Entrevistas do JN são interrogatórios, diz professor de Jornalismo

Em 27 minutos de sabatina, o candidato à presidência Fernando Haddad, teve 62 interrupções e foi o mais interrompido dos presidenciáveis

Ricardo Stuckert

O candidato do PT a presidente, Fernando Haddad, enfrentou bancada hostil durante sabatina

As entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional, telejornal de maior audiência da TV Globo, com os presidenciáveis nas últimas semanas não só provocam calorosas manifestações nas redes sociais, como mobilizam opiniões dentro da academia entre especialistas da área do Jornalismo e da Comunicação Social.

Um dos pontos de destaque da polêmica é a quantidade de interrupções feitas pelos apresentadores do jornal, William Bonner e Renata Vasconcellos, durante as respostas dos entrevistados.

Em 27 minutos de sabatina, que foi o tempo-padrão concedido a todos os concorrentes selecionados para entrevista ao vivo, Fernando Haddad (PT) sofreu 62 interrupções; Jair Bolsonaro (PSL), 36; e Ciro (PDT), 34. A contagem é da revista Fórum.

Para o professor Samuel Lima, do Observatório da Ética Jornalística (Objethos), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a conduta dos apresentadores demonstraria um distanciamento do interesse central do jornalismo, comprometendo o conceito de “entrevista”.

Lima destaca que as constantes interrupções colocam os apresentadores do JN num patamar diferente do esperado para um jornalista.

“O polo mais importante de uma entrevista não pode estar na figura do entrevistador ou da entrevistadora. Eles fugiram completamente do objetivo e o resultado, o conjunto da obra, é desastroso em [relação a] todas as candidaturas, independentemente da cor ideológica delas. Não se trata de entrevistas, mas de interrogatórios”, critica.

Também tem chamado a atenção, no debate público dentro e fora da internet, a discrepância entre as diferentes sabatinas no que se refere ao numero de interrupções feitas.

No caso do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), entrevistado na ultima sexta-feira (14), foram 62 manifestações dos apresentadores durante a fala do petista, enquanto a entrevista de Geraldo Alckmin (PSDB) teve 17 e a de Marina Silva (Rede), 20. Os dados também são da revista Fórum.

Lima aponta que o número superior de interrupções de Haddad guarda um forte cunho político.

“Foi uma tentativa de enquadramento, de linchamento público de alguém que eles consideram um adversário a ser batido, não um entrevistado, não alguém que tem conteúdos, informações importantes a transmitir pro público”, afirma.

Opinião

O tom dos entrevistados durante as perguntas também têm recebido críticas por parte de telespectadores e especialistas que consideraram a postura de Bonner e Renata Vasconcellos como uma demonstração de opinião individual e/ou editorial a respeito das diferentes candidaturas.

Paulo José Cunha, professor de Telejornalismo do curso de Comunicação Social da Universidade de Brasília (UnB), observa que, numa sabatina, o entrevistador deve evitar manifestações diretas ou indiretas de opinião, mirando um conteúdo que se baseie no interesse público.

“O que se busca sempre é a isenção, o equilíbrio. Isso é o bom jornalismo que recomenda, a não ser que você esteja trabalhando na área da opinião”, explica, citando os artigos de opinião e as colunas como espaços jornalísticos destinados a esse fim.

Cunha sublinha que, na prática jornalística, objetividade e subjetividade precisar caminhar de mãos dadas, mas de forma que a entrevista não seja sufocada por outros interesses.

“A gente sabe que a objetividade jornalística em tempo integral não existe porque qualquer palavra ou vírgula carrega uma opinião, mas é obrigação do jornalista se policiar pra evitar que a sua opinião contamine a entrevista. Ele tem que trabalhar com critérios objetivos. Se está havendo esse tipo de extrapolação, está havendo exagero, erro”, pontua.

Conteúdo

Samuel Lima destaca o fato de, em geral, os apresentadores do JN não terem investido em temas relacionados ao plano de metas dos presidenciáveis, concentrando as atenções e as perguntas em questões polêmicas e mais periféricas.

Para o pesquisador, a postura teria por trás uma forte relação com o engajamento político da TV Globo, em especial nos últimos anos.

“Vai na lógica de quem jogou um papel fundamental da construção da crise, do golpe de agosto de 2016 e quer se manter ativo, quer manter esse protagonismo”, analisa.

O professor também ressalta que a estratégia acaba cumprindo um papel que visa manter certo nível de desinformação a respeito do conteúdo das campanhas, além de criminalizar a atividade política.

Citando o também pesquisador e professor Venicio de Lima, Samuel Lima afirma que seria, ao mesmo tempo, uma “corrupção da opinião pública”.

“De tanto se afastar do jornalismo como uma forma associada ao conhecimento e de tanto se aproximar da retórica política, a imprensa e a Globo, [esta] liderando a vanguarda do atraso, conseguem corromper a opinião publica”, reflete.

As entrevistas do Jornal Nacional com os presidenciáveis incluíram apenas aqueles que estão mais bem colocados nas pesquisas de opinião registradas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por Brasil de Fato

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