CPI do Carf rejeita manobra para convocar e constranger Lula

Parlamentares, ao impedir convocações, agiram contra tentativas de desviar o foco da investigação da fraude contra o Fisco

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura denúncias de corrupção no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) rejeitou por unanimidade a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu filho, Luiz Cláudio, e dos ex-ministros Erenice Guerra (Casa Civil) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência). A iniciativa foi do presidente da CPI, o senador tucano Ataídes Oliveira (TO) — o autor dos requerimentos, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) não votou, por ser presidente da comissão.

A CPI do Carf foi instalada para investigar a fraude bilionária que ocorria na esfera recursal do Ministério da Fazenda. O Carf é composto por representantes dos bancos, de empresas e de advogados. Investigações da Polícia Federal desvendaram um esquema de subornos a integrantes desse conselho de Recursos Fiscais que livraram grandes contribuintes do pagamento de cerca de R$ 300 bilhões que deveriam ser recolhidos para a Receita Federal.

O pretexto de Ataídes para tentar constranger Lula foi a edição da Medida Provisória 471/2009, que prorrogou incentivos fiscais criados em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, para estimular a instalação de fábricas de automóveis em regiões menos industrializadas. Uma matéria de um grande jornal sugere que a edição da MP pudesse ter sido motivada por interesses privados.

O presidente tucano da CPI, porém, ficou isolado. “Não podemos permitir que esta CPI acabe em pizza, acrescentando elementos novos, quando estamos tendo dificuldades de apurar os fatos que motivaram a instalação desta comissão”, alertou a senadora Simone Tebet (PMDB – MS). “Não consigo visualizar nenhum nexo entre o fato divulgado [pela imprensa] e o objeto desta CPI”, afirmou a senadora, lembrando que as atribuições tão próximas à função judicial, investigativa e conclusiva das CPIs exigem cuidado, imparcialidade e isenção na condução de seus trabalhos. “São ações que têm impacto na vida das pessoas. Não podemos agir pela coloração partidária”, enfatizou.

MP benéfica – O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou a importância dos incentivos para instalações de empresas nas regiões menos industrializadas do País, como seu estado, a Bahia. “Hoje no Brasil se acusa com facilidade. Precisamos eliminar a regra do pré-julgamento. As pessoas devem ser investigadas por fatos, não com base em notícias de jornal, tantas vezes parciais”, ensinou.

Vanessa Graziottin (PCdoB – AM), relatora da CPI, lembrou que a MP 471, pretexto para usada por Ataídes para fazer seu requerimento – prorrogou incentivos para os estados e foi aprovada por unanimidade, sem receber qualquer emenda, nem da Câmara nem do Senado. A MP teve como relatores, nas duas Casas, parlamentares do então PFL, hoje DEM, partido que sempre fez oposição aos governos petistas. O objetivo da MP foi prorrogar por cinco anos os incentivos fiscais para o setor automobilístico no âmbito da Sudam e da Sudene. “A única coisa que fez, além da legislação que já existia, foi estabelecer a obrigatoriedade de 10% do investimento desses benefícios fiscais em desenvolvimento científico e tecnológico”, explicou Vanessa.

Sem desvio de foco – A relatora também bateu duro na tentativa de desviar o foco da investigação da fraude contra o Fisco. “Nós aqui nesta CPI não temos o objetivo de proteger quem quer que seja. Agora, deixo claro também que ninguém vai desviar o foco da comissão. Nosso trabalho é difícil e tem um alvo, que são as grandes empresas que se utilizam de uma quadrilha que tomou conta do Carf para receber proteção e impedi-las, de forma ilegal, de recolher ao Fisco brasileiro aquilo que devem”, pontuou.

Como disse Randolfe Rodrigues (REDE-AP), os R$ 300 bilhões em créditos tributários que deixaram de ser pagos aos cofres públicos com o esquema de corrupção que a CPI vai desvendar equivalem a oito vezes os cortes que foram feitos por exigência do recente ajuste fiscal. Randolfe ponderou que seria razoável aprovar um convite à ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, mas que não via qualquer motivo para se convocar Lula, seu filho ou Gilberto Carvalho.

“O instrumento da CPI não pode ser banalizado, do mesmo modo que não pode ser desmoralizado. É necessária a mediação para que não se descambe para a injustiça e o linchamento público, ao mesmo tempo em que as CPIs cumpram o seu fundamental, sagrado e indispensável dever, que é o da investigação.

Tratamento similar – Otto Alencar cobrou respeito a Lula, “colocado no cargo duas vezes pelo voto popular”, e defendeu que o ex-presidente petista tenha tratamento similar ao dispensado a seu antecessor. “Tantos escândalos pipocaram no governo FHC e jamais se convocou o presidente a uma CPI. Quem esqueceu do escândalo da reeleição? E o escândalo do Banco Central, quando o vazamento prévio da desvalorização do real frente ao dólar permitiu que alguns da Avenida Paulista dobrassem suas fortunas?”, comparou o senador baiano.

O petista Donizeti Nogueira (PT-TO) apontou o contrassenso de se tratar como “decente e desejável” uma medida adotada por FHC e como “suspeita” a mesma medida adotada por Lula. “A MP 471 foi mera prorrogação do que já estava em vigor. Não acredito que nem a Presidência da República editasse ou que a unanimidade do Senado Federal e da Câmara votassem uma medida provisória movidos por interesses escusos”, apontou o parlamentar.

José Pimentel (PT-CE) lembrou que a reedição da MP foi feita a partir do pedido de vários governadores, de diversos partidos, que consideravam essencial para as economias de seus estados a prorrogação das regras estabelecidas por iniciativa de FHC, em 1999. Ele considera previsível a tentativa de criação de fatos políticos, mas ponderou que mesmo a indústria do factoide precisa trabalhar com alguma matéria concreta. “A tentativa de convocação de Lula tem o único objetivo, macular a imagem do ex-presidente”, resumiu.

Por Cyntia Campos, do PT no Senado

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