Funai gastou apenas R$ 8 com cada indígena em ações de combate à pandemia

Reportagem do ‘Brasil de Fato’ revela que, nos últimos 114 dias, órgão responsável pelo atendimento à população indígena brasileiro investiu apenas R$ 6,6 milhões em medidas preventivas. Para líderes indígenas, baixo valor indica “política genocida” do governo Bolsonaro

Ichiro Guerra

Nos últimos 114 dias, desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) gastou apenas R$ 6,6 milhões em medidas para proteger a população indígena da doença. O valor corresponde a 1,18% do orçamento anual da entidade, que é de R$ 507 milhões. Os dados foram obtidos pelo Brasil de Fato via Lei de Acesso à Informação (LAI).

O investimento per capita, se o valor for dividido pelos 800 mil indígenas que vivem no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de R$ 8,35. Isso significa que no período da pandemia, cada indígena recebeu R$ 0,07 por dia da Funai. O valor foi criticado por algumas das principais entidades que defendem os direitos dos povos originários.

Luiz Eloy Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que a entidade recebeu a notícia com pesar, mas “não com surpresa”. “É a constatação dessa política genocida, especialmente em relação aos povos indígenas, que está sendo implementada no âmbito do governo Bolsonaro, que é um governo declaradamente de anti-indígena.”

A Apib mantém uma plataforma online que produz, diariamente, um boletim epidemiológico que traz dados referentes à proliferação da covid-19 nas aldeias. De acordo com os números da entidade, da última quinta-feira (18), são 6.093 indígenas contaminados com coronavírus e 301 óbitos.

Investimentos não-realizados

Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Cerqueira, o governo é responsável pelas mortes entre os povos originários e poderia ter evitado esses óbitos com investimentos que freassem o acesso de não-indígenas nas aldeias.

“Uma das coisas que achamos fundamental é a proteção dos territórios, era justamente ajudar os indígenas que estavam estabelecendo as barreiras sanitárias e ao mesmo estabelecer maior fiscalização, para impedir invasão aos territórios. Isso não foi feito”, argumenta Cerqueira.

Ana Lúcia Pontes, coordenadora do Grupo Técnico de Saúde Indígena (GTSI) da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), lamenta a fragilidade da Funai durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

“As instituições indigenistas vinham, desde o ano passado, particularmente a Funai, num processo de desmonte e enfraquecimento, com cortes orçamentários, diminuição de suas estruturas, que iriam comprometer a atuação regular do órgão”, explica Pontes.

Cestas básicas

Os recursos utilizados pela Funai não seriam para medidas como tratamento e assistência médica. Para essa finalidade, existe a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, que atende aos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).

De acordo com o portal Transparência Brasil, R$ 3,9 milhões, ou 59% dos R$ 6,6 milhões, foram gastos com cestas básicas; R$ 1,4 milhões com combustível e lubrificante para os carros da Funai; R$ 534 mil com produtos de higiene e limpeza; R$ 124 mil para peças de reposição e apenas R$ 65 mil em equipamentos de proteção.

Cerqueira, secretário do Cimi, reconhece a importância das cestas básicas, mas critica a demora da medida. “Com relação à alimentação, ela chegou tarde. Quando chegou, o coronavírus já estava instalado nas aldeias e boa parte dos indígenas tiveram que sair para buscar essa ajuda fora”, lamentou.

Eloy Terena lamentou a falta de investimento em estrutura e insiste que a Funai poderia utilizar mais recursos com outras finalidades, “que devem ser a preocupação da entidade”. “Poderiam colocar bloqueios nas terras com presença de índios isolados, combater o garimpo e desmatamento ilegal e perfurar poços nas áreas que não tem acesso a água, especialmente nos territórios dos povos Guarani e Kaiowá.”

A Funai informou que além dos R$ 6,6 milhões já investidos, outros R$ 16,5 já foram liberados e serão utilizados pelo órgão para combater o coronavírus, totalizando R$ 23 milhões em recursos. Porém, a entidade não precisou o prazo que utilizará para aplicar o valor nas aldeias. Além desse valor, em abril deste ano, o governo federal publicou a Medida Provisória 942, que determinou o envio de R$ 10,8 milhões à Funai para investimento na prevenção e combate ao coronavírus dentro das aldeias.

Procurada para comentar os dados, a Funai não respondeu até a publicação desta matéria.

Igor Carvalho, do Brasil de Fato

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