Flexibilização da quarentena não combate o desemprego, nem protege a economia
Medida expõe pessoas ao vírus, sobrecarrega o sistema de saúde e deixa mães trabalhadoras desamparadas. Conversamos com a economista Olivia Carolino
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Da Redação, Agência Todas
Nesta semana, o governador do estado de São Paulo, João Doria, anunciou flexibilização progressiva da quarentena com reabertura de comércios, shoppings e outros setores. A medida foi tomada quando o Brasil chegou a 25 mil mortes por Coronavírus e está entre os países com maior número de casos do mundo. Foram 1039 mortes em apenas um dia, registradas na última quarta-feira.
Cidades brasileiras que flexibilizaram a quarentena registraram aumento de contaminações. Em Blumenau, SC, havia 68 casos em 13 de abril, quando o comércio reabriu na cidade. Cinco dias depois, foram registrados 177 casos, uma alta de 160%. No caso de São Paulo, o relaxamento precoce do isolamento social acontece quando 92% dos leitos disponíveis na capital paulista já estão lotados.
Mas os fatos parecem irrelevantes quando não corroboram com a postura irresponsável do presidente. Com o argumento de conter o desemprego e proteger a economia, o governo federal trabalha com a desinformação, passa mensagens ambíguas para a população, oferece uma alternativa ineficaz e dá margem para os governadores atuarem da forma que bem entenderem.
“As taxas de desemprego já era problemáticas antes da pandemia devido à crise econômica”, explica a economista e doutora em Ciência Política, Olivia Carolino Pires.
Nas duas últimas semanas, foram cerca de 10 milhões de pedidos de seguro desemprego pela População Economicamente Ativa (PEA) — composta por 160 milhões de pessoas. Segundo o DIEESE, a taxa de desocupação estava em 11,6%, ou seja, uma estimativa de 12,3 milhões de desocupados (em fev/2020). A taxa de desalento sobe para 15,4%, o que significa 4,6 milhões de pessoas. De acordo com a economista, o retrato da precariedade da classe trabalhadora só fica completo se a gente olhar para os trabalhadores por conta própria que corresponderam a 26% do total de ocupados (24,48 milhões) e os trabalhadores sem carteira assinada, a 20% dos ocupados (18,40 milhões).
“Para reverter o desemprego , o Estado precisa elaborar política para evitar demissões e conceder linha de crédito para as empresas não quebrarem. O que retoma o emprego é o crescimento econômico e o investimento”, adverte Olivia.
Mães trabalhadoras
A reabertura da quarentena ou “flexibilização do isolamento” é uma medida que prioriza o lucro em detrimento da vida da população. Sem embasamento técnico, científico ou sanitário, a reabertura gradual, além da exposição ao vírus, sobrecarrega a vida das mães que trabalham fora. No caso do estado de São Paulo, escolas e creches permanecem fechadas — deixando famílias sem alternativas para o cuidado das crianças.
“A responsabilidade com as crianças sempre recai sobre as mulheres, resultado dessa sociedade patriarcal e machista. Essa flexibilização só vai piorar ainda mais a vida das trabalhadoras — que já vem sofrendo bastante com os impactos da pandemia”, afirma Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Para proteger essas mulheres, Pires aponta uma série de medidas como a garantir a renda emergencial para as mulheres terem condições de permanecer em casa; reduzir a jornada; e garantir seguro desemprego. Ou seja, o impacto da flexibilização da quarentena na vida das mulheres vai além do cuidado com as crianças, pois envolve uma série de inseguranças e desproteção social e econômica que o governo Bolsonaro coloca sobre as famílias.
“Por um lado, desenvolvem-se novas formas de solidariedade, cuidados, autocuidados, maneiras de se relacionar, divisão de tarefas e organização social. Por outro, se desenvolve o pânico, a violência, a experiência da escassez, o desemprego, o aumento da miséria, o convívio com a iminência do adoecimento e da possibilidade da morte”, aponta Olivia.
Qual a alternativa?
Existem alternativas mais humanas e menos cruéis para enfrentar o desemprego que não passam pelo fim do isolamento. O Plano Emergencial das Frentes, da Frente Brasil Popular e da Frente Povo sem Medo reúne uma série de medidas para garantir a renda emergencial para as trabalhadoras e medidas para atenuar os impactos da crise sobre a vida das mulheres — que inclui também o combate à violência doméstica.
O Projeto Brasil Popular é uma iniciativa da esquerda que organiza esse debate sobre a retomada do emprego nos marcos de uma projeto de desenvolvimento econômico que não seja o programa neoliberal do Paulo Guedes.
“A defesa do isolamento social com proteção econômica e social é o único caminho que pode salvar vidas. O relaxamento precoce só traz mais riscos à classe trabalhadora e prejudica a vida das mulheres”, finaliza Anne.