Eleições 2020: Mulheres negras enfrentam o racismo e avançam na ocupação da política

Leila Arruda, candidata a prefeita, perdeu a vida. Outras tantas candidatas enfrentaram o racismo em suas faces mais cruéis. O avanço das mulheres negras na política também revela a perversidade do preconceito racial no país.  

Kamylla Caroline, PT Goiás
Ana Clara, Redação Elas Por Elas

O Brasil constrói sua história há anos em cima de um racismo disfarçado e ilustrado em tudo que a sociedade vive. Na política não seria diferente: na pirâmide de prioridades e importância social, as pessoas negras estão na base, como maioria, e consequentemente menos valorizadas. Afunilando um pouco mais nessa desvalorização, estão as mulheres negras que além de não serem incentivadas às carreiras políticas, têm suas campanhas descredibilizadas e desacreditadas pelo famoso padrão de políticos que é constituído por homens velhos, brancos de classe média alta.

 Essa luta tende a ser ainda maior quando essas mulheres, reconhecendo essa dificuldade, começam a lutar pelos direitos colocando assim, a candidatura unânime desses homens em risco, lançando suas candidaturas e acreditando nelas. Apesar da capacidade de governar dessas mulheres ser questionada a todo tempo, a candidatura da mulher negra no Brasil já é uma realidade e as eleições puderam comprovar isso.

As mulheres ocupam cerca de 13,05% das cadeiras do executivo em todas as vertentes políticas no país, sendo apenas 4,5% negras. Porém, no ano de 2020 essa realidade foi transformada devido à ascensão dos movimentos negros que capacitou, credibilizou e confiou nessas mulheres o poder de mudança. 

O desafio que a mulher negra enfrentou nas eleições foi o reflexo de desafios diários que elas enfrentam nesta sociedade. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 66% das mulheres assassinadas eram negras. E 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Quando uma parcela dessa população feminina negra tem a possibilidade de ascender socialmente ela se inquieta e começa a buscar respostas para as questões que insistem em colocar o negro como inferior e a mulher negra como incapaz. Neste ano, 13 mulheres negras entre as candidaturas mais votadas nas capitais brasileiras. No entanto, a luta apenas começou. 

 

Mulheres negras do PT

 

Em 2020, o PT elegeu 226 vereadoras negras em todo país, um avanço para a construção e a consolidação combate ao racismo e o fortalecimento da pauta antirracista. Esse fenômeno se soma ao aumento da aumento da participação de mulheres do PT nas Câmaras Municipais em todo país. Levantamento preliminar interno registrou 453 vereadoras eleitas contra 444 em 2016. As regiões que lideraram esse desempenho, em tempos tão desafiadores, foram Sul, Nordeste e Sudeste. Em primeiro lugar, Rio Grande do Sul (96), seguido de Bahia (60), Santa Catarina (47), SP (45), Piauí (43) e Ceará (41). 

Segundo levantamento do Brasil de Fato, treze mulheres negras e três mulheres transexuais estão entre as dez candidaturas mais votadas em grandes capitais do Brasil. Eleita para a Câmara Municipal de São Paulo, Erika Hilton (PSOL) é a única que aparece nas duas contagens por ser negra e mulher trans. 

Em São Borja, a vereadora eleita Lins Robalo (PT-RS), mulher negra e trans, aponta a importância da diversidade para o cenário político brasileiro. 

Eleições 2020: Lins Robalo, vereadora eleita em São Borja, RS

 

“Penso que ainda precisamos avançar, nossa candidatura eleita não significa a mudança real da estrutura social, essa estrutura tem mais de 500 anos de violações e discursos de ódio contra a nossa cor, logo, esse avanço em si é um sinal de que devemos continuar a lutar, acreditando que mais pretas e pretos devem ocupar, acreditando que mais pessoas diversas devem compor a realidade dos parlamentos, pois só assim efetivamente estaremos falando e sendo ouvidos”, afirma Lins Robalo. 

A garantia de candidaturas diversas e representativas, um dos principais esforços do projeto Elas Por Elas, da Secretaria Nacional de Mulheres do PT, também demonstrou resultado nas urnas. 

Porto Alegre elegeu Laura Sito (PT), a décima vereadora com mais votos. Em Curitiba, Carol Dartora, também do PT, foi a terceira mais votada com 8.874 votos depositados nas urnas. Já em Vitória, no Espírito Santo, outras duas mulheres negras estão entre as 10 candidaturas mais votados na cidade, uma delas Karla Coser (PT), sétima colocada com 1.961 votos. 

No Rio de Janeiro, Tainá de Paula (PT) foi eleita com 24.881 votos e ocupa a nona posição entre as mais votadas na cidade carioca. Em Cuiabá (MT), as mulheres negras serão representadas por Edna Sampaio (PT), a oitava candidata mais votada, com 2.902 votos. 

A onda antirracista e feminista também chegou na região Norte do Brasil. Em Belém, no Pará, a candidata Vivi Reis foi a quinta candidatura mais votada, com 9.654 votos na cidade. No Rio Grande do Norte, em Natal, a candidata Divaneide (PT) foi a segunda mais votada, sendo escolhida por 5.966 cidadãos, e volta a ocupar o cargo que já exercia.

Divaneide Basílio

 

“Dia da Consciência Negra é, antes de tudo, um dia de luta.  Para a gente que abriu trincheiras nos espaços de voz e poder, é um dia para lembrar que não basta não ser racista, é preciso criar leis antirracistas.” Divaneide Basílio, vereadora PT-RN.

 

Lutar para sobreviver e vencer

 

Apesar do aumento da representatividade, um avanço para a sociedade brasileira, as mulheres negras enfrentaram desafios enormes para fazer a sua voz ecoar nos espaços políticos e ocupar esses lugares, inclusive com a própria vida. A violência política, doméstica, o racismo e a  sobreposição de opressões que pesam sobre os ombros das mulheres negras não ficaram de fora do cenário da disputa eleitoral. 

No Brasil, as mulheres negras sofrem para serem eleitas e também por serem eleitas, como o caso da candidata eleita Ana Lucia Martins (PT) primeira mulher negra eleita em Joinville  (SC). Ela teve que procurar segurança abrindo um boletim de ocorrência contra ameaças que vem recebendo em suas redes sociais desde o anúncio de vitória nas eleições. As mensagens recebidas diziam: Agora só falta a gente m4t4r el4 [sic] e entrar o suplente que é branco”. As informações são do G1.

Ana Lúcia Martins, PT-SC

 

Leila Arruda, candidata a prefeita em Curralinho (PT-PA), foi brutalmente assassinada a facadas pelo ex-marido, de quem estava separada há mais de três anos. Com uma campanha que demarcou a luta das mulheres, em defesa da educação pública de qualidade, Leila teve sua vida ceifada por um homem que se julgou no direito de tirar a vida dela. 

 

Leila Arruda, candidata a prefeita em Curralinho (PA), foi vítima de feminicídio

 

Na Bahia,  Major Denice (PT-BA), candidata a prefeita de Salvador, enfrentou a violência política na campanha pela ocupação do Palácio Thomé de Sousa (sede da prefeitura soteropolitana). Nesse caso, além de lidar com xingamentos e atos racistas nas redes, ela ainda teve que combater a campanha de desinformação e fake news. 

Major Denice: “votar em mim é se olhar no espelho. É ver nessa pessoa negra, da periferia, que estudou, se esforçou e que quer doar tudo que acumulou na sua vida”

 

Outro caso denunciado foi o da educadora e fundadora da Rede de Mulheres Negras da Bahia, Lindinalva de Paula (PT-BA). Ela sofreu um ataque de hackers no lançamento online da pré-candidatura, um mês antes do início da propaganda eleitoral. A atividade realizada na plataforma Google Meet foi invadida por dois perfis que interromperam a transmissão com imagens pornográficas, termos ofensivos e saudações ao atual presidente, Jair Bolsonaro. 

Lindinalva de Paula, PT-BA

 

Benedita da Silva (PT-RJ), candidata a prefeita pelo Rio de Janeiro, prestou diversas queixas de crime de racismo, injúria e difamação por conta de ofensas racistas que sofreu nas redes sociais. E, coincidentemente, Benedita, que também é deputada, foi alvo de ataques racistas no mesmo dia em que o TSE aprovou sua proposta de cotas eleitorais para negros. 

Benedita da Silva, PT-RJ

 

Ainda na capital fluminense, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), se mudou do Rio de Janeiro com sua família por conta das diversas ameaças contra a sua vida e de seus parentes. 

“Para ocupar os espaços, cada mulher matou um leão por dia na luta contra a opressão. Sem dúvida, as mulheres negras passaram por desafios ainda maiores por conta do racismo e do machismo. É por isso que projetos como o Elas Por Elas são imprescindíveis para que possamos andar juntas e fortalecidas na luta pela igualdade de gênero, contra o racismo e na ocupação de espaços políticos”, finalizou Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT

 

 

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