Forças Armadas e opinião pública: a nota de repúdio mais importante

A ocupação do governo por militares é vista pela sociedade como uma adesão da Instituição à gestão errática de Bolsonaro, apontam Ana Penido e Jorge Rodrigues, pesquisadores do Grupo de Estudo em Defesa e Segurança (GEDES – UNESP) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, em artigo publicado pelo jornal Brasil de Fato

Sérgio Lima

Bolsonaro e militares

Discussões sobre opinião pública não são simples. Há divergências sobre como elas se formam, sobre o grau de influência dos grandes meios de comunicação, sobre as diferentes metodologias para a mensuração de tendências. Enfim, é um terreno arenoso.

Da mesma maneira, os institutos que fazem pesquisas sobre a opinião pública não usam as mesmas metodologias, e costumam existir diferenças entre os números constatados por eles, por exemplo, sobre o percentual daqueles que aprovam ou reprovam um governo.

Porém, é com base em pesquisas de opinião pública que são feitos os planejamentos de campanhas eleitorais, avaliações de políticas públicas e até mesmo para o lançamento de produtos no mercado. Até pouquíssimo tempo atrás, as Forças Armadas (FFAA) eram objeto dos levantamentos sobre opinião pública de poucos institutos de pesquisa. Quando surgiam, era lateralmente, ilustrando levantamentos sobre a ditadura militar. Nossa intenção aqui não é torturar os números das pesquisas até que os mesmos falem o que desejamos, pelo contrário, objetivamos tomá-los como pano de fundo para nosso argumento central: a participação massiva de militares no governo traz prejuízos à legitimidade das forças armadas junto à população.

Levantamento do Latinobarômetro de 2018, portanto pouco anterior à eleição de Bolsonaro, apontava que, na América Latina, as FFAA mantiveram naquele ano um quadro de 44% de confiança perante a sociedade, ficando atrás apenas das igrejas. No Brasil, esse número é ainda maior, gozando os militares de um grau de 58% de confiança na sociedade. Esse índice é motivo de grande orgulho para a corporação, dando aos militares uma legitimidade institucional alta. Cabe lembrar, todavia, que as mesmas pesquisas apontam que esse prestígio decorre da atuação em ações subsidiárias – distribuição de cestas básicas, vacinação em áreas de difícil acesso, solicitude aos vizinhos de quartéis, etc. –, especialmente, como exemplificado, as de assistência social, e não pela política de defesa ou, menos ainda, pelo desempenho enquanto gestores públicos.

Por certo, deter um alto status entre a população é diferente de deter alto poder político. Mas a confiança da sociedade e a legitimidade dela decorrente são bases sobre as quais se assenta o poder político. Nesse sentido, Bolsonaro se aproveita da legitimidade social das FFAA, enquanto a recíproca não é verdadeira, pois a má avaliação do governo recai sobre a Instituição. É o que indicam os dados abaixo.

Em abril de 2019, reportagem de José Roberto de Toledo, na Revista Piauí, já atestava a perda de popularidade dos militares. Os dados, fruto de pesquisa realizada pelo Ibope, mostravam uma queda acentuada no que pode ser percebido como o prestígio dos militares na sociedade. Logo após a posse de Jair Bolsonaro (sem partido) na Presidência da República, 62% dos entrevistados nutriam certo apresso pela ideia de um governo militar, número que, apenas 3 meses depois, cairia 13 pontos, com 49% de apoio a um eventual governo fardado. Avaliações ruins ou péssimas somavam 45% dos entrevistados.

A taxa de rejeição aos militares crescia, então, à medida que aumentava a avaliação negativa do presidente da República. Nos primeiros 4 meses de governo, Bolsonaro havia perdido 14 pontos percentuais de sua popularidade. A tendência viria a se confirmar em outros levantamentos realizados por diferentes institutos de pesquisa.

Em junho de 2019, havia ainda a expectativa em setores diversos de que os generais no Planalto serviriam como espécie de cordão sanitário para o governo Bolsonaro, emprestando a ele um sustentáculo de racionalidade. Por outro lado, estudiosos da área de defesa alertavam para a possibilidade de contaminação política da Instituição, que exporia sua imagem e poderia vivenciar a desprofissionalização dos seus quadros.

Um ano depois, em maio de 2020, os dados do Instituto Datafolha estimavam que 52% dos brasileiros eram contrários à presença de militares no governo. Por outro lado, a porcentagem de entrevistados que viam como positiva a participação de membros das FFAA no governo era de 43%.

No dia 15 de junho, pesquisa do Instituto da Democracia apontava para o desgaste na imagem das Forças Armadas com sua participação no governo a partir de alguns indicadores. O primeiro deles diz respeito à conivência da sociedade a uma guinada militar no governo face à elevada criminalidade. Enquanto em 2018, 55,3% dos brasileiros se mostrava favorável a um golpe militar para conter a criminalidade, esse número hoje é de 25,3%.

No mesmo sentido, quando perguntados se um golpe militar seria justificado diante de muita corrupção no governo, os números mais uma vez são indicativos do repúdio da sociedade ao governo militar. Em 2018 47,8% dos brasileiros se mostrava favorável à iniciativa, enquanto apenas 29,2% dos entrevistados concordam com a medida atualmente. Os outros dois indicadores se referem à ruptura institucional num quadro de alto e crescente desemprego, e ao fechamento do Congresso num cenário de dificuldade do chefe do Executivo em governar. Os índices de rejeição nesses cenários são ainda maiores: 79,2% dos entrevistados se opõe à medida no primeiro cenário, face a 78% de rejeição no segundo.

Por fim, levantamento do Poder 360, realizado no dia 16 de junho com base em dados do Ministério da Defesa, indica que cerca de 2.930 militares da ativa ocupem cargos nos Três Poderes. Embora não informe dados quantitativos sobre os oficiais da reserva, ou sobre aqueles contratados como Prestadores de Tarefa por Tempo Certo (PTTC), foi o mais amplo levantamento apresentado até agora. Desse total, 92.6% estão em postos abertos no governo Jair Bolsonaro, 7,2% lotados no poder Judiciário e 0,03% no Legislativo nacional.

Os dados apontam que, para a sociedade, a ocupação do governo por militares é vista como uma adesão da Instituição ao governo, não como apoio de indivíduos ao mesmo que, por um acaso, são ou foram fardados. Foto: Reprodução

As cifras chamam atenção também se considerarmos a origem desses militares. Os oriundos do Exército ocupam 1.665 cargos, distribuídos entre Executivo e Judiciário, enquanto a Força Aérea ocupa um total de 757 postos, espalhados pelos mesmos poderes. A Marinha, por sua vez, é a única força com presença no Legislativo, ocupando 1 cargo, somado aos 500 cargos que ocupa no Poder Executivo e aos 7 no Judiciário.

A concentração de militares no Executivo condiz com a estratégia de sustentação do governo no prestígio social das FFAA. Nesse contexto, é interessante notar que, apesar de a maioria dos militares no Executivo estarem alocados na pasta da Defesa – o que representa algo de problemático face à inexistência de controle civil das forças, mas não é necessariamente um fenômeno recente –, são seguidos de perto pelos militares alocados em postos no aparelho de inteligência e segurança institucional do governo, o GSI. Enquanto a Defesa concentra 1.242 militares, o Gabinete de Segurança Institucional, chefiado por Augusto Heleno, o qual conta com a participação de 1.142 militares da ativa, 904 dos quais originários do Exército.

A convergência entre as pesquisas sobre a opinião pública vai além da curva descendente de apoio social à militarização do governo. Mais que isso: os dados apontam que, para a sociedade, a ocupação do governo por militares é vista como uma adesão da Instituição ao governo, não como apoio de indivíduos ao mesmo que, por um acaso, são ou foram fardados.

Apesar dos esforços da instituição em reforçar seu descolamento do governo, bem como da rejeição de importantes nomes das forças a um suposto papel moderador, fato é que a confusão entre instituição de Estado e governo é cada vez maior. As FFAA, ciosas de sua imagem e orgulhosas de seu prestígio, agora se veem obrigadas a encarar as consequências da associação com um governo cuja condução política tem sido, para dizer o mínimo, errática.

Os danos institucionais deste casamento por conveniência são inegáveis e já começam a chegar, como aponta a nota de repúdio mais importante de todas: a opinião pública.

Ana Penido e Jorge Rodrigues são pesquisadores do Grupo de Estudo em Defesa e Segurança (GEDES – UNESP) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Brasil de Fato/ Edição: Rodrigo Chagas

 

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