiente favorável para a alimentação saudável. No atual governo está sendo negada a segurança alimentar. O que a gente tem são ações concretas de desmonte da política”, critica.

Campello vê com preocupação o abandono dessa política em um momento em que a economia e o mercado de trabalho no país seguem fragilizados. E avalia que, frente à alta do preço de alimentos importantes na dieta do brasileiro – como a disparada do preço da carne bovina –, a população já começa a enfrentar uma situação de monotonia alimentar.

“Você tem um índice de desemprego altíssimo, a fragilização da CLT e as pessoas estão trabalhando com uma renda menor. Isso gera um ambiente de monotonia alimentar, porque é onde as pessoas cortam os gastos. Então, a carne, que era comprada uma vez na semana, uma proteína de qualidade, frutas e verduras produzidas pela agricultura familiar estão saindo da mesa das pessoas”, pontua.

Confira a íntegra da reportagem do Brasil de Fato

 

Por Brasil de Fato 

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